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Corrigir a história

Para o jornalista Fernão Lara Mesquita, do O Estado de S. Paulo, nosso país possuía todas as condições para acompanhar o "novo padrão de desenvolvimento que se impunha ao mundo" sem precisar contar com Getúlio

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A propósito do lançamento do terceiro volume da biografia de Getúlio Vargas, de autoria de Fernando Lira, o jornalista Fernão Lara Mesquita, de O Estado de S.Paulo, escreve sua coluna de 19 de setembro com o objetivo de questionar o legado político getulista. Ou melhor, com o propósito de negar os aspectos positivos da política governamental de Getúlio. O colunista discorda da versão defendida pela maioria dos historiadores segundo a qual a modernização do Brasil não teria acontecido se não fosse a implementação de várias medidas tomadas ao longo dos governos de Getúlio. Para o autor do artigo, nosso país possuía todas as condições para acompanhar o "novo padrão de desenvolvimento que se impunha ao mundo" sem precisar contar com Getúlio. Na verdade, o ponto central do artigo é a negação da própria ideia de modernização aplicada à atuação de Getúlio. O ex-Presidente não teria modernizado o Brasil, ao contrário, teria condenado o país ao atraso permanente ao implementar a CLT e a Justiça do Trabalho e ao fortalecer os sindicatos.

De saída, o encadeamento lógico da exposição do raciocínio deve ser problematizado, pois fica evidente que Lara Mesquita termina por concordar inadvertidamente com a interpretação da maioria dos historiadores: se havia "um novo padrão de desenvolvimento" mas, ainda assim, Getúlio foi capaz de implantar "sua" modernização em contradição com a nova tendência internacional prevalescente naquele período, então o ex-Presidente, de fato, foi responsável pela atualização do capitalismo brasileiro ocorrida ao longo dos anos em que exerceu o poder. Têm razão, portanto, os "pseudomarxistas" (aspas do jornalista), que até hoje enxergam em Getúlio um personagem político com força e projeção, um líder capaz superar as determinações de sua época.

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Evidentemente, a intenção expressa no artigo do jornal não é participar do debate sobre a importância dos grandes homens nos processos históricos. Os objetivos são outros: desacreditar Getúlio como personalidade da História e, ao mesmo tempo, estabelecer vínculo entre Getúlio e Lula, classificando os dois ex-Presidentes como obstáculos aos avanços necessários ao Brasil. Para tanto, o jornalista não hesita em classificar a Companhia Siderúrgica Nacional e a Petrobrás como "tumores inextirpáveis", e em se estender numa crítica inequivocamente tendenciosa à Justiça do Trabalho. Ele credita à Justiça do Trabalho a responsabilidade pelos bilhões de reais de prejuízo que empresários e empresas sofrem a cada ano no Brasil, com a colaboração de advogados inescrupulosos e empregados que usam a mentira e a dissimulação.

Claro está que o autor do artigo é prisioneiro de uma concepção -- consciência de classe? -- de modernização completamente fora do contexto histórico da primeira metade do século passado. O fato é que avanços e ampliações de direitos para a classe trabalhadora brasileira implementados por Vargas estavam em consonância com o "novo padrão de desenvolvimento". Constituíram, na verdade, uma parte da movimentação econômica, política e social que os países ocidentais promoveram em suas próprias estruturas a fim de adequar realidades nacionais à nova configuração política internacional e às novas determinações da economia capitalista. Assim, o período em que Getúlio Vargas ocupou o poder central no Brasil, modernizar implicava, em primeiro lugar, ampliar e institucionalizar direitos trabalhistas. A criação da Justiça do Trabalho, em 1941, e a implementação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, atenderam exatamente a exigências da modernização que, nos anos de guerra e no período seguinte, caracterizou a maioria dos países capitalistas ocidentais.

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Além disso, nos anos 1940 tratava-se sobretudo de criar novos desenhos institucionais que pudessem superar a maior "derrota moral" que o capitalismo sofrera até então. Um dos principais fatores que constituíram a "golden age" capitalista foram as legislações de proteção aos trabalhadores europeus adotadas no processo de reconstrução dos países atingidos pela destruição da II Guerra. Eram políticas de estado que já existiam nos países da Europa Ocidental antes da II Guerra, e que foram retomadas e ampliadas nos anos seguintes ao final do conflito. Nem seria preciso mencionar também o "New Deal" de Roosevelt e sua eficácia em neutralizar as consequências perversas da recessão sobre a classe trabalhadora americana. Bem como os efeitos benéficos da política rooseveltiana que perduraram nas décadas seguintes, e que são responsáveis até mesmo pela consolidação do "american way of life", fenômeno social que se constituiu no refinado acabamento ideológico da vitória americana do pós-guerra.

Se o autor da matéria de O Estado de S.Paulo tivesse alguma familiaridade com reflexões sobre a História e seus personagens, não lhe seria estranho o artigo "A propósito do papel do indivíduo na Historia", de Guiorgui Plekhanov, genial materialista russo, para quem "o grande homem tem qualidades que o tornam mais capaz de servir às grandes às necessidades sociais do seu tempo". O que não quer dizer autonomia em relação à História propriamente dita, pois "os indivíduos exercem muitas vezes uma influência considerável sobre o destino da sociedade, mas essa influência depende da estrutura interna da sociedade e das suas relações com as outras sociedades".

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Ao se recusar a enxergar as reais "necessidades sociais" que marcaram aquele período da História brasileira, e escolher trilhar o caminho do como "deveria ser", Lara Mesquita cai na armadilha do anacronismo histórico. Coloca-se na constrangedora posição de quem pretende corrigir a História ao incluir os já desgastados ideais da atual agenda neoliberal e, mais especificamente, os interesseses políticos de determinados grupos econômicos no processo eleitoral de 2014 entre os interesses do conjunto da sociedade brasileira dos anos 1940 e 1950.

*Roseli Martins Coelho é docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Graduada em Ciências Sociais, mestre em Ciências Sociais e doutora em Filosofia Política. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase nos seguintes temas: representação política, democracia, estado e desenvolvimento, vida intelectual e ideologia, direitos de cidadania, desigualdade social, políticas públicas.

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