Chico Vigilante avatar

Chico Vigilante

Deputado distrital e presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Legislativa do DF

601 artigos

HOME > blog

Corte de gastos públicos: o ataque aos direitos sociais em nome do ajuste fiscal

"A narrativa da 'austeridade fiscal' é uma cortina de fumaça para esconder o verdadeiro objetivo: desmontar o Estado social", diz Chico Vigilante

Classe média e notas de real (Foto: VALENTYN OGIRENKO/REUTERS | ABR)

A discussão sobre redução de despesas públicas no Brasil não é neutra: ela carrega um projeto de poder que privilegia os mais ricos e sacrifica os mais pobres. Quando a elite econômica e seus representantes políticos defendem "corte de gastos", não estão falando de enxugar luxos do Estado, mas sim de estrangular políticas sociais essenciais, como o SUS, as universidades federais e os programas de moradia popular. 

Enquanto isso, esses defensores dos “corte de gastos” mantêm intocáveis os privilégios do sistema financeiro, como os bilionários pagamentos de juros da dívida pública, que consomem quase metade do orçamento federal. A perversidade desse debate está em convencer justamente quem sofrerá as consequências: a população pobre, que lamentavelmente tem cada vez mais os seus direitos sociais cerceados em nome do “equilíbrio fiscal”. 

O SUS, maior conquista civilizatória do Brasil, vive sob constante ameaça de subfinanciamento. Cortes orçamentários significam filas mais longas, leitos fechados, medicamentos em falta e profissionais de saúde sobrecarregados. Quem defende esse desmonte não precisa esperar meses por uma cirurgia ou percorrer quilômetros para conseguir uma consulta básica. Para a maioria dos brasileiros, porém, o SUS é a única alternativa. Da mesma forma, o ataque às universidades federais, com cortes de verbas e perseguição ideológica, visa impedir que jovens pobres acessem o conhecimento e rompam o ciclo de exclusão. A elite não quer um povo educado; quer manter seus privilégios intocados.

Enquanto saúde e educação são tratadas como "gastos supérfluos", o sistema financeiro segue sugando os cofres públicos sem qualquer constrangimento. Em 2023, o governo federal destinou R$ 537 bilhões ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública — quase cinco vezes o orçamento do SUS. Nenhum "defensor da austeridade" propõe renegociar essa dívida, taxar grandes fortunas ou reduzir os lucros recordes dos bancos. Pelo contrário: a mesma lógica que corta verba para merenda escolar garante que a rentabilidade continue intocável. A pergunta que não quer calar: por que a população pobre deve pagar a conta de uma crise que não criou?

Por outro lado, o debate recente sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) ilustra como a manipulação midiática distorce a realidade. O imposto, que incide majoritariamente sobre transações internacionais (como compras no exterior com cartão de crédito), foi alvo de uma campanha histérica, fazendo muitos acreditarem, erroneamente, que seriam afetados. Quem viaja para o exterior ou compra em dólar não é o trabalhador que depende do Bolsa Família.  É a classe média alta e os ricos! No entanto, a elite conseguiu transformar um imposto progressivo em um "ataque ao cidadão comum", enquanto segue lutando para manter isenções bilionárias em dividendos e heranças. É a velha estratégia: fazer o pobre defender os interesses do rico.

Outra frente urgente é o combate às casas de apostas online (BETS), que exploram a vulnerabilidade econômica e psicológica da população. Essas plataformas, que lucram bilhões com a ilusão do enriquecimento fácil, precisam não só ser taxadas pesadamente, mas banidas. Enquanto países como Alemanha e Bélgica fecham o cerco às "bets", o Brasil ainda permite que elas propagandeiem livremente, muitas vezes usando influenciadores para seduzir jovens e desempregados. A jogatina não é entretenimento — é um mecanismo de transferência de renda dos pobres para os donos do cassino digital.

A narrativa da "austeridade fiscal" é uma cortina de fumaça para esconder o verdadeiro objetivo: desmontar o Estado social e transferir ainda mais riqueza para o topo da pirâmide. Não há "ineficiência" maior do que deixar milhões sem acesso a saúde, educação e moradia enquanto se paga R$ 1 trilhão em juros em quatro anos (como ocorreu entre 2019 e 2022). Se há desperdício, ele está nos paraísos fiscais, nos subsídios a grandes empresas e na sonegação de impostos pelos ricos. 

É hora de inverter a lógica: em vez de cortar direitos, taxar privilégios. Ou seja, tributar grandes fortunas, lucros e dividendos, cassinos digitais e transações financeiras especulativas geraria recursos para investir em hospitais, universidades e infraestrutura. O Brasil não é pobre — é injusto. E a injustiça não se resolve com menos Estado e menos direitos sociais para os pobres e mais Estado e benefícios para os bancos e a elite do país. Essa realidade precisa mudar!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados