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Ronaldo Pagotto

Advogado, integra a Consulta Popular e o Projeto Brasil Popular.

4 artigos

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Contribuição ao debate sobre o balanço das eleições de 2020

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 O balanço eleitoral deve combinar os aspectos gerais da luta de classes com os elementos da luta no campo eleitoral em específico. E deve observar de partida que se trata de um processo absolutamente atípico em meio a maior e mais agressiva pandemia vivida pelo povo brasileiro.

 Ainda em termos de contexto a eleição ocorre em meio a uma grave crise nacional: econômica, política, ambiental, ideológica e social. Isso é um diferencial do processo nos últimos 30 anos – desde os anos de 1989 – 1994.

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 Para esse processo duas mudanças específicas do processo eleitoral merecem destaque: o fim do financiamento privado de empresas (já desde 2018) e as novas regras para coligações.

 A primeira mudança pode nos induzir a erro ao aparentar que o poder econômico foi controlado pela legislação. Mas sabemos bem que não há controle legal que assegure conter a força do poder econômico. Empresas não doaram abertamente, mas os setores abastados do pib o fizeram indiretamente: com emprego de pessoas para campanhas como “voluntários;” patrocinando publicações nas redes sociais com grande alcance; doações sem registro e outras muitas. O Brasil ainda precisa enfrentar o tema do financiamento exclusivo e não tratar o tema como resolvido. A força do poder econômico é um elemento garantidor da associação entre democracia e poder econômico no mundo.

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 A segunda mudança criou uma regra “lei da selva” para os partidos existirem. E criou um quadro muito mais complexo e difícil para a conformação de frentes eleitorais, como era a tradição no período desde 1982. Isso não é menos importante em um quadro com a esquerda dividida em três partidos nacionais com presença no Congresso e diversos outros com colorações multiplas – em alguns lugares mais a esquerda, noutros menos (PDB; PDT e outros). Isso foi um dos fatores determinantes para a fragmentação de candidaturas do campo progressista. Nessa eleição só o caso do PT já indica esse limite: quase 50% das candidaturas pra prefeito do PT foram formadas com a cabeça de chapa e a vice do PT. E isso foi generalizado.

 Superado os aspectos gerais de contexto e também as mudanças ocorridas nos últimos anos, passamos aos traços específicos e comentários do processo de 2020.

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 A polarização é um tema recorrente nas análises e mesmo que muito seja e tenha sido dito ainda merece alguns comentários. A polarização tem aspectos de aparência e essência. Para muitos ela fica restrita a compreendê-la na aparência e nesse caminho ela é analisada como uma disputa dura (para uns radical) entre o bolsonarismo e o petismo, que é de fato os dois polos principais da disputa e expressam os campos em conflito. Mas, para além dos traços mais aparentes e buscando a essência, ou melhor na realidade, a polarização é um processo de acirramento da disputa política como consequência da crise em que os polos mais extremos – da esquerda e da direita – preponderam na disputa, determinam o quadro da disputa, atraem os setores intermediários para posições para os extremos. A polarização tensiona o campo do chamado centro para que se posicione lá ou cá. Esse é um aspecto importante da polarização e também momentâneo, já que a tendência sempre é ter um quadro da luta política e ideológica em temperaturas mais amornadas.

 Esse processo de polarização nos interessa. É nesse quadro que a sociedade é sacudida da normalidade, da força do hábito para definir suas opiniões e é nessa disputa com contornos especiais que a sociedade se politiza, as posições ficam mais claras, os gatos pardos mostram sua coloração real, enfim, é nesse contexto que os aspectos comumente ocultos da luta de classes (exploração e opressão de classes) ficam mais facilmente evidente. Permite politizar, disputar e mostrar que as posições “a-políticas” ou que não gostam do conflito se posicionem mais claramente.

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 Porém, como uma contratendência a essa abertura para politizar e disputar a sociedade a polarização abre sempre (destaque para isso) um caminho “do meio”, ou o caminho que não quer conflito, não aceita as formas da disputa entre esquerda e direita, não quer se posicionar lá ou cá, o conhecido “nem, nem” (nem a direita, nem a esquerda). Lembrando que a polarização pode resultar num desfecho em que um dos pólos sai vencedor; mas também é no quadro da polarização que o campo do centrismo se apresenta com capacidade de disputa. É um contradição da polarização – ela tensiona o centro político atraindo para posições mais claras; mas o desgaste dela abre o caminho para o centro se impor.

 O centro político é uma realidade na vida política em qualquer tempo e país. Ele tem origem política nesse enorme campo anti-polêmica, anti-polarização, que busca preservar suas posições nas sombras e que que entende que a política não deve ser “radical”. Ela é um campo de conforto para a despolitização geral. Há uma origem econômica também que merece ser considerada. Uma sociedade com forte presença do campo não proletário e camponês, mas tampouco burguês (grandes ou médios) é com grande força para os setores chamados intermediários, que alcançam os proletários de altos salários e poder de consumo/compra e os burgueses pequenos e parte dos médios. Esses setores não se associam as pautas de enfrentamento a pobreza, problemas sociais e outros. E tampouco são protegidos pelas políticas voltadas para a grande burguesia (e parte da burguesia mediana). A condição economica desse campo (proletarios e burgueses) é instável e isso se reflete na política. Por isso esse setor não tem partidos direcionados aos setores médios e pequena burguesia – a instabilidade economica é a base da instabilidade política e que faz desse campo um elemento absolutamente volátil ora com posições mais progressistas, ora conservador. Históricamente esse campo é hegemonizado pela direita, mas isso não pode ser lido como uma determinação de per si. Em verdade isso reflexo da capacidade de disputar a sociedade e criar discursos baseados no medo (o anticomunismo é um dos mais mobilizadores para esse setor), mas não só. O medo de perder sua condição de vida ( e se tornar um proletário, ou sendo um proletário de altos salários ou controle na produçaõ como um medo de baixar de nível de vida, leia-se de nível de consumo).O centrismo é isso: não aderem ao campo do proletariado e campesinato, tampouco são orgânicos do campo da grande burguesia, que dirige as principais forças políticas do campo conservador. O proletariado e campesinato em luta ameaçam a condição desse setor – cada aumento de salários; conquista de terra; greve, sindicato forte, etc refletem na condição desse setor; que também são afetados pelas políticas da grande burguesia de adesão internacional as grandes transnacionais com impacto no mercado das empresas pequenas e médias; as mudanças na política economica (crédito, juros, inflação etc).

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 Em resumo o centrismo é um fenômeno político com origens econômicas, sociais e ideológicas e não pode ser tratado como um defeito brasileiro ou do nosso tempo, mas ao contrário, ele resulta da  formação economica-social do capitalismo em todos os cantos. Mao Zedong atribui especial papel a disputa do campo localizado política e ideologicamente entre as forças burguesas e proletárias especialmente nos países atrasados, periféricos e do chamado terceiro mundo em razão da especificidade da formação econômica.

 Sobre o absenteísmona votação, em que pese o número impressionando, são muitos os fatores que determinam esse quadro: uma pequena tradição de não votar; mudanças nas regras com a biometria e várias pessoas não terem regularizado o título; a pandemia em si como inibidor do voto dos setores do grupo de risco; a migração do povo sem a respectiva mudança do domicílio eleitoral; menor temor em não votar e ser penalizado; a facilidade para justificar via aplicativo e muitos outros. Há quem queira tratar toda a abstenção como uma manifestação política e isso é um grande erro.

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 A politização da sociedade. A politização é um dos desafios das eleições e esse desafio precisa ser avaliado. Primeiro é que grande parte dos candidatos se apresentaram fugindo dos debates polêmicos (esse é o caminho centrista), resultando em mensagens pasteurizadas e despolitizadas. Para os debates mais comuns aos municípios grandes e médios podemos observar três eixos do debate:

 O primeiro é o econômico e da crise econômica. Nesse eixo predominou a força da ideia de responsabilidade fiscal, combate a divida como um desvio de um governo ruim e mal planejado (gastador) e que no fundo é a manutenção do tripé macroeconômico e da austeridade. Candidaturas progressistas – como Boulos, Manuela, Marília, Benedita, Edmilson e tantos outros precisando justificar de onde extrairiam os fundos para as propostas com a espada sobre a cabeça para não afirmar que contrairiam dívidas e buscariam enfrentar a famigerada lei de responsabilidade fiscal. Nesse tema a esquerda ficou nas cordas, quando não fugia do debate.

 O segundo é sobre a grave crise social. Nesse tema as campanhas foram majoritariamente progressistas. A direita que não tratou desse tema ou falou o que pensa (meritocracia, quem trabalha não passa fome, etc.) não obteve prestigio. Os candidatos vencedores em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza e tantas outras pautaram o tema social com conteúdos progressistas  e trataram de questões sobre desigualdade social, fome, desemprego, miséria, problemas sociais estruturais e outros. Esse eixo garantiu uma coloração mais a esquerda para o debate eleitoral em todo canto.

 O terceiro é o velho e sempre presente tema da segurança. E esse é um dos temas principais e mais populares. E nele há uma separação em dois mundos: pra direita ela quer tratar da violência com mais polícia, leis, armas, repressão, linchamentos. Os casos são sempre os mais chocantes e graves levados para tratar do tema. Já a esquerda trata o assunto só como problema social. Nessa distância a direita ganha de 7 a 1 ao emplacar o punitivismo (quando não a legitimação das sentenças de morte nas mãos do Estado e os linchamentos, que o Brasil é campeão) e a ideia de que não existe justiça e lei no Brasil (o 3 maior encarcerador do mundo). Essa hegemonia no debate sobre segurança abriu portas para muitos candidatos defendento leis mais duras e advindos das fileiras das forças de segurança.

 A disputa ideológica da sociedade é um tema que mostra uma das causas da crise da esquerda brasileira. Melhor seria a ausência de uma disputa real e a sério é que pode nos ajudar a entender o quadro em que estamos. Isso foi um quadro comum, mas tivemos experiências que conseguiram travar bons combates e fazer a disputa ideológica e política com candidaturas ao parlamento e para prefeitos. Mas foram residuais.

 Um dos temas que sempre aparecem em tempos de eleições – especialmente a partir de 2014 – é o anti petismo, fenômeno complexo, mas que majoritariamente é a expressão fulanizada da força do anti-comunismo brasileiro. Há quem destaque os traços específicos e distintivos do anti-petismo, que todavia existem, mas a força majoritaria do anti-petismo é o velho anti-comunismo com outras vestes. Que o digam as candidaturas sob outras legendas e que pagaram um alto preço e toda a carga anti-comunista se voltou contra elas: a começar pelas acusações do Crivela ao Paes; ao Boulos; Manoela e demais candidatos de fora do PT. Todo cuidado com esse debate é pouco. Não faltam estímulos para que as lideranças de fora (e de dentro) do PT se declarem não lulistas, anti-Cuba, anti-Venezela, não comunistas, adeptos da economia de mercado etc.

 Sobre o resultado em si. Nesse debate tem predominado uma discussão com muitos problemas. Ora o voto é considerado uma demonstração de fidelidade partidária inexistente (ou uma realidade de 10% da população votante), ora comparando números de 2016 com 2020 (pulando 2018!) como um indicador possível para estabelecer comparações. O voto é mais ideológico nas eleições nacionais e nas municipais o voto é nas candidaturas mais atrativas (populares, boas de campanha, com possibilidade eleitoral, simpático, etc. E isso é uma realidade ainda mais evidente nos votos da direita: que vota no DEM, PP, PSDB, PRTB, MDB, PSL etc sem problemas só precisa decorar a sequencia de números. Já nos votos mais a esquerda isso também se traduz em voto no 13, 12, 50, 40, 65 e até mesmo no 15 e outros. Isso não é novidade, mas parece ser ao ler os debates sobre o refluxo do PT e crescimento do PSOL etc. Apenas uma parte da sociedade tem um voto apriori deliminato idelógicamente, mas isso é ao campo (progressista ou conservador e não aos partidos.

 O Bolsonarismo saiu perdendo. Em especial no Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Recife, Belem, Aracaju, Maceió e outros. Mas é inegável que esse setor representa os segmentos extremados da direita que sempre existiu e são entre 5 e 8% da sociedade de proto-fascistas. Mas esse setor está no governo e cada vez que fala o que pensa perde apoio. A mentira e as fakes news são mecanismos essenciais para esse setor fazer política. A direita faz política sendo obrigada a esconder o que pensa sobre o Brasil, o povo brasileiro e como pretende enfrentar. Usa da mentira e da demagogia para sustentar figuras populares.

 Um comentário adicional ao debate sobre a força do centro político (centrão ou outra designação que se queira), que despreza dois aspectos fundamentais: o primeiro é que são os partidos de prefeituras e que dominam o parlamento desde muito tempo (desde a redemocratização). Esse setor detém a maior parcela do fundo partidário e eleitoral e isso tem um reflexo importante na força eleitoral. A outra questão é que as eleições demonstram que são muito diferentes nas cidades grandes e médias – onde há maior politização; com as cidades menores e do Brasil profundo. Nesses locais a politização é limitada e frágil, com as forças progressistas com muita dificuldade em se colocar e apresentar sua visão da realidade e seus desafios. Nessas cidades predomina o personalismo fulanizando as candidaturas, o sobrenome, as relações pessoais e profissionais etc. Não tem debate político, nem de projeto, nem de grandes temas. É a disputa para demonstram quem é melhor e o caminho é sempre de valores individuais, história de vida e a meritocracia (ou a evolução das pessoas em uma vida adversa).

 O bolsonarismo esteve em baixa nas capitais, territórios mais politizados, mas não percamos de vista que sua força vem ganhando adesão e fidelidade nesse Brasil profundo: que concorda com um suposto excesso do politicamente correto; que piadas machistas, racistas, discriminando LGBTTi e todo esse debate é coisa da esquerda; que abortar é atentar contra a vontade de Deus; que tóxico é uma desgraça; que homem pode bater na mulher se ela “der causa” e outros. Esse Brasil é profundamente atrasado e dizer não se confunde com uma característica nacional, mas um problema DA ESQUERTA, que espera que o povo se politize por si só e não tem esforços relevantes para fazer a disputa ideológica. A esquerda olha as posições do povo com um cartaz escrito “nós que aqui estamos por vos esperamos”, pois em realidade a disputa ideológica é um tema para uma autocrítica de verdade. E de uma geração inteira: desde o final da ditadura esse tema é tratado com quase nenhuma prioridade. Pra não dizer que é um tema menosprezado e é uma das razões para a crise da esquerda brasileira.

 Mas com tudo isso foi uma boa disputa. E bons processos de mobilização em cidades médias  e grandes merecem uma atenção diferente do que fizemos nas últimas três décadas: caberia ao campo democrático e popular a construção de uma plataforma política para que as relações, acúmulos e força das candidaturas vencedoras ou derrotadas seja convertido em força real para a disputa entre os períodos eleitorais. É dizer: o resultado eleitoral é muito determinado pelo que é feito entre as eleições e não limitado aos feitos e mal feitos de uma breve campanha. Por isso deveríamos discudir uma proposta para as forças políticas do campo democrático e popular, que poderia começar com questões básicas: cada candidatura (não eleita) e mandato (eleito) devem se conformar com um cento organizador de comitês populares de luta e organização do povo: bairros, escolas, por segmento (mulheres, jovens, negros, lgbtti, trabalhadores, entregadores e quem mais estiver na área). E provocar: como será o trabalho de organziação do povo a partir de agora? qual o saldo da sua campanha para além dos votos? Qual a consequencia para a luta popular?

 Para finalizar uma nota sobre os resultados do segundo turno. O resultado poderia ser melhor. A passagem para o segundo de nomes como Boulos, Marilia, Margarida, Edmilson, Manuela, Pietá e muitos outros criou expectativas que foram boas para emular para a campanha; mas não podem nos induzir a erro: todas as derrotas estavam muito desenhadas desde o primeiro turno; podem ser compreendidas como um quadro de forças aglutinadas em torno das candidaturas conservadoras e não podemos desconsiderar esses fatores para simplesmente concluir que sofremos derrotas.

 O mais importante é que desde 2018 não travávamos a luta com tamanha unidade política (especialmente no 2 turno), energia militante e boa recepção popular. Se fomos derrotados, meio derrotados ou muito derrotados isso é do debate e ele seguirá por um bom tempo. Mas é inegável que travamos um bom combate e isso diz muita coisa sobre os cenários vindouros. Se caímos, caímos de pé. Com boa capacidade de luta, unidade política e isso é (ou quase) sagrado.  

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