Consenso pró-imigração ou consenso anti-imigração
Embora haja quem queira incultar o medo e a xenofobia, são muitos os que não se deixam levar pelo discurso securitário e de desconfiança de quem é diferente
A 10 de julho passado, Paulo Mendes, ex-presidente da Associação de Imigrantes dos Açores, escreveu um artigo no Público dando conta da iniciativa de um grupo de pessoas, entre acadêmicos, militantes associativos e o ex- Alto Comissário Rui Marques, que publicou um manifesto com o título “Consenso Imigração”. Tanto o manifesto como o artigo de Paulo Mendes exaltam o papel essencial dos imigrantes para o desenvolvimento económico e social de Portugal. O artigo afirma: “É urgente construir um consenso em torno da imigração. Mesmo que o consenso, hoje, parece ter pouco palco. Ainda assim, vale a pena acompanhar uma iniciativa informal e recente chamada “Consenso Imigração”. Trata-se de um grupo de 10 pessoas – onde me incluo – com diferentes experiências e responsabilidades nesta área, que se juntaram num esforço de cidadania para contribuir para um debate sereno”.
Debate sereno é o que não vimos na Assembleia da República e fora dela sobre a Lei de Estrangeiros, já recentemente promulgada pelo Presidente da República, depois de verificada com vetos pelo Tribunal Constitucional.
O debate sereno e o consenso desejado pelos signatários do manifesto mencionado “parecem ter pouco palco”, como adverte Paulo Mendes no artigo. Eu,no entanto, diria que não têm hoje nenhum palco.
Durante muitos anos, PS e PSD convergiram em grande parte sobre a relação do Estado português com a crescente imigração, já no início do presente século.Tal se refletiu em Processos de Regularização Extraordinária, no Acordo Lula de 2003 durante o governo de Durão Barroso, ao que se seguiu um novo processo de regularização – o dos Correios em 2004/2005 e, por fim, na Lei de Estrangeiros de 2007 com seus famosos artigos 88 e 89. Uma convergência que se materializou na criação do ACIME, dos CNAIs e CLAIs, em políticas de integração que valeram a Portugal prémios internacionais, na regularização de milhares de imigrantes já residentes em Portugal, com base nos artigos 88 e 89 e na relação positiva com as associações de imigrantes e o Estado português. Um certo consenso ou convergência que durou muitos anos, mesmo em tempos de austeridade.
No entanto, o consenso foi se transformando num crescente discenso a partir da vitória da chamada “geringonça” liderada pelo PS em 2015 e do aumento significativo da emigração para Portugal, mais evidente na década de 20, a partir do fim da pandemia. O governo do PS não conseguiu responder administrativamente a este aumento de “clientes” do SEF/AIMA e a prolongada crise do SEF, desde 2015 até a sua extinção, só veio complicar e atrasar os processos. Mas, um fator político também foi decisivo para o fim daquele hoje longínquo entendimento entre PS e PSD. Foi o surgimento e crescimento de um novo partido político de extrema-direita, anti-imigração, o CHEGA. Sem querer aprofundar a análise destes anos, hoje é aceite que o PSD, no poder desde 2023, foi progressivamente aproximando seu discurso e os dois programas de governo das medidas exigidas pelo CHEGA no âmbito do dossiê Imigração. Com a eleição de 60 deputados à AR em 2024, o CHEGA ganhou outro poder de barganha frente a um governo sem maioria absoluta. Assim, sedimentou-se um novo consenso ou convergência entre o governo de centro-direita e o partido de extrema-direita, que fazem maioria na AR. Esta acidentada convergência ou “capacidade de entendimentos e concessões mútuas” garante a governabilidade da gestão AD, o que não é pouca coisa.
Voltando ao artigo de Paulo Mendes e aos objetivos da plataforma “Consenso Imigração”, não é incorreto afirmar que não há espaço político para convergência entre diferentes setores políticos em Portugal sobre o dossiê Imigração que abranjam partidos à esquerda e à direita, mesmo que moderados. As direitas, do centro ao extremo, têm a maioria na AR e impuseram uma dura Lei de Estrangeiros, que até teve que passar pelo exame crítico do Tribunal Constitucional. Vamos assistir nas próximas semanas às mudanças - desfavoráveis para os imigrantes - na Lei da Nacionalidade e também na criação de facilidades legais e logísticas para a expulsão de imigrantes em situação irregular, que são “dezenas de milhares” segundo o diretor-adjunto da PSP. Caberá à PSP deter e “afastar coercitivamente” aqueles que não abandonarem o país pelos seus próprios pés. As operações musculadas policiais já começaram e irão se intensificar. Como os irregulares serão expulsos ainda estamos por ver, pois o próprio comandante da PSP admite não ter espaços suficientes para detenção e não gosta que a UNEF seja comparada com a truculenta ICE norte-americana. Aqui “somos humanistas”, afirma.
Enquanto isto, a AIMA continua a ser uma dor de cabeça sem fim para centenas de milhares que não têm os seus processos finalizados. Sem receberem o título de residência com prazo válido, mesmo no caso de simples renovação, estas pessoas estão “detidas” em Portugal. Os que recorrem à Justiça vêem as decisões de seus processos serem desrespeitadas pela AIMA.
O Governo e os partidos de direita atribuem a culpa do caos da AIMA aos governos do PS e sua política de “portas abertas”. Atribuir a culpa aos governos anteriores é a desculpa de sempre, governos após governos, sejam de que cor política forem.
E o que também se repete é, como diz este provérbio português tão expressivo, “quem se lixa é o mexilhão”.
Para não terminar com uma visão negativa da realidade, do ponto de vista dos imigrantes, em especial dos mais modestos, é importante assinalar que mais da metade dos portugueses reconhecem a importância e o contributo da imigração em Portugal. Para a economia, para o equilíbrio da Segurança Social, para a diversidade cultural, para uma sociedade mais alegre, para o verdadeiro humanismo, para os melhores valores europeus. Embora haja quem queira incultar o medo e a xenofobia na sociedade, são muitos os que não se deixam levar pelo discurso securitário e de desconfiança de quem é diferente. É entre estes que devemos buscar um “Consenso Imigração”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

