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Marlon Marques

Mestre em História Social Pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Membro do Laboratório de Economia e História (Lehi) e do Núcleo de Estudos sobre Capitalismo, Poder e Lutas Sociais (Necap)

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Crônica de um extermínio anunciado

Futuro ministro da educação de Bolsonaro, o General Aléssio Ribeiro Souto não tem nenhum apego pelo conhecimento, pela cultura e a informação. Querem que nos tornemos massa de produção, parte da engenharia capitalista que massacra e mata formas de vida e de existência

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Há quase seis anos me dedico ao ofício de pensar, aprender e pesquisar a história. Esse sonho começou ainda na infância, quando através do incentivo de minha mãe comecei a ler os primeiros livros. Aprendi que as páginas eram portais que nos carregavam para mundos muito distintos e distantes. Eram histórias de faraós, mitos gregos, fábulas indígenas, feitos de impérios e imperadores. Inconvenientemente para um menino que brincava em rua sem asfalto e chão de terra vermelha, minhas primeiras referências históricas foram a dos grandes homens e a dos grandes feitos. 
 
Só no ensino fundamental comecei a perceber que pessoas como eu  e aqueles que me cercavam também faziam e participavam da história. O momento mais esperado por mim no banco escolar passou a ser aquele que um professor com cabelos amarelos entrava na sala e discorria com figuras, músicas e objetos sobre as resistências escravas no período colonial e imperial,  sobre as revoltas do Norte no século XIX, as lutas do povo no século XX por democracia e direitos.
 
Era o único momento que eu conseguia prestar atenção, milimetricamente acompanhava parte a parte os argumentos, me deliciava com a história e com seus desdobramentos improváveis. Fui um desastre completo em boa parte das disciplinas escolares, mas descobri que a história era a minha vocação. Depois de formado no ensino médio fiz de tudo para negar esse caminho. Já enxergava a desvalorização social, profissional e salarial dos docentes. Ninguém quer assumir o lugar de pária social.
 
Entrei na disputa com as máquinas, coloquei na cabeça que era melhor seguir as trilhas de meu pai. Aos 18 anos vesti a roupa e o capacete dos operários da fábrica.Não me enquadrei. No armário empoeirado de ferramentas e roupas sempre havia um livro qualquer de história, uma apostila do Cederj, questões e exercícios que eu marcava a esmo na esperança de decorar alguma coisa para o vestibular. 
 
Minhas notas eram horríveis no primeiro Exame Nacional do Ensino Médio que fiz, com exceção das provas de ciências sociais e redação. Ainda assim na minha segunda avaliação consegui ser aprovado no ProUni e sentar pela primeira vez no banco universitário. Não era suficiente eu queria ter aula com os melhores, ver e ouvir as pessoas que lia nos livros. Minha irmã já estava na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e era aquela imagem de excelência que passou a ser meu sonho imediato.
 
Incrivelmente consegui a vaga em 2013. No primeiro período fui chamado de analfabeto. Cinco anos depois me formei como um dos melhores da minha turma, aprovado no mestrado com financiamento para a pesquisa. A docência veio tão avassaladora quanto a atividade de pesquisa. Durante quase toda graduação fui bolsista de iniciação a docência em um colégio na periferia de Seropédica. Senti as dores e as delícias do cotidiano da sala de aula. Passei a acreditar que o quadro, o giz e os livros podem mudar rumos, vidas e transformar a história. 
 
Porém todo historiador aprende que nossas vidas e histórias são datadas no tempo e no espaço. Tive a sorte de viver a maior expansão universitária de todos os tempos no Brasil. Sou fruto da oportunidade e da consolidação dos direitos e da democracia. 
 
Tudo isso parece desaguar nesse  momento com a eminente vitória do fascismo tropical. O próprio voto popular desinformado e recheado de fake news e moralismo religioso ameaça aprovar uma agenda anti povo e principalmente anti pobre. Um candidato a presidência da república a luz do dia proclama o fim da liberdade de cátedra, do ensino universal e gratuito, das pesquisas e investimentos em ciências humanas e sociais. 
 
Seu futuro ministro da educação o General Aléssio Ribeiro Souto não tem nenhum apego pelo conhecimento, pela cultura e a informação. Querem que nos tornemos massa de produção, parte da engenharia capitalista que massacra e mata formas de vida e de existência. Será o fim de trajetórias como a minha e a de muitos colegas. O encerramento de carreiras inteiras dedicadas à produção e à docência do conhecimento histórico. O extermínio do pensamento crítico das ilusões e sonhos de milhões de crianças, jovens e adultos. Um desastre anunciando. 
 
A todos os que se dedicam a resistência docente minhas condolências.

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