Maria Luiza Falcão Silva avatar

Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

147 artigos

HOME > blog

Corte de juros nos EUA e o nó brasileiro: até quando o estrangulamento?

Enquanto o Fed abre espaço para o crescimento, o Brasil segue amarrado a uma Selic sufocante que trava investimento e desenvolvimento

Sede do Banco Central, em Brasília - 17/12/2024 (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

O Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos (EUA), anunciou corte de juros nesta quarta-feira (17). Foi o primeiro corte do ano: 0,25 ponto percentual, levando a taxa básica para a faixa de 4,00% a 4,25% ao ano. O resultado ficou aquém do esperado por Trump. As bolsas reagiram de imediato, o dólar perdeu força e os capitais globais já começam a se movimentar em busca de oportunidades. Não é apenas um dado técnico, mas um sinal político de que a economia americana precisa de estímulo para evitar uma desaceleração mais profunda.

Como cortes de juros nos EUA afetam o mundo

Quando o Fed reduz a taxa de juros, os efeitos são em cascata e de conhecimento geral:

  • O custo do dinheiro em dólar cai, barateando financiamentos globais.
  • Investidores buscam maiores retornos em mercados emergentes, favorecendo fluxos de capital para países como o Brasil.
  • O dólar tende a se desvalorizar, fortalecendo moedas de outros países, o que impacta comércio exterior e inflação.
  • A liquidez global aumenta, incentivando demanda por commodities e ativos de risco.

Impactos específicos para o Brasil

Benefícios imediatos

  1. Atração de capital estrangeiro: com juros domésticos elevados, o Brasil torna-se mais atraente para investidores em busca de rendimento.
  2. Valorização do real: reduz o custo de importações, ajuda no controle da inflação e dá maior previsibilidade à economia.
  3. Queda do custo da dívida externa: alivia pressões sobre empresas e governo que captam recursos em dólar.
  4. Espaço para cortes na Selic: se o câmbio se estabilizar, o Banco Central pode acelerar a redução dos juros, impulsionando a atividade econômica.

Pontos de atenção

  1. Competitividade das exportações: um real muito valorizado pode reduzir a margem de lucro de exportadores, em especial do agronegócio e da indústria.
  2. Inflação interna: choques de preços de combustíveis ou energia podem anular o ganho cambial.
  3. Fluxos voláteis: capitais estrangeiros podem sair rapidamente diante de crises geopolíticas ou mudanças na percepção de risco.

Cenário atual: momento de cautela e ação

Em setembro de 2025, o Brasil enfrenta inflação em queda e juros de dois dígitos (Selic de 15%). A valorização do real, se confirmada, ajudará a conter ainda mais os preços, criando condições para um ciclo de afrouxamento monetário mais robusto. Além disso, projetos de investimento em infraestrutura e transição energética poderão se beneficiar de um custo de capital menor.

O gráfico abaixo mostra um cenário projetado: à medida que os juros nos EUA caem, o câmbio se aprecia e a inflação doméstica tende a cair, mas dificilmente convergirá para a meta irreal de 3%, criando espaço para cortes graduais da Selic.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil se reuniu também nesta quarta-feira (17) e manteve a taxa básica de juros da economia, a Selic, em 15% ao ano — o maior patamar em quase 20 anos. Com inflação em torno de 5%, significa uma taxa real de 10%.

Assim, no Brasil seguimos sufocados em um regime de juros que beira o insano. Com a Selic estacionada, o país paga um pedágio proibitivo sobre o crédito, o investimento produtivo e, no limite, sobre a própria possibilidade de crescimento. É como se insistíssemos em correr uma maratona com uma âncora amarrada aos pés, para deleite dos rentistas e à custa de toda a sociedade.

Uma economia que resiste — apesar do Banco Central

A economia brasileira tem mostrado resiliência. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu no primeiro semestre acima da média mundial, o desemprego alcançou níveis em torno de 5% — baixo em relação às séries históricas — e setores como agronegócio, mineração, energia e tecnologia seguem puxando o dinamismo. Há investimentos anunciados em infraestrutura e na transição energética. O comércio exterior continua robusto — mesmo após o tarifaço de Trump —, beneficiado por preços de commodities e, de forma especial, pela demanda asiática.

Tudo isso acontece apesar da política monetária sufocante. Gabriel Galípolo, presidente do BACEN, atua do mesmo jeito que Roberto Campos Neto. Empresas sobrevivem à custa de margens comprimidas e financiamentos caríssimos. Famílias adiam consumo ou se endividam a taxas abusivas. Pequenos empreendedores veem seu capital de giro evaporar. E o governo, paradoxalmente, paga a maior parte dessa conta via serviço da dívida — um verdadeiro dreno de recursos públicos que poderiam estar sendo investidos em saúde, educação, ciência e tecnologia. Analistas não cansam de bradar a inviabilidade de pagar um trilhão de reais de juros ao ano.

Oportunidade perdida se o Copom vacilar

Agora, com os juros americanos em queda, abre-se uma janela para que o Brasil comece a reverter esse quadro. Manter a Selic em 15% neste novo contexto é uma confissão de imobilismo. A sinalização precisa ser clara: o ciclo de cortes deve começar já.

Caso contrário, perderemos a oportunidade de atrair capital produtivo que procura rendimento e estabilidade; veremos o câmbio se valorizar sem contrapartida de redução de juros internos, prejudicando exportadores e reduzindo competitividade industrial; e continuaremos punindo investimento e consumo doméstico.

Política monetária ou política de poder?

Há quem defenda juros altos como única âncora possível para expectativas inflacionárias. Mas o que se vê é uma política monetária que se converteu em política de poder: o poder de uma minoria financeira sobre o destino de uma economia inteira. Manter a Selic nesse patamar significa escolher o rentismo em detrimento da produção e da população pobre.

Com o Fed cortando juros, a desculpa de “prudência” fica mais frágil. Não se trata de afrouxar irresponsavelmente, mas de calibrar a política monetária com os novos ventos globais, para permitir que o Brasil cresça de forma sustentada, sem matar o dinamismo econômico no berço.

A hora de virar a chave

A reação do Copom é observada de perto não apenas pelos mercados, mas pela sociedade brasileira. O país não pode continuar pagando o preço de uma ortodoxia que estrangula investimento público e privado, alimenta a financeirização e perpetua desigualdades.

Cortes de juros nos EUA são, neste momento, mais oportunidade que ameaça para o Brasil. Se bem administrado, este novo ciclo pode favorecer crescimento econômico, atrair capital produtivo e reduzir o custo do crédito para famílias e empresas. O resultado da reunião de hoje do Copom foi um balde de água fria na esperança.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.