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Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal

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Copom segue contra o Brasil

Em pouco mais de um ano, a Selic sofreu um incremento de quase 500%

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Mais uma vez, na semana passada, a fina flor da tecnocracia do financismo no comando da área econômica cumpriu seu conhecido ritual. Como acontece a um intervalo de cada 45 dias, os diretores do Banco Central (BC) trocam de persona, escolhem seus ternos mais bonitos e passam a se reunir, eles mesmos, na condição de integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom). Assim, entre os dias 15 e 16 de março ocorreu a 245ª reunião do colegiado.

É interessante observar que, apesar de todo o discurso de uma suposta seriedade que as elites do sistema financeiro fazem a respeito da importância da política monetária, a criação e as regras de funcionamento do Copom não estão previstas em nenhuma lei que tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional. A criação foi objeto de uma mera Circular votada pela própria diretoria do BC e que, por sinal, já foi até revogada. Além disso, as normas de funcionamento do Comitê também foram instituídas por meio de Circular do Banco.

Pelas regras atuais, o regime de metas de inflação é estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Até antes da criação do poderoso monstrengão do Ministério da Economia de Bolsonaro para Paulo Guedes, os integrantes do CMN eram o Ministro da Fazenda, o Ministro do Planejamento e o Presidente do BC. Hoje em dia, é Paulo Guedes junto com um secretário seu subordinado e Roberto Campos Neto. Tudo resolvido em casa. O colegiado definiu o objetivo a ser atingido quanto ao ritmo de crescimento de preços em 3,75% para o ano passado e em 3,5% para 2022, sempre com um intervalo de 1,5% para cima ou para baixo. Assim, a inflação medida pelo IPCA em 2021 foi de 10,06%, ou seja, quase o dobro dos 5,25% aceito como o teto superior da meta.

Copom eleva Selic contra a maioria do povo.

Pois esta última reunião do Copom decidiu pela elevação da taxa oficial de juros para o patamar de 11,75% ao ano. Uma loucura! Mas para quem acompanha de perto a evolução da política econômica, não foi exatamente uma surpresa. Trata-se do nono aumento consecutivo da Selic, desde a reunião de 17 de março de 2021, quando o Copom resolveu aumentar a taxa de 2% para 2,75%. A partir daí, o que se viu foi uma sequência de deliberações até que fosse atingido o nível atual. Isso significa que, em pouco mais de um ano, a Selic sofreu um incremento de quase 500%. Para ficarmos em uma linguagem tão grata ao financês, não há sociedade que resista impunemente a tal arrocho da política monetária.

Um dos inúmeros problemas que existem em nossa institucionalidade relacionada à política econômica diz respeito aos parâmetros dos quais o Copom deve se valer para estabelecer o patamar da taxa referencial de juros. Para o caso brasileiro, a única preocupação deve ser a obediência cega ao nível de preços, sem que as demais variáveis da ordem econômica e social possam ser levadas em consideração. Ora, até mesmo nos Estados Unidos, a autoridade monetária é obrigada a introduzir em seus modelos o ritmo da atividade econômica (desemprego, portanto), além da inflação, para o estabelecimento da taxa oficial de juros. Assim, o Federal Reserve (FED – autoridade monetária) se vê compelido a fazer um balanço entre inflação e desemprego para definir o patamar de sua referência para a política monetária.

Em um ano, Selic foi multiplicada por quase 6.

Caso os adoradores da política econômica dos Estados Unidos em nossas terras concordassem em adotar as regras dos ianques para o quesito de política monetária, a situação por aqui certamente seria bem diferente. O primeiro aspecto a considerar refere-se ao fato de o desemprego estrutural ser bastante elevado, para além de outros problemas de precariedade e informalidade no mercado de trabalho, em função da aprovação das últimas versões da reforma trabalhista. Ora, quando o Copom decidiu pela primeira elevação da Selic em 2021, o IBGE apontava já um desemprego recorde de 14,7% para o trimestre janeiro/março. Assim, o Brasil apresentava um total de 14,8 milhões de pessoas desempregadas. Apesar de tal quadro, o Comitê manteve sua insistência pela estratégia do arrocho e o desemprego oficial encerrou o ano passado em 13,2%.

Por outro lado, a realidade terminou falando mais alto e revelou o completo equívoco do diagnóstico que estava a embasar uma elevação tão criminosa quanto esta que foi realizada com a Selic. Os principais fatores que contribuíram para a aceleração do índice de preços em 2021 tinham muito pouco, ou quase nada, a ver com uma suposta explosão da demanda, que deveria ser contida por alguma alta na taxa de juros. Os preços dos alimentos, da tarifa de energia elétrica e dos derivados de petróleo não podem ser contidos por arrocho monetário, uma vez que as causas de sua formação estão fora de controle dos consumidores ou do nosso próprio país. A elevação da Selic de 2% para os atuais 11,75% não tem a capacidade de reduzir esse tipo de inflação. É o tipo de fenômeno que o economês chama de “inflação de oferta”, onde a alta de preços não é causada por algum excesso da parte dos consumidores.

O problema reside na crença absoluta, quase uma profissão de fé, que a turma que comanda economia ainda mantém sobre os poderes miraculosos das chamadas leis de mercado para resolver todos os problemas da economia e da sociedade. E nós sabemos que a coisa não é bem assim. No caso dos preços dos alimentos, por exemplo, a responsabilidade de sua elevação é completa de Paulo Guedes, que optou pela solução liberaloide de extinguir a política de estoques reguladores, deixando tudo ao deus-dará. No caso das tarifas de energia elétrica, tivemos a entrada no sistema de alerta com preços mais caros para o quilowatt/hora. Essa é o tipo de situação em que qualquer manual básico de economia recomenda adoção de subsídios temporários para enfrentar o período de seca e de baixa nos reservatórios das hidroelétricas.

Precisamos de mais Estado na função de regulação da economia.

Já no caso mais recente da explosão dos preços de gasolina, diesel e gás de cozinha, a solução passa pela mudança imediata na política de preços da Petrobrás. Desde 2016 que vimos alertando para o equívoco de atrelar os preços internos dos derivados a variações nos preços do óleo cru no mercado internacional. Essa tentativa de transplantar modelitos liberais para o funcionamento de um setor tão estratégico como esse dos combustíveis revelou-se um verdadeiro crime de lesa pátria. O Brasil tem todas as condições de explorar, refinar e distribuir em todo o seu território os produtos petrolíferos. Basta uma vontade política do Chefe do Executivo e uma orientação à sua equipe de governo.

Essa questão vista como um todo deixa a nu a falácia da proposta de independência do Banco Central, tal como foi aprovada no começo do ano passado pelo Congresso Nacional. A Lei Complementar 179/2021 promoveu alterações profundas na dimensão institucional da política monetária. Com a desculpa surrada de evitar a “influência política” sobre essa esfera da política econômica, o texto confere mandato fixo de 4 anos aos dirigentes do Banco Central (e, portanto, também dos integrantes do Copom). Com isso, a aprovação da lei deixou os próximos ocupantes da Presidência da República com o risco de não contarem com uma equipe econômica totalmente afinada com o projeto de país votado nas urnas pela maioria da população. Assim, por exemplo, quem assumir o Palácio do Planalto em 1º de janeiro do ano que vem vai encontrar uma diretoria do BC com 7 dos 9 diretores já nomeados por Bolsonaro e com mandatos assegurados.

Ora, caso seja confirmada a tendência atual refletida pelas pesquisas de opinião, a eleição de Lula estaria a sugerir uma mudança importante no conjunto da política econômica. A preocupação central com a retomada do crescimento, por exemplo, deveria significar uma inversão na política monetária e redução da Selic e dos custos de empréstimos e financiamentos de uma forma geral. Caso ele não conte com uma diretoria do BC nomeada por ele e que concorde com tal estratégia, o Brasil corre o sério risco de passar por uma nova crise institucional, onde uma parte da equipe econômica poderia estar trabalhando para sabotar o projeto legitimamente eleito pelas urnas.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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