COP30: O silêncio dos poluidores e a voz do Sul
Recusa de Trump em comparecer à COP30 é mais que uma ausência diplomática: é um ato de sabotagem moral
O encontro de chefes de Estado que antecede a COP30 encerrou-se hoje (06/11) em Belém, marcando o início simbólico da conferência climática que começa oficialmente na segunda-feira, 10 de novembro. Sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dezenas de líderes – cerca de 40, cientistas e representantes da sociedade civil reuniram-se às margens do rio Guamá, na capital amazônica, para reafirmar um princípio básico de que o Norte rico insiste em ignorar: quem mais polui é quem menos paga.
Mesmo com a ausência de algumas potências, o tom foi de afirmação política e moral. O Sul global fala com voz própria — e o planeta, por alguns dias, volta seus olhos para a floresta que respira por todos.
Belém: o coração verde do planeta
A cidade de Belém, porta de entrada da Amazônia, transformou-se nesta semana no epicentro da diplomacia climática mundial. Em meio a um calor úmido e ao perfume das mangueiras em flor, chefes de Estado e delegações de mais de 180 países chegaram para um encontro histórico.
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, compareceu ao evento e foi direto em seu discurso:
“Perder a meta de 1,5 °C é uma falência moral. O mundo está queimando e não podemos continuar alimentando as chamas.”
Ao seu lado, Lula reafirmou o papel do Brasil como mediador entre mundos: “Não queremos esmolas verdes, queremos compromissos reais. O tempo das desculpas acabou.”
Belém, com sua simbologia poderosa — a floresta, os povos originários, a biodiversidade — tornou-se a capital moral do planeta. O local onde o discurso global sobre o clima finalmente toca o chão da realidade.
O Acordo de Paris e o colapso da boa vontade
O Acordo de Paris, assinado em 12 de dezembro de 2015 durante a COP21 sob a presidência do então chanceler francês Laurent Fabius, prometia ser o ponto de virada na luta contra o aquecimento global. Entrou em vigor no ano seguinte e reuniu 195 países em torno de um objetivo: manter o aumento da temperatura média bem abaixo de 2 °C e, idealmente, em 1,5 °C.
Fabius, hoje presidente do “Círculo de Ex-Presidentes das COPs” e também presente em Belém, advertiu em entrevista recente:
“Precisamos lembrar aos países de seus deveres climáticos — são as condições de sobrevivência da humanidade.”
Mas, uma década depois, o balanço é amargo. O princípio de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” foi sendo corroído pela retórica do voluntarismo. Os países ricos falharam tanto em reduzir emissões quanto em financiar a transição verde nos países em desenvolvimento. O prometido fundo de US$ 100 bilhões anuais nunca se concretizou plenamente.
Em vez de solidariedade, impôs-se o cálculo. Em vez de justiça climática, prevaleceu a conveniência econômica.
O Acordo de Paris tornou-se, em muitos aspectos, uma carta de intenções assinada em papel carbono — cada promessa apagando a anterior.
O labirinto das COPs 28 e 29: avanços de linguagem, paralisia de ação
A COP28, em Dubai, celebrou o “início do fim” dos combustíveis fósseis — mas o texto final falava apenas em “transição gradual”, sem prazos, sem sanções, sem coragem.
Na COP29, em Baku, prometeu-se um novo fundo de US$ 300 bilhões até 2035, voltado à adaptação climática. Mas sem compromissos concretos de aporte. Segundo o PNUMA, o déficit de financiamento climático ultrapassa US$ 350 bilhões anuais.
É o drama de todas as cúpulas: muito verbo, pouca verba. Enquanto isso, o planeta segue em combustão.
Quem veio, quem faltou — e o que isso revela
Os Estados Unidos, maior devedor histórico do clima, não enviaram o presidente, mas vieram representados informalmente por governadores, executivos e lideranças regionais. É o federalismo que tenta compensar o negacionismo de Washington sob Donald Trump — maior defensor mundial dos combustíveis fósseis.
Xi Jinping, presidente da China, não compareceu pessoalmente, mas enviou uma delegação de alto nível, chefiada pelo vice-premiê Ding Xuexiang. O gesto foi interpretado como sinal de seriedade técnica: a China prefere agir com dados, não com fotos.
O Reino Unido marcou presença dupla em Belém. O primeiro-ministro Keir Starmer participou do encontro de chefes de Estado, reafirmando o compromisso britânico com as metas do Acordo de Paris e defendendo o fortalecimento do financiamento climático. Ao seu lado, o príncipe William representou a coroa e destacou, em discurso emocionado, que “a Amazônia é o coração verde do planeta”, lembrando que proteger as florestas tropicais “não é um ato de generosidade, mas de sobrevivência”. A participação conjunta do governo e da monarquia britânica conferiu à COP30 um raro consenso simbólico, reconhecendo o papel de Lula e do Brasil como articuladores de uma nova agenda global.
A Austrália, campeã mundial em emissões per capita, mandou apenas técnicos — o que gerou críticas abertas de organizações ambientais.
A ausência de alguns líderes expôs uma contradição: os países que mais falam sobre metas são os que menos cumprem.
Enquanto isso, Lula, ao lado de líderes da África, do Sudeste Asiático e da América Latina, consolidou uma frente de países do Sul para cobrar responsabilidades.
Lula e o Brasil: diplomacia e liderança
A liderança de Lula em Belém foi amplamente reconhecida. O presidente brasileiro não apenas conduziu as discussões com firmeza e serenidade, mas deu forma concreta à ideia de justiça climática:
Defendeu o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre, ampliado com recursos do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS, a ser administrado pelo Banco Mundial. Brasil, Noruega, Holanda, França e Portugal saem na frente, mas 53 países se comprometeram com a iniciativa.
Propôs uma moratória parcial da dívida externa de países tropicais vinculada à preservação florestal; e anunciou que o Brasil pretende zerar o desmatamento até 2030, compromisso reafirmado diante de Guterres.
Mais que um anfitrião, Lula transformou o Brasil em referência moral e política. Seu discurso uniu o tom firme da cobrança ao apelo ético de quem fala em nome da sobrevivência coletiva. Falou em metas e prazos.
“O que está em jogo não é um relatório técnico, é o direito à vida.” — disse, aplaudido de pé.
Belém como símbolo
Nunca uma COP foi realizada tão próxima do epicentro da vida planetária. Belém representa o ponto de encontro entre a natureza e a história: a cidade das chuvas, das águas doces, das ilhas que respiram.
Ao trazer o mundo para a Amazônia, Lula fez o gesto que faltava: obrigou as potências a olharem nos olhos da floresta.
Enquanto helicópteros sobrevoavam o encontro e o sol se punha sobre o rio, era impossível não perceber o contraste: de um lado, os que chegaram para cooperar; de outro, os que ficaram em casa, indiferentes às cinzas do próprio planeta.
O negacionismo e o futuro
Belém marcou um divisor de águas — literal e simbólico. Foi o momento em que o mundo viu dois modelos em confronto: o da ação solidária, representado por Lula e pelo Sul global; e o da negação arrogante, encarnado por Donald Trump e seus aliados.
Trump, que voltou a retirar os Estados Unidos de compromissos multilaterais e desmantelou políticas ambientais em nome do lucro, representa o retrocesso civilizatório. Sua recusa em comparecer à COP30 é mais que uma ausência diplomática: é um ato de sabotagem moral.
E é impossível não imaginar o absurdo que seria uma COP sob o comando de Jair Bolsonaro, negacionista contumaz que destruiu políticas ambientais e transformou a Amazônia em fronteira de garimpo.
A ironia histórica é perfeita: se Bolsonaro tivesse permanecido no poder, o mundo jamais veria Belém como capital do clima — veria a Amazônia em chamas.
Hoje, graças à mudança de rumo, o Brasil volta a ser o país do futuro — e o futuro, pela primeira vez, é verde.
O encontro de chefes de Estado foi apenas o prelúdio. Na segunda-feira, quando a COP30 abrir oficialmente seus trabalhos, a floresta voltará a falar. E se os grandes poluidores continuam em silêncio, o Sul global falará em alto e bom som: pelo planeta, pela justiça e pela vida.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




