Comunicação pública, soberania em jogo
Como a mídia trata os EUA e como o Brasil deve reagir
Há algo de pedagógico no modo como o Brasil respondeu às provocações vindas de Donald Trump. Enquanto parte da nossa imprensa ainda insiste em olhar o país pelo retrovisor da dependência, veículos estrangeiros notaram um dado simples. O governo brasileiro não entrou no jogo do barulho. Preferiu método, paciência e defesa estratégica de interesses. Isso diz menos sobre diplomacia e mais sobre autoestima nacional. O complexo de vira-lata se manifesta quando a pauta é soberania.
Não é preciso recitar o inventário de medidas tomadas pelos EUA. Basta reconhecer o padrão. Pressões comerciais. Gestos políticos travestidos de moral universal. Tentativas de atrelar a nossa agenda interna aos interesses eleitorais alheios. Tudo isso busca empurrar o Brasil para uma posição subalterna. A resposta correta combina diálogo e firmeza. Conversa aberta para destravar comércio. Linhas vermelhas muito claras para preservar instituições. Quem governa um país de dimensões continentais precisa proteger emprego, tecnologia e autonomia decisória. Sem grito. Sem bravata. Com serenidade e previsibilidade.
Nesse ambiente, a política doméstica se revela. Alguns governadores optaram pela frase fácil. Transformaram um contencioso externo em palanque interno. Apontaram o dedo para Brasília como se problemas fabricados fora tivessem nascido aqui. Essa escolha pode render manchete. Não resolve nada. Competitividade se constrói com coordenação federativa. Sem unidade mínima, a retórica vira ruído e o ruído vira custo. O Brasil precisa de lideranças que joguem pelo time do Brasil. Divergir é legítimo. Sabotar a coesão em momentos de teste é miopia.
Há um tema institucional que não pode continuar fora do centro. Radiodifusão é concessão pública. O espectro pertence ao povo. Concessão não é prêmio eterno. É contrato com deveres. O objetivo não é silenciar ninguém. É atualizar critérios à altura do século vinte e um. Transparência societária efetiva. Regras de pluralidade regional e de vozes. Protocolos públicos de correção de erros com direito de resposta. Metas proporcionais de conteúdo educativo, científico e cultural. Quem ocupa um canal aberto precisa entregar contrapartida social verificável. Isso fortalece a liberdade de imprensa. O cidadão passa a confiar mais quando sabe quem fala, com quais interesses e segundo quais regras.
Também precisamos elevar o nível do debate público. A cobertura internacional que enxergou método na calma brasileira contrasta com parte do comentário doméstico que oscilou entre torcida e derrotismo. Não peço aplauso automático ao governo. Peço critério. O jornalista pode e deve criticar. O que não pode é naturalizar tutelas externas ou tratar a defesa do interesse nacional como detalhe. Soberania não é sinônimo de isolacionismo. É condição para negociar de cabeça erguida.
Qual é a agenda propositiva. Primeiro, blindar cadeias produtivas com crédito, compras governamentais inteligentes e seguro de risco comercial. Segundo, diversificar mercados e parcerias sem fechar portas para composições que respeitem a nossa autonomia. Terceiro, fortalecer a comunicação pública e comunitária com financiamento estável e governança blindada, para ampliar vozes e reduzir a dependência do espetáculo. Quarto, reconstruir um consenso básico sobre soberania. Podemos disputar projetos de país. Não podemos divergir sobre o direito do Brasil de decidir seu próprio destino.
O episódio recente pode nos deixar maiores. Podemos reafirmar que não aceitamos condicionamentos. Que a amizade entre nações se faz com respeito real e não com imposição. Que a dignidade de um país se mede pela serenidade com que enfrenta tempestades. Ao mesmo tempo, podemos olhar para dentro e ajustar engrenagens que já rangiam. Uma mídia de concessão mais plural e comprometida com o interesse público. Governos estaduais que entendam o valor estratégico da coesão. Um governo federal que mantenha a razão acima do ruído.
Não peço unanimidade. Peço senso de país. O Brasil cresce quando se vê como nação e não como província ansiosa por aprovação. Cresce quando transforma cada investida externa em oportunidade de aperfeiçoar instituições. Cresce quando aprende a praticar soberania no cotidiano. Com calma. Com coragem. Com compromisso com o povo brasileiro.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

