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Stefano Dumontet

Biólogo e professor universitário

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Crise sanitária ou meio de gestão política?

O medo tem muitos olhos e enxerga coisas no subterrâneo. Dom Quixote

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Por Stefano Dumontet e Marco Mamone Capria

A suposta crise sanitária, devida à doença denominada Covid-19, tem incríveis conexões com a crise financeira, que rola há mais de uma década, sem que seja possível deslumbrar o seu fim. Esta crise não é feita para acabar. Vladimir Safatle, com muita lucidez, sublinha como a crise financeira que estamos vivendo é, na realidade, um modo novo de governar. Cada crise, suposta ou verdadeira que seja, traz consigo, inevitavelmente, a necessidade de estabelecer um estado de exceção, que permite limitações inéditas das atribuições constitucionais dos cidadãos. Na situação hodierna, o estado de exceção é acompanhado e apoiado por uma nova filosofia moral, a filosofia da responsabilidade, individual e coletiva, a filosofia da necessidade de renunciar os próprios direitos fundamentais, que devem ser sacrificados no altar do bem-estar coletivo.

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Esta crise sanitária, também, não é feita para acabar. 

Alguns esclarecimentos sobre o "vírus chinês"

Os pesquisadores do Instituto Italiano da Saúde (Istituto Italiano di Sanità) demonstraram que uma variante autoctone do SARS-Cov-2, completamente independente da chinesa, circula no território nacional, provavelmente, desde outubro de 2019, quando os primeiros casos de pneumonia atípica começaram a manifestar-se na Lombardia. Se esse é o caso da Itália, deveria ser também o caso dos outros países, como se manifesta em qualquer epidemia sazonal de gripe. A esta luz, todas as revelações bombásticas sobre a suposta manipulação genética de um vírus que se espalha em todo o mundo, atribuída aos Estados Unidos ou à China, consoante aos analistas, e sobre as supostas mentiras chinesas relacionadas à mortalidade da doença e às tentativas de esconder o problema, ou a também suposta opacidade dos americanos, que não mostram o famoso "paciente zero", são destituídas de qualquer fundamento. Tudo isso parece muito mais uma gestão política do assunto do que uma abordagem científica ou sanitária. Muito provavelmente, cada pais tem a sua variante do vírus, uma coisa que não pode surpreender do ponto de vista científico considerado que o SARS-Cov-2 faz parte de uma família de vírus associada à gripe comum e que as epidemias mundiais de gripe sazonal não são consideradas pandemias. 

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A incoerência da OMS

No dia 24 de Fevereiro de 2020, Tarik Jasarevic, porta-voz oficial da OMS, declara numa entrevista à agência de notícias Reuters: "A Organização Mundial da Saúde deixa de utilizar a palavra pandemia. Não existe uma categoria oficial [para a pandemia]. O que estamos vendo agora são 'clusters' de casos em diferentes países". Na mesma entrevista Jasarevic declarou que o "plano pandemia", constituído por 6 etapas diferentes e adotado por todos os países do mundo, deveria ser considerado obsoleto [1]. Em 11 de Março de 2020, Tedros Adhanom Ghebreyesus (Diretor-Geral da OMS) declara: "Nós estabelecemos que COVID-19 pode ser caracterizada como pandemia. Pandemia não é uma palavra que pode ser utilizada levianamente ou sem cuidado. É uma palavra que mal utilizada pode causar medo irracional, ou uma aceitação injustificada de derrota, que pode levar a sofrimento e mortes não necessárias. [...]  Nunca vimos uma pandemia causada por um coronavírus. Esta é a primeira pandemia causada por um coronavírus. Ao mesmo tempo, nunca vimos uma pandemia que pode ser controlada" [2]. 

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Se a preocupação de Ghebreyesus seria evitar o medo irracional, a sua declaração parece seguir o rumo inverso. Sua incoerência vai a ponto de declarar que nunca houve uma pandemia causada por um coronavírus, esquecendo ou ignorando, ou talvez fingindo ignorar, que a doença pulmonar causada pelo coronavírus SARS-Cov foi declarada pandemia da OMS no dia 15 de março de 2003 e que: "Nós apuramos que é causada por um novo tipo de coronavírus - uma família de vírus geralmente associada à gripe comum" (WHO press release 07-04-2003). Se isso não é um claro caso de dissonância cognitiva por ausência de coerência lógica, talvez seja um caso que revela uma falta de ética profissional, mais que uma inconsistência argumentativa. 

Se esta é a postura da mais alta autoridade mundial no campo da saúde, temos que perdoar qualquer delírio veiculado pela mídia corporativa. 

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O caso da Itália 

O "caso italiano" é paradigmático, seja pela gestão mediática e política da crise, seja pela gestão sanitária. Numerosas evidências apontam a uma narrativa muito diferente daquela propagada pela retórica do governo e dos meios de comunicação de massa. Antes de mais nada, seria útil falar das estatísticas das mortes totais (todas as causas de morte juntas), porque tem muitas polêmicas no país sobre as atribuições da causa de morte. Quantos dos falecidos morreram pelo coronavírus e quantos com o coronavírus? Esta é uma coisa difícil a esclarecer. A estatística mais confiável é aquela que indica o andamento das mortes totais em relação à população idosa (mais de 65 anos de idade, a mais vulnerável ao SARS-Cov-2). Esta estatística não pode sofrer erros interpretativos, já que conta os falecidos e não a causa da morte. No gráfico seguinte estão indicadas as medias diárias das mortes em cada semana do ano e as flechas apontam o momento do lockdown em Lombardia e Veneto (as regiões mais atingidas) e o momento da extensão da medida em todo o território nacional.  

gráfico-Stefano

O que dizem as estatísticas? O primeiro dado: da primeira (1 a 5 de Janeiro) até a décima semana 2020 (2 a 8 de Março) os mortos totais foram 16.072. Os mortos esperados (número baseado sobre a média dos últimos 5 anos) eram 16.702. Portanto, até a décima semana 2020 não se manifesta alguma diferença significativa entre as mortes observadas e aquelas esperadas. Os número de mortos começa a subir na décima-primeira semana (9 a 15 de Março) e atinge o pico máximo na décima-terceira semana (23 a 29 de Março), quando se contam 1.190 mortos mais do que o esperado. A partir da décima-quarta semana o número de mortos despenca. Tendo em conta a evolução da doença, muito provavelmente as mortes pertenciam a pacientes atingidos pelo vírus 10-14 dias antes dos falecimentos. Dado que aparentemente as causas totais de morte no país não tenham sido submetidas a variações significativas, a diferença entre os dados observados e os dados esperados tem que ser atribuído ao vírus SARS-Cov-2. Um cálculo, embora aproximativo, baseado nos dados disponíveis e sobre uma estimativa até a décima-oitava semana, mostra que esta diferença pode ser quantificada em cerca de 6.000 a 7.000 mortos. Quais são as consequências desta estimativa? A única possível é que o valor de 25.085 mortos, relatado pela Organização Mundial da Saúde no dia 26 de Abril, seja largamente superestimado. Parece, de fato, um pouco bizarro que a China tenha até hoje 4.642 mortos e a Itália 25.085.

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Além disso, por explícita admissão dos médicos de diferentes disciplinas (com prevalência dos médicos de tratamento intensivo), a terapia na primeira fase da epidemia foi errada. Na confusão do momento mais crítico os doentes foram ventilados desnecessariamente. De fato, o vírus causa um grave problema inflamatório, que se evolve em uma coagulação vasal, gerando coágulos que impedem o aporte sanguíneo aos alvéolos pulmonares. Os relatos autópticos são claros a este respeito. Ventilar un pulmão no qual o sangue não chega aos alvéolos é evidentemente inútil, até danoso. Ao mudar a terapia os mortos diminuem drasticamente. A nova terapia seria baseada em anticoagulantes, cortisona e fármacos anti-inflamatórios, um cuidado que não necessita de hospitalização nas unidades de tratamento intensivo e pode ser administrada, nos casos menos graves, até em casa. Tirando algumas conclusões, os mortos deveriam ser muito menos dos 6.000-7000 estimados, o caos nos hospitais poderia ter sido evitado e, com isso, a morte do pessoal de saúde.  

Todo o mundo fala do excelente sistema sanitário lombardo, que deveria ser um dos melhores da Europa. Na verdade, a Lombardia sofre dos mesmos brutais cortes de verbas que experimenta todo o sistema de saúde italiano e sua condição é à beira do colapso, como os recentes acontecimentos mostram. Se ouvem declarações de analistas mal informados apontando que a Itália teve sorte pelo fato que as regiões mais atingidas pelo vírus foram aquelas do norte do país, senão teria acontecido um verdadeiro massacre. Uma explicação ridícula que visa tapar os problemas. É absolutamente incompreensível a diferença abissal entre os efeitos do coronavírus no norte e no sul da Itália, se fatores contribuitivos não são tomados em conta. A taxa de mortalidade despenca dos 18% na Lombardia até 1,6 % no Abruzzo (uma região do sul) [3]. Uma publicação do ISPI (Italian Institute for International Political Studies) [4] demostra que em 27 de Março a letalidade aparente do SARS-Cov-2 era 13,6% na Lombardia (1 morto a cada 7 contagiados) e 1,1% na Basilicata, também região do sul, (1 morto a cada 91 contagiados). Ainda mais impressionante é o gráfico, elaborado a partir dos dados da Proteção Civil, apresentado abaixo. A linha azul representa os contágios nas regiões do norte (33.882.060 habitantes) e a linha vermelha os contágios nas regiões do centro e do sul (26.476.509 habitantes). Parecem dois países diferentes. Seria necessário tomar em conta que tantos italianos originários do sul vivem e trabalham nas regiões setentrionais. Muitos deles voltaram nas regiões de origem nas 2 primeiras semanas de Março, quando os contágios disparavam. Foi um verdadeiro êxodo que não teve o impacto esperado nos contágios no sul.

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Dá que pensar que uma cidade como Nápoles, dotada de um importante porto e um aeroporto, com uma densidade de população 3 ou 4 vezes maior que Bergamo e Brescia juntas, com cerca de 40.000 pessoas morando em pequenos locais superlotados situados ao nível da rua e muitas vezes mal ventilados, é colocada em uma região (a Campania) com um número de contagiados em termos absolutos 17 vezes inferior que a Lombardia (que tem um número de habitantes 1,7 vezes maior) e um número de falecimentos 78,5 vezes menor. 

Existem fatores contribuitivos que agravaram a situação no norte da Itália? Existem. Na matéria publicada em 26 de Abril no jornal britânico Daily Mail on-line intitulada "Another flu shot fail? This season's vaccine for the US, UK and Canada is likely to be a 'mismatch' for the deadly virus, expert warns", Natalie Rahhal, autora do artigo, diz que "Uma vacina inapropriada para a gripe A/H3N2 é em parte responsável pela mortalidade recorde da temporada 2017-2018". A gripe 2017-2018 causou a morte de 80.000 pessoas nos EUA. Então, parece existir uma correlação entre uma vacina inapropriada e a mortalidade devida à gripe. Seria interessante ter em conta que, em Milão, 5.185 médicos de família, desde Outubro de 2019, reservaram 900.000 doses de vacina contra a gripe e mais de 80.000 doses de vacina contra o pneumococo [6], destinadas principalmente os idosos. 

Além disso, parece existir uma correlação estreita entre a poluição atmosférica e a sensibilidade aos vírus com tropismo pulmonar. É o que se lê na matéria do diário independente italiano "Il Fatto Quotidiano"[7] com título: "Coronavírus, uma pesquisa da Universidade de Harvard: Correlação entre smog e aumento da taxa de mortalidade pelo Covid 19”.

As imagens que se seguem mostram as regiões italianas mais atingidas pelo coronavírus e também as regiões nas quais a poluição atmosférica é particularmente elevada. É preciso lembrar que na Itália a mortalidade por causa da poluição atmosférica chega a 79.200 falecimentos precoces por ano [3]. É bastante impressionante a quase perfeita sobreposição das áreas mais poluídas e das áreas mais contagiadas.

mapa-Stefano

O lockdown funcionou? Parece que não. Como fazer para esclarecer este ponto? Uma boa ideia seria considerar o andamento das síndromes gripal e simil-gripal durante o período do lockdown. Estas síndromes são de natureza viral e transmissíveis. É com un certo desconcerto que se descobre que o andamento da gripe 2019-2020 é idêntico ao andamento da gripe 2018-2019. Então parece que o lockdown não seria capaz de diminuir a transmissão dos vírus gripais. Ele seria, portanto, capaz de bloquear a transmissão do coronavírus?

gráfico-stefano-3

Orientar-se no meio do labirinto

As classes dominantes que planejam a redução dos gastos sociais, em particular na saúde, se viram confrontadas com as seguintes alternativas em relação ao covid-19:

1) sublinhar a novidade absoluta da atual emergência sanitária. Assim se podem justificar medidas excepcionais de compressão dos direitos civis, medidas que são muito úteis para todas as necessidades de um governo abertamente, ou disfarçadamente, autoritário;

2) negar a existência da atual emergência sanitária. A negação pode ser baseada no medo de que a atenção dos cidadãos e da mídia independente possa ver longe e perceber que a emergência existia muito antes do covid-19. Uma emergência baseada nas políticas de financiamento insuficiente da saúde pública, na indiferença cínica quanto às necessidades essenciais da maioria da população, incluindo a proteção ambiental, e na desigualdade social extrema. Tudo isso causa dezenas de milhares de mortes evitáveis a cada ano.

É importante perceber que, apesar da aparente diferença entre essas duas atitudes, elas surgem do mesmo projeto político: aprofundar e consolidar a desigualdade social e econômica. Portanto, não é de se admirar que as mesmas personalidades políticas passam de uma atitude para a outra, sem que haja uma mudança substancial em suas visões politicas .

Para a opinião pública no Brasil, assim como em outros lugares, existe o risco de reivindicar que o covid-19 deveria ser considerado como uma nova e inesperada "praga do século 21", somente porque um líder político autoritário diz que isso não é um problema real. Por outro lado, acreditar que o covid-19 não é um problema de saúde do tamanho que as autoridades querem fazer crer, significa sublinhar que nunca foi dito quantas pessoas morrem a cada ano de doenças respiratórias devido à poluição, às contaminações hospitalares, aos leitos insuficientes, à carência de pessoal de saúde qualificado e disponível em todo o país, etc. Os vírus ILI (Influenza-like illness, que incluem o cov-2) poderiam desempenhar um papel secundário, exceto no caso de pessoas com saúde muito frágil.

Um novo relacionamento entre os cidadãos e a classe dominante precisa ser reconstruído e há direitos sociais que precisam de novo ser reivindicados. Para fazer isso seria importante compreender que não deve-se necessariamente acreditar que um inimigo político espalhe sempre mentiras: ele pode falar verdades para esconder outras coisas ainda mais perigosas.

Hoje, no nosso planeta superconectado, todos os assuntos de relevância publica são geridos misturando politica, economia, saúde, ciência e necessidades dos profissionais da informação. Seria uma boa ideia tentar dissecar, com a lâmina fina e afiada do jornalismo de investigação e da honestidade intelectual, esses aspectos da realidade, para chegar a uma síntese clara e quanto mais próxima do que está acontecendo, em vez de esperar que alguém nos acompanhe segurando pela mão.

1. REUTERS (2020). WHO says it no longer uses 'pandemic' category, but virus still emergency. https://www.reuters.com/article/uk-china-health-who-idUKKCN20I0PD
2.  WHO (2020a). WHO characterizes COVID-19 as a pandemic, 11 March 2020.  https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/events-as-they-happen

3. Marco Mamone Capria (2020). coronavirus, disinformazione e democrazia. http://www.dmi.unipg.it/~mamone/sci-dem/nuocontri_3/covid_mamone.pdf

4. ISPI (2020).  coronavirus: LA LETALITÀ IN ITALIA, TRA APPARENZA E REALTÀ. https://www.ispionline.it/sites/default/files/pubblicazioni/ispi_analysis_italia_coronavírus_letalita_villa_mar2020_2.pdf

5. Mail Online Health (2020). Another flu shot fail? This season's vaccine for the US, UK and Canada is likely to be a 'mismatch' for the deadly virus, expert warns. https://www.dailymail.co.uk/health/article-7520845/This-years-flu-shot-likely-ineffective-UK-Canada-expert-warns.html

6. Federfarma (2019). Vaccinazione antinfluenzale, la Lombardia pronta da lunedì. I medici possono rifornirsi in farmacia. https://www.federfarma.it/Edicola/Filodiretto/VediNotizia.aspx?id=20291

7. Il Fatto Quotidiano (2020). coronavirus, lo studio dell’Università di Harvard: “Correlazione tra smog e aumento del tasso di mortalità per Covid 19”. https://www.ilfattoquotidiano.it/2020/04/10/coronavírus-lo-studio-di-harvard-smog-legato-ad-aumento-tasso-di-mortalita-per-covid/5766682/

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