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Homero Gottardello

Jornalista, Bacharel em Direito, Música (habilitação em “Teoria Geral da Música”) e Belas-Artes (habilitação em “Cinema”)

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“Comprei” o Kwid com desconto: dei 20% de entrada e me ferrei

Na ponta do lápis, o “novo popular” de menos de R$ 59 mil custa, no mínimo, R$ 94.300 para o incauto que embarca nessa aventura

(Foto: Reuters)
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A redução dos preços do Renault Kwid, que depois da Medida Provisória do “novo carro popular” está sendo ofertado – sabe-se lá até que dia – pelo preço desonerado R$ 58.990, esconde uma casca de banana que, lá na frente, vai derrubar o incauto. É que, sugestionado pelas manchetes de que o subcompacto está até R$ 10 mil mais barato, o consumidor de boa-fé vai correr até um concessionário, entregar todas suas economias como entrada e assumir o contrato de financiamento que terá “vida útil” maior do que do própria bem, achando que fez um negócio da China. Antes de mais nada, cabe frisar que o Kwid não está, exatamente, mais barato, já que, há apenas 15 meses, o mesmíssimo modelo, com a mesmíssima configuração de hoje, já era vendido por este mesmo valor “promocional” – e isso, frise-se, sem nenhum tipo de incentivo. Como sou advogado, além de jornalista, cliquei no “conquiste seu zero km” do site nacional da marca e fiquei aguardando o contato do ‘cupido’ da Renault que iria me ajudar nesta “conquista” – o engodo já começa aí, na romantização da compra de um 1.0 de origem indiana, com duas reprovações (e uma ‘semiaprovação’) em testes de segurança.

Depois de me inscrever no site – isso, mesmo, tive que fazer uma inscrição e fornecer até CPF – fui contatado por um atendente digital muito rapidamente, coisa de dois minutos. Depois de ficar respondendo perguntas com opções de resposta de “1” a “5”, perdi a paciência, porque não há como um humano normal se relacionar com uma fabulação, parei de interagir e fiquei aguardando o ‘cupido’, ou seja, o vendedor de carne e osso me ligar. Conversei por ele por aplicativo de mensagens (WhatsApp), para ter tudo documentadinho, e a verdade é que, na ponta do lápis, o “novo popular” de menos de R$ 59 mil vai custar até R$ 94.300 para quem se aventurar. Antes de dar sequência, é importante deixar claro que a armadilha se dá – pasmem! – totalmente dentro da legalidade, já que os contratos que o comprador irá assinar, aceitando uma taxa de juros escorchante, não trazem nenhum abuso para além do intelectual.

O suposto “desconto” que a Renault estaria me dando é, na verdade, um negocião para a marca que, além do benefício tributário para o produto industrializado (vulgo, o automóvel que fabrica), também se beneficia de uma linha de crédito com juros anuais de 1,7% – repassada ao bobo por 1,4% e 1,5% ao mês, respectivamente, para os planos de financiamento de 48 e 60 meses. Como “comprei” meu Kwid Zen 1.0 dando a menor entrada possível, que é de 20%, quebrei o cofrinho e já entreguei R$ 13 mil. Ficou, então, um “resíduo” de R$ 46 mil para ser financiado em quatro anos (48 meses). Funciona assim: o Banco Renault pega este valor (R$ 45.990) emprestado com o governo – isso mesmo, pega dinheiro público – que, se quitado em quatro anos, vai a R$ 49.120. Ocorre que, como ela me repassa os juros subsidiados pelo governo com um ganho de 1.000%, recebe de mim R$ 78.145 ao final do contrato.

Engordando a matriz

Então, colocando Tico e Teco para trabalhar, você verá que, só na operação financeira, ela recupera com folga o “desconto” e, como incentivo governamental, embolsa R$ 29 mil – que representam mais do que a margem de lucro do próprio automóvel. Portanto, se a Renault vender 20.000 unidades do Kwid nestas mesmas condições, a população brasileira terá R$ 580 milhões (mais de meio bilhão) subtraídos dos cofres públicos – dinheiro que poderia ser usado em saneamento e saúde, por exemplo – para engordar a matriz francesa da marca, lá na Europa. Só não dá para chamar isso de golpe, porque tudo é feito às claras, muito bem explicado e para clarear ainda mais as coisas, é bom separar R$ 3.150 para taxa de cadastro, IOF e registro do contrato em cartório – só nisso, o Kwid já sobe para R$ 62.140.

Cabe lembrar que o consumidor impelido pelo momento, supostamente, favorável, ainda terá que desembolsar R$ 1.960 anuais, com licenciamento, e pelo menos outros R$ 2.400 anuais, com seguro. De modo que, mesmo se deixar seu “novo popular” paradinho na garagem de casa, nos próximos quatro anos, vai “morrer” em R$ 111.740, valor suficiente para dar 50% de entrada em um apartamento novinho no São Miguel Paulista que, se não é o Morumbi, fica a 20 minutinhos do Itaquerão e, portanto, na “área de cobertura” da espada de São Jorge. Na verdade, o desejo do brasileiro de ter um Kwid suplanta seu amor próprio e não vão faltar clientes nos concessionários. Mesmo um rico rastaquera, ao fazer estas contas, preferiria a volta do preço antigo ao engodo, mas as pessoas menos abastadas têm a autoestima deprimida e ainda vêm o automóvel – se é que dá para classificar um Kwid como “automóvel” – como um fator de ascensão social. Então, caem fácil neste tipo de armadilha...

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