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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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Como o Brasil chegou a isto?

"Como um país, com a democracia restabelecida, pôde eleger uma pessoa como o Bolsonaro para a presidência da República? Como ele se mantém neste cargo?", questiona o sociólogo Emir Sader

Jair Bolsonaro recoloca a máscara depois de falar na abertura da Assembleia-Geral da ONU21/09/2021 (Foto: REUTERS/Eduardo Munoz/Pool)
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Por Emir Sader 

O discurso de Bolsonaro na ONU colocou, uma vez mais, uma pergunta que as pessoas não conseguem compreender: por que uma pessoa assim chegou a ser presidente do Brasil e ainda se mantém neste cargo? 

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Um país que já foi representado na ONU, entre outros, por Fernando Henrique Cardoso e por Lula. Um país que já teve o sistema de vacinas mais importante do mundo. Um país que já teve governos tão reconhecidos e prestigiados no mundo, como os do PT. Como pode agora ser representado por alguém que despreza a ciência, as vacinas, que governa sem políticas sociais, que não fala das desigualdades, da fome da miséria, da retomada do desenvolvimento, que não se comporta com a mínima dignidade exigida de um presidente do Brasil.

Mesmo com todas as explicações políticas que se tem dado, o mundo e nós mesmos nos perguntamos como o Brasil pôde chegar a esta situação. Como chegamos tão baixo, depois de ter tido governos e líderes considerados exemplares no mundo, como os do PT, já neste século?

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Como um país, com a democracia restabelecida, pôde eleger uma pessoa como o Bolsonaro para a presidência da República? Como ele se mantém neste cargo?

Claro que demonstra que não havia democracia, se o candidato favorito nas pesquisas foi preso, condenado e impedido de ser candidato, embora pouco tempo depois tenha sido solto e considerado inocente, pelo mesmo Judiciário que o havia preso, condenado e impedido de ser candidato.

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Claro que demonstra que o sistema politico e jurídico atual se mostra totalmente incompetente para impedir que essa pessoa, cometendo todo tipo de crimes, siga na presidência, sem ser submetido e tirado da presidência por um impeachment. Deve haver alguma falha profunda nesse sistema que permitiu que ele tivesse acesso à presidência e agora se mostra incapaz de tirá-lo de lá.

Da luta contras as desigualdades para a luta contra a política 

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Tudo começou com uma campanha contra a política, valendo-se de manifestações em 2013, iniciadas com reivindicações contra o aumento de tarifas do transporte público, derivada para campanha contra o Mundial de Futebol no Brasil e, dai, contra a politica – que, na prática, representava deslocado o consenso nacional da luta contra as desigualdades para a luta contra os governos do PT, que combatia essas desigualdades.

Eram os governos que colocavam em prática programas sociais que diminuíram, pela primeira vez, as desigualdades, no país mais desigual do continente mais desigual do mundo. Ao invés de lutar frontalmente contra essa prioridade e contra esses programas – para o que teria sido difícil encontrar argumentos -, a direita deslocou a questão central para a luta contra a corrupção, que seria a razão da desqualificação da política e seria o principal problema do país.

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Durante muito tempo coexistiram a luta contra a desigualdade – priorizada pela esquerda - e a luta contra a corrupção – priorizada pela direita. Era indispensável apagar da cabeça das pessoas os efeitos dos governos do PT, para poder fazer triunfar a luta contra a corrupção. Os governos do PT seriam, ao mesmo tempo, os que lutavam contra as desigualdades e os governos mais corruptos.

Enquanto o PT estivesse no governo, seria impossível apagar da cabeça das pessoas os efeitos das políticas sociais do governo do PT. Foi necessário retomar a campanha contra a política e de desqualificação do PT como corrupto e, também, como incompetente economicamente para governar o pais, para poder tira-lo do governo.

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Foi no novo ciclo de mobilizações, em 2015-2016, que se concentrou nas denúncias de corrupção do PT e na suposta incompetência do governo da Dilma no plano econômico. É preciso recordar – o que se tratou de apagar do conhecimento público -, que a economia ainda crescia, embora a ritmo mais lento, no governo da Dilma, que ainda propiciou que o país tivesse, no último mês do seu governo, pleno emprego, pela primeira vez na história de um país conhecido pelo desemprego estrutural.

A direita se aproveitou de uma fraqueza do PT: não tinha conseguido difundir suficientemente na cabeça das pessoas tanto a importância das políticas sociais e sua centralidades no Brasil atual, como a falta de consciência social da importância da democracia política, como sistema em que a maioria decide quem governa o país e que tinha permitido os governos do PT, que tinham mudado tanto o país para melhor.

Isto refletia também a falta de compreensão da centralidade da luta de ideias, da luta ideológica, cultural, na qual se disputam os consensos prioritários no país na cabeça das pessoas. Não basta fazer políticas que beneficiam amplamente as necessidades das pessoas. É igualmente indispensável promover a consciência social das razões da prioridade da luta contra as desigualdades e a necessidade de demonstrar a farsa da luta contra a corrupção do PT levada a cabo pela direita.

Mais tarde, Lula se prestou ao sacrifício de aceitar ser preso, mesmo inocente, para provar sua inocência - o que conseguiu amplamente. Mas naquele momento a Dilma já tinha sido derrubada pelo golpe de 2016, o Temer já tinha revertido as políticas econômicas e sociais do PT, já se preparava a eleição de um outro candidato de direita, para tratar de impedir a volta do PT ao governo.

Da luta contra a corrupção ao golpe contra a Dilma

A combinação desses fatores levou ao golpe contra a Dilma. Depois da retomada da democracia, com o fim da ditadura militar e a transição representada pelo governo de José Sarney (1985-1990), o país retomou governos eleitos pelo voto direto, que se prolongou por 26 anos, até 2016.

O Brasil viveu governos neoliberais – Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso – nos anos 1990, eleitos pelo voto popular. Viveu, em seguida, os governos do PT – Lula e Dilma, de 2003 a 2016. Durante os governos do PT, o país vivia um período de retomada do desenvolvimento econômico de diminuição das desigualdades, de extensão dos direitos de todos. Mas, no plano das ideias, as denúncias sobre a corrupção atribuída ao PT predominavam, consolidando-se quase como uma realidade que nem necessitava de provas.

A operação Lava Jato se encarregava de promover o consenso da corrupção do PT, que se estendia ao Lula e permitiu sua prisão e condenação. É como se o país vivesse ao mesmo tempo duas realidades – o governo que melhorava a vida do país e das pessoas seria um governo corrupto. A direita não retrucava que os governos do PT melhoraram a situação do país e das pessoas e o PT não retrucou as acusações de corrupção

Dilma foi derrubada, não por acusações de corrupção - porque não conseguiram nenhuma prova contra ela - mas pelos absurdos argumentos de transferência de recursos dentro da constituição – chamadas de pedaladas fiscais -, prática usada por todos os governos anteriores e posteriores. Se tratava da via possível para tirar o PT do governo, dado que, em quatro eleições sucessivas, os candidatos do PT derrotaram os candidatos da direita – em 2002, 2006, 2010 e 2014.

Interrompida novamente a democracia – como havia ocorrido no Brasil com o golpe militar de 1964 -, desta vez com uma modalidade de guerra híbrida – a nova estratégia golpista da direita, de corrosão interna da democracia liberal -, retornava o modelo neoliberal com o governo do então vice-presidente, Michel Temer. 

As políticas de aliança do PT tinham funcionado, enquanto a hegemonia nessas políticas tinha sido das políticas petistas, de luta contra as desigualdades como prioridade central. Foram indispensáveis, porque a esquerda nunca teve maioria no Congresso e não poderia governar contra o Congresso.

Quanto a direita conseguiu reverter o consenso nacional da prioridade das políticas sociais e impor o da luta contra a corrupção do PT, as alianças foram rompidas, quanto o PMDB aderiu ao projeto golpista e assumiu a presidência do governo golpista, com a posse do vice, membro do PMDB, Michel Temer. Este havia sido eleito e reeleito com os programas do PT, mas rompeu com eles e retomou o programa neoliberal, derrotado quatro vezes em eleições democráticas, terminando de configurar que se tratava realmente de um golpe, de imposição de políticas minoritárias no país.

Do golpe a Bolsonaro

Na nova ruptura da democracia reside a origem das tragédias que o Brasil vive hoje. Ter impedido que Dilma cumprisse o mandato para o qual ela tinha sido eleita pelo voto democrático dos brasileiros, deu início a um processo de arbitrariedades antidemocráticas que terminaram levando ao monstruoso governo de Bolsonaro.

O impeachment de Dilma levou à presidência o então vice-presidente Michel Temer que, como já foi dito aqui, violou o programa com o qual ele mesmo tinha sido reeleito vice-presidente, implementando as políticas da oposição, derrotada democraticamente em quatro eleições seguidas.

O Brasil retrocedeu em todos os avanços que tinha tido durante os governos do PT. Voltou ao já fracassado modelo econômico neoliberal, que privilegia os ajustes fiscais e favorece os interesses do capital financeiro e dos bancos privados. Terminou com as políticas sociais que haviam diminuído as desigualdades sociais, pela primeira vez no Brasil.

Para consolidar o golpe contra a democracia e contra o PT, a Lava Jato promoveu a prisão, a condenação e o impedimento do Lula de se candidatar à presidência da república em 2018. Lula – como já foi dito aqui – aceitou a prisão, para comprovar sua inocência. Enquanto isso, a direita, diante da perda de apoio do candidato tucano – Alckmin, de novo -, optou pela candidatura de Bolsonaro, que era quem tinha mais preferências nas pesquisas, depois do Lula.

Não importava à direita brasileira que tivesse sido um parlamentar absolutamente ausente, no estilo típico da política tradicional. Não importava que ele tivesse promovido seus filhos na política, igualmente da forma mais típica da política tradicional.

Não importava que ele defendesse o golpe e a ditadura militar, que tivesse dito que o erro desse regime foi não ter matado mais, talvez 100 mil pessoas. Que ele defendesse a tortura e tivesse homenageado o maior torturador do Brasil, em cadeia nacional, no voto pelo impeachment da Dilma. 

Não importava sua atitude agressiva contras as mulheres e os negros, contra as politicas de promoção dos direitos deles.

Não importava que ele não tivesse nenhuma experiência de governo, que tivesse vínculos com as milícias do Rio de Janeiro. Não importava nada, contanto que pudesse, com manipulações eleitorais, impedir o retorno do PT ao governo – objetivo máximo da direita brasileira, não importasse o preço a ser pago pelo país.

Importava tirar o PT do governo, impedir seu retorno, poder manter o modelo neoliberal, qualquer que fosse o preço a pagar para isso, mesmo colocar na presidência alguém como o Bolsonaro.

A ruptura da democracia, o conluio do Judiciário com os meios de comunicação para criminalizar o PT – foram os elos que levaram do golpe de 2016 ao governo do Bolsonaro. Foram os elos da guerra híbrida, o novo tipo de golpe da direita contra a democracia. 

A eleição de Bolsonaro foi promovida mediante fake news disseminadas por robôs. As denúncias desses mecanismos pela mídia, com os nomes dos empresários que as financiavam, foram consideradas irrelevantes pelo Tribunal Superior Eleitoral, confirmando a cumplicidade do Judiciário com a ruptura da democracia e com a eleição de Bolsonaro.

Foi assim que, em poucos anos, o Brasil passou de governos eleitos democraticamente pelo povo, que fizeram os governos mais virtuosos da história do país, porque diminuíram as desigualdades – o maior problema do país -, projetando uma imagem de prestígio no mundo. Até chegar a um governo que aumenta as desigualdades e o desprestígio do país no mundo. Que provocou a catástrofe humanitária que o país viveu nestes últimos cinco anos.

Somente o resgate da democracia e a retomada dos governos que promovem as políticas sociais, os direitos de todos, e a diminuição das desigualdades no país, permitirá o Brasil sair da situação mais desastrosa da sua história. 

Por esses mecanismos todos, o Brasil chegou a isto. Mas o país conhece os mecanismos de reversão das catástrofes presentes. Sabe como retomar o caminho que conseguiu percorrer já no século XXI, para fazer com que o país possa voltar a crescer, gerar empregos, diminuir as desigualdades e voltar a ser respeitado e ter prestígio no mundo.

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