Fábio Leal avatar

Fábio Leal

Doutor em Letras, desenvolve trabalho de pesquisa sobre a obra do escritor mineiro João Guimarães Rosa. Atua há oito anos como professor do ensino superior

7 artigos

HOME > blog

Crônicas da pobreza urbana: história n. 2

Crônicas da pobreza urbana: história n. 2 (Foto: Pixabay)

Ele era um rapaz raquítico, muito magro, muito pequeno, vesgo. Os trabalhadores o haviam apelidado de “ET”, em referência ao personagem de TV que se submetia a um papel degradante para compor uma dupla humorística de gosto muito duvidoso. O rapaz parecia não ligar, deixava que os demais se divertissem às suas custas. 

Pela manhã ele havia me procurado: tinha pedido autorização para tomar um banho no vestiário ao fim do expediente, o que eu autorizei prontamente. Logo entendi também o que justificava a preocupação do rapaz em me fazer um pedido tão simples: ele era um funcionário terceirizado e, por isso, não gozava dos mesmos direitos dos demais. Nem dos mesmos direitos, nem do mesmo prestígio: os terceirizados se sujeitavam às condições mais precárias e eram vistos, não raro, com muito desdém, mesmo pelos colegas mais simples, contratados via CLT.

Eu havia ficado comovido com o pedido do rapaz. Desejei que o banho que ele tomaria ao fim do expediente fosse, pelo menos, um banho bom. Imaginei que ele não tivesse um sabonete (fiquei me perguntando se ele disporia de roupas limpas para vestir depois do banho: mais tarde eu teria a resposta). Em meu horário de almoço, fui ao mercado que ficava próximo da empresa e comprei um sabonete. Voltei, entreguei para ele. Ele – é claro! – disse que “não precisava”.

***

Ocorreu que, ao final da tarde, quis o destino que eu entrasse no banheiro justo na hora em que o rapaz foi tomar o banho que havia me pedido pela manhã e eu o ouvi dizer então aquela frase estranha:

“De chuveiro também é bom!”

Ele parecia feliz por poder tomar o seu banho (estava sempre sorrindo!), parecia grato. Segurava o sabonete que eu havia lhe dado, entrou para o chuveiro e expressava sua satisfação por poder tomar aquele banho após o expediente de trabalho. Entre uma exaltação e outra do prazer de se banhar, ele disse que “de chuveiro também é bom!”.

Eu fiquei sem entender (ou eu entendi tudo, desde o início?), mas também me faltava coragem para perguntar. Fui surpreendido pelo rapaz que já deixava o chuveiro, interrompendo o seu banho de pouco segundos.

“Você disse que de chuveiro ‘também’ é bom?” – arrisquei.

“É que lá em casa só tem torneira” – respondeu o rapazinho -, “de torneira é bom... de chuveiro é melhor, mas de torneira também é bom”.

Eu não sabia o que dizer. Tentei sorrir. Assisti ao rapaz vestir novamente a roupa com a qual trabalhara, carregando caixas, durante um dia inteiro e sair feliz do vestiário por haver podido tomar o seu banho.  

***

Hipógrafe:

Boa parte das pessoas que eu conheço que abrem seus votos para bolsonaro nunca ganharam salário-mínimo.

Muitos deles sequer tiveram que trabalhar ao lado de pessoas que ganham salários-mínimos e moram em periferias, não raro em condições de grande vulnerabilidade.

Muitos deles nunca tiveram um chefe... (há até quem não tenha carteira de trabalho...).

A maioria nunca experimentou o medo de não saber se teria dinheiro no fim do mês para pagar o aluguel, nunca precisou ter medo de ser despejado (se ficar sem dinheiro para pagar o aluguel da minha casa, eu sou excluído do grupo dos “cidadãos de bem”?).

Eu nunca suportei a ganância, a botina do capital no pescoço de quem nasceu sem nada. Por isso eu luto pela eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.