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Anselm Jappe

Professor de estética na École d’art de Frosinone e de Tours, é autor, entre outros livros, de Crédito à morte (Hedra, 2013)

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Cortem o gás russo!

"Uma bandeira capaz de combinar as lutas pacifistas, ecologistas e sociais", escreve Anselm Jappe

(Foto: Reuters/Dado Ruvic)
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Por Anselm Jappe 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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As primeiras análises da guerra na Ucrânia elaboradas no campo da crítica do valor a inscrevem no contexto do colapso generalizado da sociedade mundial da mercadoria. Elas têm, evidentemente, razão. Entretanto, correm o risco de se tornarem excessivamente gerais e, sobretudo, não são capazes de indicar qualquer ação prática a ser imediatamente reivindicada. Estamos falando da necessidade de um movimento emancipatório transnacional que repudie todos os beligerantes e suas ideologias.

É difícil não concordar com isso – mas também é difícil que um movimento como tal surja rápido o suficiente para ter algum efeito sobre os acontecimentos atuais. Deste ponto de vista, o melhor seria ajudar (mas, como?) os verdadeiros heróis russos, aqueles que protestam nas ruas aos milhares, apesar dos riscos que isso implica, e que irrompem até mesmo nos estúdios de televisão.

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Seria, por vezes, útil lembrar palavras como “Machnovščina” ou “Holodomor” – que não ouvimos nas fontes mainstream de informação desde o começo da guerra, muito embora possam ajudar a compreender que os ucranianos não são, necessariamente, todos fascistas em seu espírito, como afirmam certos defensores da Rússia, e, sobretudo, a entender por que eles são um tanto desconfiados de seus “primos” russos.

Certas contribuições sentem a necessidade de condenar as atitudes pró-Putin que outras professam em defesa do “anti-imperialismo”. A recusa de uma tal atitude parece óbvia, e ficamos chocados com o fato de que, aparentemente, estes delírios ideológicos ainda existam de uma forma que não seja completamente residual.

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Impor restrições ao espaço aéreo, oferecer armas aos ucranianos, intervir diretamente no campo de batalha? Frequentemente temos vontade de desejar tais atitudes, apenas para evitar que a Ucrânia acabe como a Chechênia ou a Síria. Entretanto, cobrar ou apoiar tais medidas também significaria, para a crítica social, admitir que as insanidades de um Estado apenas podem ser contidas por outro Estado e que apenas a guerra responde à guerra. O que pode, às vezes, ser verdade; desde 1938, um pacifismo de princípio, incondicional, não é mais sustentável. Mas procuremos, apesar de tudo, um tertium datur entre a capitulação e a guerra.

Defender o interrompimento imediato, completo e definitivo da compra de gás e petróleo russos, assim como de todas as outras substâncias e, de forma generalizada, o rompimento de todas as relações comerciais, toda exportação e importação com a Rússia, poderia ser uma alternativa. Destruir os oleodutos ocidentais (o North Stream) para demonstrar que jamais voltaremos atrás. Uma sanção como essa – possivelmente a única não considerada por Vladimir Putin – poderia realmente obrigá-lo a se retirar.

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É verdade, isso poderia custar caro às economias ocidentais, às “empresas”, aos “consumidores”, aos “empregos”, ao “poder de compra”. Os ocidentais preferem, então, colocar armas nas mãos dos outros e enviá-los à morte – “armiamoci e partite”, como se diz em italiano (“armemo-nos e partam vocês”) – para não ter que vestir uma blusa mais grossa dentro de casa ou locomover-se de bonde e não de carro.

É, todavia, justamente por isso que os espíritos críticos deveriam concentrar suas propostas em torno do “cortem o gás”. Além de representar, possivelmente, a única “arma” eficaz para conter as armas, esta renúncia aceleraria consideravelmente o “decrescimento” e a desindustrialização que tanto precisamos. Os poderes econômicos e políticos gostariam de se permitir demorar algumas décadas para organizar sua “transição energética” do petróleo às energias “renováveis” (dentre as quais está a nuclear!), dando assim continuidade ao capitalismo.

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Um corte imediato do petróleo russo, mesmo sem qualquer alternativa à vista, poderia levar todo o capitalismo industrial a uma grave crise e impulsionar a adoção de formas de “simplicidade voluntária”. Dentre os produtos russos considerados “indispensáveis”, encontram-se também os fertilizantes químicos (“Em 2021, a Rússia era o principal exportador de fertilizantes nitrogenados e o segundo maior fornecedor de fertilizantes a base de potássio e fósforo”, “o Brasil é o maior importador de fertilizantes nitrogenados russos”, Le Monde do dia 15 de março de 2022). Eis como matar dois coelhos com uma cajadada só.

É evidente que uma escolha como essa, para não atingir apenas os que já são pobres, deveria vir acompanhada de medidas drásticas de redistribuição: impostos pesados sobre grandes empresas, grandes fortunas, altos salários e aposentadorias. Isso ainda não constituiria uma saída da sociedade mercantil, mas já seria um belo avanço.

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Basta ver a raiva que a proposta de uma interrupção do fornecimento de gás provoca nos políticos de esquerda (Mélenchon), de centro e de direita (Marine Le Pen, que diz que as sanções não devem afetar o poder de compra dos franceses! Até mesmo a direita não quer mais ir à guerra se for custar muito caro…). Basta ver que empresas, como a Total, a recusam, que o ministro das finanças alemão rejeita, como sempre, qualquer limitação de velocidade nas rodovias, para compreendermos que vale a pena tentar este caminho. Não como “sacrifício necessário”, mas como oportunidade de finalmente fazer aquilo que deveríamos ter feito muito tempo atrás: desintoxicar-nos desta “droga energética”.

Ele combinaria as lutas pacifistas, ecologistas e sociais. Não será fácil levá-lo adiante – mas ele poderia levar a um certo consenso. Na melhor das hipóteses, tais medidas de “sobriedade energética” dariam, mesmo após o fim da guerra, o pontapé inicial de um círculo vicioso em direção à saída do capitalismo industrial.

Tradução: Daniel Pavan

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