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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Contra a PEC da Bandidagem, a resposta urgente é a PEC do Espírito Público

Apresento a PEC do Espírito Público — esforço de resgate ético e constitucional para devolver à sociedade brasileira a confiança perdida

Senado Federal (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

Durante cerca de vinte anos fui funcionário do Senado Federal, servindo na Diretoria-Geral e na Secretaria-Geral da Mesa, assessorando sucessivos presidentes da Casa. Ali testemunhei grandezas e misérias da vida parlamentar, a altivez de certos momentos e a degradação de tantos outros. Hoje, como professor universitário, jornalista, psicanalista e mestre em Comunicação Social, sinto que não é apropriado apenas deplorar ou lamentar o estado caótico em que se encontra a atividade legislativa no Brasil. A crise é profunda, e exige não apenas críticas, mas propostas.

É nesse espírito que apresento a PEC do Espírito Público — um esforço de resgate ético e constitucional para devolver à sociedade brasileira a confiança perdida em suas instituições.

Proposta de Emenda à Constituição nº ___, de 2025

Ementa

Altera a Constituição Federal para instituir princípios de transparência, responsabilidade e espírito público no exercício da função pública.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Artigo 1º – O exercício da função pública, eletiva ou administrativa, será sempre orientado pelo espírito público, entendido como a prevalência do interesse coletivo sobre qualquer interesse particular.

Artigo 2º – A República Federativa dos Estados Unidos do Brasil afirma a soberania da lei, à qual todos devem se submeter, sendo vedada qualquer forma de privilégio que contrarie o princípio constitucional da igualdade.

Artigo 3º – É terminantemente vedada a utilização do voto secreto em quaisquer votações no âmbito do Congresso Nacional, por violar o princípio da publicidade e o dever da transparência.

Artigo 4º – Constitui infração constitucional grave a prolação de discursos de ódio contra minorias étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou sociais, sujeitando o agente político às sanções previstas em lei, inclusive a perda de mandato.

Artigo 5º – É vedada a prática de motins, rebeliões ou quaisquer atos que impeçam as Mesas Diretoras das Casas Legislativas de exercerem suas funções institucionais, configurando atentado ao Estado Democrático de Direito.

Artigo 6º – A utilização de informações falsas, distorcidas ou deliberadamente enganosas em atos públicos constitui falta grave contra a República, sujeitando o agente à perda de mandato ou cargo, sem prejuízo de responsabilidade civil e penal.

Artigo 7º – O espírito público é declarado patrimônio imaterial da Nação, incumbindo ao Estado e à sociedade promovê-lo, preservá-lo e transmiti-lo como dever constitucional permanente.

Exposição de Motivos

Ao Senhor Presidente do Senado Federal,

Submeto à elevada consideração de Vossa Excelência a presente Proposta de Emenda à Constituição, denominada PEC do Espírito Público, destinada a resgatar a dignidade da atividade parlamentar, reforçar princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito e assegurar que a lei seja soberana sobre todos os cidadãos, sem distinções nem privilégios.

Durante duas décadas de atuação no Senado Federal, e posteriormente na academia e no jornalismo, constatei a degradação crescente da vida parlamentar. Tornou-se prática recorrente o uso da tribuna para discursos baseados em informações falsas, proferidos não para construir consensos ou aprimorar a legislação, mas para abastecer redes sociais e manipular a opinião pública. Essa conduta afronta a moralidade administrativa prevista no art. 37 da Constituição e desmoraliza o Parlamento.

Além disso, a tentativa de reintrodução do voto secreto nas votações legislativas representa retrocesso inaceitável, contrário ao princípio da publicidade. Da mesma forma, propostas como a denominada PEC das Prerrogativas, apelidada com razão pela sociedade de PEC da Bandidagem, buscam institucionalizar privilégios para detentores de mandatos, criando castas políticas intocáveis e ofendendo o princípio da igualdade.

A presente proposta também responde à urgência de vedar, de forma explícita, discursos de ódio contra minorias, bem como práticas de motim e rebelião que comprometem o funcionamento das Casas Legislativas. Não se trata de mera regulamentação, mas de reafirmação do Estado Democrático de Direito.

Em um cenário internacional de retrocessos civilizatórios — marcado pela proliferação de fake news, pela negação da ciência e pela normalização da intolerância —, o Brasil não pode agravar sua própria crise política com normas que blindem elites políticas e enfraqueçam fundamentos democráticos.

A PEC do Espírito Público tem, portanto, três objetivos centrais:

- Reconduzir a lei à sua função universal de organizar a vida em comum;

- Reafirmar que todos são iguais perante a lei, sem distinções nem privilégios;

- Consolidar a transparência e a moralidade como fundamentos inegociáveis da vida pública.

Sala das Sessões, em ___ de _______ de 2025.

A democracia não se constrói em sombras nem sobre privilégios. O Parlamento só será digno de sua história quando devolver à sociedade a certeza de que a lei é soberana, que o poder pertence ao povo e que o espírito público não é ornamento retórico, mas fundamento da República.

(Como não sou parlamentar, para que seja apresentada a presente Proposta de Emenda à Constituição é necessário que a mesma seja encampada e aperfeiçoada por um, apenas um, dos 81 senadores da República.)

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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