Consumado o golpe, tudo volta ao normal?
A contenção da Lava Jato e do poder supremo que foi dado a seus condutores será a expressão mais clara de que, cumpridos seus desígnios, o tempo do vale tudo já pode ser encerrado. O dia de fortes sinais neste sentido terminou com o discurso de posse do novo corregedor do CNJ, ministro João Otávio de Noronha, para quem o Judiciário não pode ser tutelado por forças como a mídia, o Ministério Público ou a polícia. Viva a normalidade!
Golpe consumado, tudo volta ao normal?
Na reta final do julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff, que começou hoje no Senado, vão se intensificando os sinais de que, consumada a remoção do governo petista, haverá uma discreta e até dissimulada volta ao normal. Entenda-se por normalidade a contenção dos excessos, abusos e ultrapassagens perpetrados, sobretudo, pela coalizão policial-judicial que, somada à aliança político-midiática, criou as condições para o golpe. A contenção da Lava Jato e do poder supremo que foi dado a seus condutores será a expressão mais clara de que, cumpridos seus desígnios, o tempo do vale tudo já pode ser encerrado. O dia de fortes sinais neste sentido terminou com o discurso de posse do novo corregedor do CNJ, ministro João Otávio de Noronha, para quem o Judiciário não pode ser tutelado por forças como a mídia, o Ministério Público ou a polícia. Viva a normalidade!
Soou como o toque de um sino a virulência do ataque do ministro Gilmar Mendes à Lava Jato, depois do estranho vazamento, para a revista Veja, de falsa denúncia contra o ministro Dias Toffoli. Soou como o repique de outra igreja a decisão do procurador-geral Rodrigo Janot de cancelar a delação premiada da construtora OAS.
Segundo nota de ontem da colunista Natuza Nery, no Painel da Folha de S. Paulo, um procurador da força-tarefa da Lava Jato revelou o sentimento de que estão sendo descartados porque já fizeram o trabalho que serviu ao golpe: “Éramos lindos até o impeachment ser irreversível. Agora que já nos usaram, dizem chega”. Esta soou como um gemido resignado.
Os sinos voltaram a tocar com a fala do novo corregedor do CNJ ao dizer coisas que, faz muito pouco tempo, seriam mal vistas. Agora vão merecer aplausos. Aliás, merecem, exceto pela questão tempo. Disse ele:
"Nosso papel primordial é de proteger, é de blindar a magistratura das influências externas, fazer com que o juiz exerça a magistratura na mais plena liberdade, fazer com que juiz não tenha medo da mídia, mídia que se tornou um poder".
Não faz muito tempo, alguém veria na frase uma ameaça à liberdade de imprensa.
E mais adiante, disse ele:
"Não pode um juiz ser refém do Ministério Público, da Polícia Federal ou de quem quer que seja. O magistrado existe é para garantir direitos fundamentais".
Oba! Os direitos fundamentais voltaram a ser cultuados. Noronha foi em frente:
"Não podemos nos calar, nos curvar e perder nossa independência. Não podemos permitir que se instale a ditadura da informação falsa. Nos cabe arregaçarmos as mangas e enfrentarmos o desafio de colocar as coisas em seus devidos lugares. Lemos todos os dias nos jornais a censura a quem vota a favor ou contra determinado investigado".
Viva! Alguém volta a reconhecer, implicitamente, o direito a um julgamento justo, em que os juízes não tenham a imparcialidade corrompida pela necessidade de não contrariar a opinião midiática, confundida com opinião pública.
Para completar, o BNDES lançou uma grande linha de crédito para socorrer as empreiteiras que foram quebradas pela Lava Jato, demitindo milhares de trabalhadores e acumulando dívidas. E com isso, pode-se também conter as delaçõesdevastadoras contra outros partidos, que não o PT, contra luminares do governo e do próprio Temer.
Neste ritmo, em breve voltaremos à normalidade. Em breve, consumado o golpe e entronizado o governo sem voto. Será uma democracia capenga mas na moldura de uma normalidade institucional. Uma democracia relativa, como disse um general da ditadura.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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