Alfredo Attié avatar

Alfredo Attié

Doutor em Filosofia da USP, Titular da Cadeira San Tiago Dantas e Presidente da Academia Paulista do Direito, autor de Brasil em Tempo Acelerado: Política e Direito

29 artigos

HOME > blog

Crítica a um julgamento em andamento: anotações provisórias

É preciso escutar e criticar com seriedade o andamento e o entendimento de cada um dos que exercem esse poder de julgar

Ministro do STF Luiz Fux 10/09/2025 REUTERS/Adriano Machado (Foto: Adriano Machado/ Reuters)

A velha doutrina jurídica, que ainda compõe a cultura de formação dos juristas, falava em “clamor público”, num sentido indeterminado, aparentemente, mas que visava a criar uma divisão entre “massa” e “elite”. A primeira, agiria por emoção e sem razão e deveria ser coibida. A segunda, deteria a razão do mundo e seu julgamento seria ponderado e respeitável. 

O momento presente é de crítica segura e de superação dessa falsa e preconceituosa distinção. 

Não existe clamor “público”, mas sim a pressão de grupos, organizados, em geral, mas não sempre, na defesa de determinadas soluções impensadas, simples e diretas, a problemas complexos, comumente de punição de pessoas pelo cometimento de atos que, sem a definição legal e sem conclusão de julgamento pelo Poder Judiciário, são considerados vagamente como criminosos. 

Em relação aos atos de ameaça contra o Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de estado, observamos claramente a correção dessa crítica. Há grupos organizados que buscam, atualmente, minar a autoridade da lei e das instituições, sobretudo do Judiciário e de seu órgão de cúpula, o STF. Grupos de que participam, inclusive, governantes e representantes do legislativo e do executivo. Esses grupos estão vinculados ao movimento da extrema-direita internacional, que, hoje ocupa a chefia de Estados, na Sociedade Internacional, assim como, ontem, ocupava no próprio Brasil e aqui se enraizou, em posições estaduais, municipais e federais, nos vários Poderes. 

Esses grupos têm clamado por impunidade dos autores e autoras dos crimes contra a Constituição e contra a democracia. E o fazem de maneira ilícita, prosseguindo o intento golpista, atacando instituições e leis. Gritam para obter absolvição – e interrupção do exercício da função judicial, policial e de demais órgãos de controle e anistia. 

Quanto a outros grupos sociais e políticos, sua luta é resumida na expressão “sem anistia”, que expressa o desejo histórico da sociedade brasileira, no sentido de que não mais se deixe de responsabilizar os tradicionais membros e defensores das oligarquias nacionais – em geral, aliadas de outras internacionais-, pelos golpes que tentaram e, em alguns casos, lograram realizar contra a democracia e sua construção no Brasil. 

Muito bem, cabe ao STF, no julgamento ora em curso, resistir ao clamor ilegal e buscar ouvir aquele que se adapta ao que diz a Constituição, que o STF tem o dever de guardar, com firmeza. Assim, é com bastante satisfação que acompanhamos o julgamento, que visa a preservar a Constituição e as instituições daqueles que buscaram e ainda querem destruí-las – não apenas no sentido material, como se deu em oito de janeiro, nas invasões e depredações (crimes específicos e presentes, como já se decidiu), mas, sobretudo, no sentido imaterial. 

Dois votos exemplares foram seguidos, porém, pelo voto que ora se profere, de lavra do eminente Ministro Luiz Fux, que, a par de ser digno membro de carreira do Poder Judiciário, é também respeitado jurista, na área do direito processual civil. 

Assim como os votos antecedentes e subsequentes, esse voto, como qualquer decisão judicial, submete-se à crítica jurídica, assim científica e doutrinária. 

Assim, é preciso dizer que a competência do STF tem papel de destaque no julgamento desses crimes. Questioná-la significa, do ponto de vista nuclear jurídico, comprometer a lisura e a seriedade de um julgamento que se tem pautado pela obediência estrita aos comandos da Constituição e da Lei. Aqui, também, é se colocar em dúvida a jurisprudência do STF e seu Regimento Interno, que apontam com clareza essa competência, em relação aos atos de réus que exerciam funções públicas quando iniciaram a execução dos crimes pelos quais são julgados. Da mesma forma, a competência da Turma, na forma, igualmente desse Regimento e da jurisprudência desse Tribunal. 

Não apenas isso, não se pode admitir, cientificamente, que se considere a associação criminosa para o cometimento dos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e de golpe de estado, como mero concurso de criminosos para a prática de um só ou alguns atos determinados – tudo mais do que suficientemente provado, diga-se com veemência. 

Ora, qual é objetivo das pessoas que se associam para perpetrar golpe de estado se não o de passar a perpetrar um delito permanente – e insuscetível de prescrição e de perdão – que é o de desconstituir o arcabouço constitucional, passando a reprimir a sociedade e a destruir as instituições, com a realização de diversos crimes indetermináveis, desde logo, porque somente determinados após sua perpetração? Crimes que são contra a Administração Pública, contra o exercício e as garantias dos direitos humanos, de tortura, de prisão, de sequestro, de desaparecimento forçado, de homicídio, contra a humanidade, mesmo de genocídio, em muitos casos – como está posto em Tratados Internacionais e em jurisprudência das Cortes de Direitos Humanos -, crimes que, sabemos, as ditaduras são pródigas em cometer. 

Aguardemos, porém, o desfecho desse digno Voto e do digno Julgamento, pois temos certeza de que tanto um quanto outro vão-se colocar firmemente do lado da Constituição e da Justiça. 

Sim, a independência de cada Juiz e Juíza é um direito e um dever sagrados. 

Mas é preciso estar atento ao movimento de força – contra o poder, portanto contra a política e contra a justiça – que se concretiza, aqui e agora, contra o STF e contra cada um de seus Ministros, levado a cabo por um grupo fortemente organizado, que se dota de mecanismos técnicos, econômicos e armados e se organiza internacionalmente. 

Esse grupo busca aliados não apenas no meio do povo e das empresas, de pessoas desavisadas e descompromissadas com os liames constitucionais internos e da Sociedade Internacional, mas, também, em meio às instituições públicas, seduzindo aliados para o projeto de descrédito constitucional e institucional Essas pessoas acabam por se tornar agentes de um conjunto de ações que visam, não apenas aqui, em tribunais e colegiados legislativos e de governo, mas no ambiente internacional, estabelecer precedentes que possibilitem afastar a responsabilidade de tantos que, no exercício ou não de funções de governo, têm perpetrado, com a pretensão de impunidade, crimes contra os direitos humanos, contra a humanidade e de genocídio. Veja-se, por exemplo, o que se faz contra o nosso STF e contra o Tribunal Penal Internacional, veja-se o que ocorreu em outros Países, em que crimes semelhantes foram buscados e mesmo obtidos, com a instauração de regimes de extrema-direita, recheados de atos ditatoriais, disfarçados ou não. 

Toda divergência judicial é importante e corresponde a um ato de coerência e de coragem, legitimado em regimes democráticos, para o bem da justiça. Entretanto não se furta nenhum deles à crítica jurídica, sobretudo quando encaminha ao comprometimento das estruturas do próprio Estado Democrático de Direito, tão atacado, hoje, por esse movimento de forcas, de pretensão totalitária, dando pretexto– claro que involuntariamente - a palavras irresponsáveis daquelas pessoas descompromissadas ou seduzidas por esses grupos de força. 

É preciso escutar e criticar com seriedade o andamento e o entendimento de cada um dos que exercem esse poder de julgar, tão terrível, dizia Montesquieu, entre os seres humanos.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados