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Juarez Cirino dos Santos

Advogado criminal, professor de Direito Penal e Criminologia da UFPR e autor de vários livros

5 artigos

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Crônica de uma condenação anunciada – ou por que um juiz deveria calar?

Mais do que falar sobre processos em julgamento, Sérgio Moro teria prejulgado a causa, com lesão da imparcialidade do Juiz

Mais do que falar sobre processos em julgamento, Sérgio Moro teria prejulgado a causa, com lesão da imparcialidade do Juiz (Foto: Juarez Cirino dos Santos)
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Em artigo sobre a operação Lava Jato (Estadão, 29/03), os juízes federais Sérgio Moro e Antônio Bochenek surpreenderam o País com a informação de provas sobre um esquema criminoso gigantesco, que seria o maior escândalo criminal do Brasil, embora pendente de exame definitivo.

1. A surpresa não é causada pela informação, mas pelos autores dela: Moro é o Juiz Federal dos fatos da Lava Jato; Bochenek é o presidente da Associação dos Juízes Federais. E a lei proíbe ao magistrado manifestar opinião sobre processos pendentes de julgamento, por qualquer meio de comunicação (art. 35, III da LOMAN). Ao falar das provas de um esquema criminoso gigantesco o Juiz Moro teria manifestado opinião sobre a natureza criminosa de informações em processos criminais submetidos ao seu julgamento. O Juiz Bochenek teria manifestado igual opinião sobre os mesmos processos.

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É verdade, o artigo não cita nomes e as provas dependeriam de confirmação judicial. Mas esses detalhes não desfazem o ilícito administrativo: é sobre processos pendentes de julgamento ou sobre fatos do processo que os juízes não podem manifestar opinião. Agora, surge a questão: ou os autores do artigo seriam responsabilizados pela infração, ou todos os juízes estariam autorizados a manifestar opinião sobre processos pendentes de julgamento, pelos meios de comunicação de massa.

2. Mas Sérgio Moro, o mais popular magistrado do Brasil, teria causado surpresa maior: mais do que falar sobre processos em julgamento, o magistrado teria prejulgado a causa, com lesão da imparcialidade do Juiz. A semântica e a sintaxe do artigo exprimiriam a convicção pessoal do juiz da causa sobre a natureza criminosa dos fatos pendentes de julgamento nos processos da Lava Jato. Essa convicção apareceria até em forma de ato falho do artigo, que suprime ressalvas sobre empresas envolvidas no esquema criminoso – que muda de suposto para real. E atos falhos seriam, em Psicanálise, confiáveis mecanismos de revelação das emoções inconscientes do ser humano.

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Cabe perguntar: depois de falar em provas de um esquema criminoso gigantesco, que seria o maior do Brasil, o Juiz Moro poderia reconhecer, na sentença futura, que o esquema não seria criminoso, ou que não teria descoberto nenhum escândalo criminal? Se parece improvável, então o Juiz Moro teria prejulgado a causa, com lesão da imparcialidade judicial, pressuposto de validade do processo, oferecida pelos portadores do poder jurisdicional para os destinatários da jurisdição. Logo, apesar do saber jurídico e de qualidades morais inegáveis, o Juiz Moro ter-se-ia tornado suspeito para julgar a operação Lava Jato e, portanto, deveria ser afastado da causa – ou teríamos uma condenação anunciada, independente da reprovação pública dos fatos imputados, que merecem todo repúdio.

3. Os autores do artigo também opinam – agora, o futuro do pretérito é desnecessário – sobre questões que parecem não conhecer: apresentam explicações da criminalidade e propõem políticas criminais. Assim, sob a premissa de que crimes de corrupção existem por causa da ineficiência da justiça, propõem a eficácia imediata da sentença condenatória em casos de crimes graves, com prisão dos condenados independente de recurso para os Tribunais. E concluem com alternativa apocalíptica: ou mudamos para um sistema penal eficiente ou afundamos em esquemas criminosos.

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A relação entre crimes de corrupção e ineficiência da justiça é ingênua: a experiência mostra que a criminalidade independe da efetividade do sistema penal, que em vez de corrigir condenados introduz pessoas em carreiras criminosas. Prova disso: no Brasil, os condenados criminais cresceram de 90 mil (em 1990) para 716 mil (em 2015) – multiplicou por 7 em 25 anos, taxa superior à dos EUA, que multiplicou por 5 em 30 anos. O Brasil é o país que mais pune no mundo – e os ideólogos da repressão falam de impunidade, como se penas criminais pudessem resolver problemas sociais.

A proposta de eficácia imediata da sentença condenatória é simplista, porque ignora as determinações estruturais e institucionais da criminalidade, que a repressão imediata não altera: ao nível da estrutura econômica, o capital produz desigualdade e violência social; ao nível das instituições do Estado, o poder produz acesso à riqueza e corrupção. Por outro lado, a proposta de eficiência e de efetividade do sistema penal não é invenção original dos autores do artigo: é a marca registrada da criminologia etiológica e das políticas criminais repressivas, com uma história secular de proposição renovada e de fracasso reiterado. Os magistrados referidos conhecem a metodologia jurídica de aplicação da lei penal, mas parecem carecer de informação científica em Criminologia e Política Criminal.

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Em conclusão, a crítica do artigo segue critérios jurídicos e científicos estritos, como consciente tomada de posição contra o apelo emocional da comunicação midiática do grande capital, que promove sentimentos inconscientes de vingança em segmentos sociais excluídos do consumo, sem qualquer efeito político-criminal de prevenção da criminalidade, mas de claro significado para reconquista autoritária do poder político do Estado.

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