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Helena Iono

Jornalista e produtora de TV, correspondente em Buenos Aires

122 artigos

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Cristina Kirchner mobiliza e centraliza o peronismo no 25 de Maio

(Foto: Helena Iono)
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Neste 25 de Maio, Dia da Pátria, em que se comemora a Revolução de Maio (1810) que deu início à Independência Argentina, e os 20 anos desde a assunção de Nestor Kirchner à presidência (2003), a vice-presidenta, Cristina Kirchner, atraiu uma maré humana de mais de 400 mil à Praça de Maio vindos de todo o país, enfrentando intempéries e chuva, para ouvir seu discurso.  Este peronismo que sobrevive, apesar dos milhares de dizimados pela ditadura, já é parte do DNA e da memória do povo argentino! Como alguém disse, “nem o dilúvio apaga o fogo!”. É algo que anos, após anos, arrepia e comove!  

Nestor e Cristina representam a melhor “identidade histórica do peronismo” dos últimos tempos; reativaram essa simbiose entre líder e povo, reerguendo o país, sanando-o do neoliberalismo menemista, da hecatombe deixada por De La Rua, recuperando o poder do Estado, os direitos sociais, o protagonismo das lideranças sindicais e peronistas, iniciando os processos dos delitos de lesa-humanidade. Nestor livrou a Argentina do FMI, rechaçou a ALCA, abriu com Chávez o campo para a UNASUL, recebeu o Fidel, como desejava Perón; deixou um legado para Cristina Kirchner, completar, e aprofundar a soberania e a economia de inclusão social de uma etapa de dignidade até 2015.

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O seu discurso, não foi de homenagem a Néstor apenas como companheira de vida, mas de uma estadista que continuou seu projeto peronista na chamada década soberana; sem nostalgias, mas com um grito de combate e centralidade no peronismo, um programa econômico de governo nacionalista com transformação social; não impossível, porque já existiu, mas que urge resgatar diante do enorme retrocesso com a volta do FMI, fruto de um ato político dos EUA que alimentou o macrismo e o Partido Judicial. Cristina deixa claro que a recuperação da economia com o kirchnerismo, após a crise de 2001 foi graças ao tão denegrido “estatismo” e fortalecimento do Estado que reverteu as privatizações da década menemista. Os principais serviços (luz, água, gás, correios, Aerolíneas, YPF e mais) eram todos privados. Quando Cristina terminou seu segundo governo (fins de 2015), tudo isso já se havia recuperado; o PIB havia aumentado, fundamentalmente com uma das maiores distribuições de renda das últimas décadas, e o maior salário mínimo em dólares da América Latina.

Nesta Praça de Maio confluiu o povo, molhado pela chuva, sofrido, mas em pé de luta, para empurrar a centralidade de Cristina nas eleições e no governo atual peronista; que, como ela disse, “foi infinitamente melhor a que se houvesse sido outro”, apesar de não ter-se recuperado ainda o projeto nacional e popular destruído entre 2016-2019. No novo governo da Frente de Todos, houve a pandemia, a seca, a bomba da dívida macrista com o FMI e a guerra, sem que isso justifique inoperâncias econômicas e lentidão da gestão do governo atual. Leia artigo de David Cufré no Página 12 em que analisa “as diferenças entre o chefe de Estado e a vice-presidenta que terminam desestabilizando a economia”.  

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Cristina, como esperado, não muda sua posição de não candidatar-se (antes expressa na carta e reiterada na entrevista à C5N), nem dá ainda indicações preferenciais, mas como sábia estratega e líder política, dá um centro e objetiva a correta necessidade de discutir um Programa de governo e unificar a Frente de Todos. Programa de governo que consolide a continuidade eleitoral, mas que também solucione já, antes de outubro, a situação inflacionária, a distribuição e o salário.

Cristina Kirchner definiu 4 eixos de um programa de lutas para recuperar a essência do peronismo: 

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  1.  Deixar de lado o programa com o FMI. “A dívida com o FMI se outorgou por considerações políticas e portanto, deve ter uma solução política. “Se não conseguirmos pôr de parte este programa que o FMI impõe a todos os seus devedores, sem nos permitir desenvolver o nosso próprio programa de crescimento, industrialização e inovação tecnológica, será impossível pagá-lo."
  2.  "uma aliança entre o público e o privado" para regular recursos estratégicos como o gás de Vaca Muerta e o lítio, sem perder a soberania. Citou o exemplo de soberania nas decisões recentes do Chile e da Bolívia com a nacionalização do lítio. Criticou aos que tem vocação para voltar a ser colônia como em outras épocas em Potosi.
  3.  Reiterou a defesa do “pacto democrático” instalado nos anos 1983, já rompido com as perseguições ao peronismo-kirchnerismo, culminado na tentativa de magnicídio à sua pessoa.
  4.  Poder Judicial: “Devemos voltar a dar ao país um poder judiciário porque se evaporou entre as artimanhas de uma camarilha indigna da história argentina”. "Vamos começar a cumprir a Constituição, vamos investigar a dívida, vamos investigar os responsáveis. É hora de que as instituições não estejam aí para cuidar dos interesses das empresas, mas de todos os argentinos".


A decisão de Cristina não ser candidata

Cristina anunciou em 6 de dezembro de 2022, e agora, reiterou na sua carta e na entrevista à TV C5N de que não será candidata. “Não serei um animal de estimação do poder para nenhuma candidatura. Tenho demonstrado, como ninguém, privilegiar o projeto coletivo sobre o pessoal. Não vou entrar no jogo perverso que nos impõem com fachada democrática para que esses mesmos juízes, hoje empoleirados na Corte Suprema, emitam uma decisão me desqualificando ou afastando diretamente qualquer candidatura que eu tenha, para deixar o peronismo em absoluta fragilidade diante da disputa eleitoral. Os acontecimentos recentes provaram que eu estava certa.” Além disso, provavelmente, Cristina prevê, não exclui e adia um clima de violência (não só física, mas midiática) com custo social ou eleitoral de dimensões imprevisíveis, estimulado pelo Partido Judicial-Midiático, num terreno já minado por uma precedente tentativa de magnicídio.  

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A proscrição definitiva (legal ou política) de Cristina poderia dar-se antes ou depois das eleições frente a uma Corte Suprema que não respeita a Constituição. O conflito não estaria excluído em ambos cenários. O juiz Zaffaroni que foi ministro da Corte (2006/2014) alerta sobre os mecanismos nefastos do lawfare na América Latina, no caso do Equador. Veja.  O chamado de Cristina a não depender de personificações, ou ao dizer “já dei o que tinha que dar”, não significa uma renúncia. Ela move as peças do xadrez para reorganizar as forças num prazo curto e vencido, com a união de todas as forças dentro e fora do peronismo e kirchnerismo, em torno de programa e mobilização coletiva, de massas para “impedir o retorno do neo-liberalismo, mais feroz e ditatorial”.   

Lamentavelmente, a Frente de Todos não teve a maioria no Congresso para avançar na Reforma Judicial. A Comissão parlamentar de processo político a juízes da Corte Suprema, acelera com provas, na contracorrente do prazo eleitoral, e sob apagão midiático. A revisão do poder Judiciário (STF) no Brasil e a entrada da mídia hegemônica (A Globo) no barco da candidatura do presidente Lula, refletiu uma quebra interna da burguesia brasileira. Na época de Perón proscrito, os militares o consentiram retornar do exílio para conter as massas. No caso da proscrição de Cristina Kirchner, seria a atual relação de forças comparável ao Brasil, ou à Argentina de 1973? Ou trata-se de um Perú e Equador onde o lawfare avança sobre Pedro Castillo e Rafael Correa?  

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É verdade que a decidida intervenção de Lula desde o encontro com Xi-JiPing na China (abril) ao Japão (maio), no G7, tem consolidado uma nova relação mundial de forças. O enfoque dado por Lula contra a hegemonia do dólar, a defesa das relações comerciais entre o Brasil e a Argentina com moedas nacionais, o apelo ao FMI a compreender a situação da Argentina (já dito na última CELAC), a recuperação da UNASUL e o possível ingresso da Argentina no BRICS com apoio brasileiro, são elementos de crise de poder dos EUA e da direita na Argentina. O ministro da economia, Sérgio Massa, iniciará uma viagem à China para acordos financeiros, energéticos e mineiros, acompanhado do deputado Máximo Kirchner, grande opositor dos acordos com o FMI. Haverá tempo para que os efeitos positivos deste mundo multipolar, deem indícios de melhoras no dia a dia dos eleitores antes de outubro-23?  

Cristina Kirchner, frente aos ataques midiáticos contra o estado de saúde de sua filha, não se intimida, nem renuncia, nem vai se dedicar exclusivamente aos netos. Ao contrário, estes estiveram presentes ao seu lado no palanque da Praça de Maio. Este cenário, que serviu a especulações políticas sobre candidaturas presidenciáveis, é também uma mensagem de Cristina de que as crianças, a juventude, os quadros novos, os filhos da geração dizimada, as famílias, as mães e avós, devem intervir e comandar os processos de recuperação da democracia.

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O clamor por Cristina Kirchner se reverte no seu clamor pela militância.

Porque creem que me odeiam, me perseguem e me proscrivem? Porque nunca fui deles, nem vou ser, façam o que façam! Me querem matar, meter presa. Nunca vou ser deles! Eu sou do povo!

Diante dos gritos de “Cristina Presidenta” ou “Mais uma vez”, replicou: “É preciso organização, profundidade setorial nos sindicatos, nas fábricas. Uma pessoa não pode. Deve haver quadros que assumam e executem o programa de governo que a Argentina precisa”.

Há que interpretar a beleza desta épica da militância e do povo peronista, kirchnerista e não kirchnerista com Cristina neste 25 de Maio. Uma inter-relação, um diálogo debaixo da resistência sob chuva. “Gritos sem fim de Cristina Presidenta!”. Não só porque é a única que representa o verdadeiro peronismo e a capacidade de triunfo. É um clamor pela presidência, mas sobretudo pela liderança. É um clamor de rebeldia que põem na ordem do dia romper sem delongas as amarras de uma Justiça que não funciona! E recuperar todos os direitos humanos em risco e a memória histórica. Cristina, demonstra que iniciou já sua campanha pela unidade em torno da Frente de Todos, com um amplo leque além do kirchnerismo, independentes, sindicatos e variados movimentos sociais.

O clamor por Cristina Kirchner se reverte no seu clamor pela militância. Chama à militância que atue. Que os dirigentes e quadros agarrem o bastão de comando. Não há líder, sem povo na rua e vice-versa. "Quero propor-lhes que cada um de vocês, em seu local de estudo, no trabalho, na rua, no ônibus, no metrô ou na bicicleta, diga quem são os verdadeiros responsáveis ​​pela situação que a Argentina vive em termos de endividamento, de falta de dólares, de corridas cambiárias, para que desta vez as pessoas possam decidir com clareza, mas, sobretudo, com informação". Eis aí um ponto programático decisivo; além do econômico, judicial é o informativo. Esclarecer o povo, as medidas econômicas, as dificuldades do governo atual, combater as fakenews, intervir nas rádios, TVs, C5N, e TV Pública. Cristina deu as variáveis decisivas para chegar à vitória.

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