Criatividade jurídica de Gilmar Mendes pode servir à democracia
"A liminar do decano contém óbvia implicação política, como contém toda e qualquer decisão do STF. E possui, particularmente, alta carga criativa"
Gilmar Mendes votou liminarmente em duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, a 1.259 e a 1.260, para que processos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal só possam ser apresentados ao Senado pelo procurador-geral da República. Também determinou que a defenestração desses magistrados exija o voto favorável de dois terços dos senadores, e não mais de metade mais um. O decano agiu, como era sua obrigação, provocado por duas ADPFs e não por lawfare.
A liminar do decano contém óbvia implicação política, como contém toda e qualquer decisão do STF. E possui, particularmente, alta carga criativa.
O modelo criado por Gilmar Mendes — exclusividade do PGR para iniciar impeachment de ministros do Supremo — é inédito no mundo. Países do Common Law - EUA, Canadá, Reino Unido – não o utilizam, nem países de tradição romano-germânica, como França, Alemanha, Itália e Espanha. Tampouco democracias presidencialistas latino-americanas - Argentina, México, Chile. Também não o adotam sistemas de corte constitucional mais centralizadores, como Hungria, Polônia, Rússia e Turquia. Não há precedente: a exclusividade dada ao PGR é uma construção singular de Gilmar Mendes.
O debate é bom e requer que se levem em conta as inúmeras idiossincrasias da democracia brasileira, a qual, salva de um golpe, ainda está sob risco em razão da prevalência numérica de parlamentares fisiológicos e de extrema-direita. É hora de lembrar que a Lei do Impeachment até aqui em vigor tem sido usada como instrumento de chantagem institucional por essa turba, banalizada mesmo – a derrubada de Dilma Rousseff sem crime de responsabilidade é o exemplo perfeito.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal, sem o qual estaríamos nas mãos de Bolsonaro e meia dúzia de milicos medievais, vem sendo vítima de ameaças nem sempre veladas de um Congresso que teme ser alcançado pela lei. O pavor da turba é de motivação argentária, antes de mais nada, e exacerbou-se em 2024, após decisões do STF sobre emendas parlamentares ao orçamento que restringiram a forma de execução/destinação de recursos. Afinal, onde já se viu um tribunal querer que deputados e senadores digam para onde vão mandar dinheiro público?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

