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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva: economista, pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY), com Mestrado na PUC-SP, e doutor em História Econômica pela USP

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Cubanos e brasileiros emigrados, por que tanto ódio?

No exílio, cubanos e brasileiros reforçam o ressentimento como forma de preservar prestígio e superioridade simbólica

Bandeira de Cuba (Foto: Reuters/Gary Cameron)

Em comunidades emigradas, a relação com a pátria de origem revela dinâmicas surpreendentemente complexas. Tanto a colônia cubana estabelecida nos Estados Unidos quanto a colônia brasileira, mais recente, compartilham o traço marcante de desejar ver punido o país deixado para trás. Contudo, os motivos que alimentam esse ressentimento são distintos, e entendê-los ajuda a explicar a forma como essas comunidades estruturam sua identidade no exílio.

No caso cubano, a emigração em massa após a Revolução de 1959 envolveu a perda de posições de poder de uma elite social e econômica diretamente beneficiada pelo sistema pré-revolucionário, que operava sob forte influência norte-americana. Produtores de açúcar, empresários do entretenimento e associados à máfia viam a Revolução não apenas como uma mudança política, mas como a eliminação de seu espaço de prestígio e riqueza. Ao se estabelecer em Miami, essas pessoas criaram uma Cuba paralela, congelada no tempo, cujo modelo idealizado permanecia anterior a 1959. O apoio ao bloqueio econômico e a políticas punitivas contra Havana não se limita a uma condenação política; é, sobretudo, uma tentativa de restaurar simbolicamente a ordem perdida, reafirmando o poder que tinham e o papel de protagonistas que desempenhavam na antiga sociedade.

A diáspora brasileira, embora mais recente, apresenta dinâmicas que ressoam de maneira semelhante, ainda que com motivações diferentes. Os emigrados não perderam propriedades nem foram expropriados; sua saída resulta principalmente da combinação entre a falta de perspectivas, a influência cultural e religiosa dos Estados Unidos e o prestígio simbólico associado ao green card. Nesse contexto, o documento funciona como um sinal de ascensão social, mesmo quando o trabalho do emigrado nos EUA é de menor especialização e socialmente desprezado. A comparação mais relevante não é com os norte-americanos, mas com os conterrâneos que permaneceram no Brasil. Ao conseguir o green card, o emigrado já se percebe elevado na hierarquia social, internalizando o modelo de opressor sugerido por Paulo Freire: o sonho do oprimido realizado é ocupar a posição de quem domina, ainda que simbolicamente.

Em ambos os casos, a hostilidade em relação ao país de origem cumpre uma função estratégica: sustenta a identidade comunitária e legitima a ascensão percebida. O ressentimento, alimentado por uma visão congelada da pátria deixada para trás, mantém o emigrado em posição de superioridade relativa. No caso brasileiro, qualquer avanço social ou econômico do país de origem, promovido por administrações de esquerda ou políticas públicas efetivas, representa uma ameaça a essa narrativa. Se o Brasil se desenvolve, a simbologia inerente à dominação conquistada pelo green card perde peso, pois a distância relativa em termos de status social se reduz. A insistência em criticar e pedir punições ao país serve, portanto, como um mecanismo de preservação do próprio prestígio.

A semelhança entre cubanos e brasileiros, nesse ponto, é impressionante. Apesar das diferenças de contexto e motivação, ambos mantêm a imagem de um país do qual se distanciam, punindo-o politicamente não apenas como expressão de ressentimento, mas como instrumento para consolidar a própria posição no exílio. O bloqueio econômico de Cuba e a retórica punitiva de alguns emigrados brasileiros funcionam, assim, como símbolos de triunfo pessoal: quanto pior vai o país de origem, mais se afirma o status de quem conseguiu escapar da opressão, seja ela histórica, social ou econômica.

O fenômeno revela, de maneira contundente, que a diáspora não apenas migra fisicamente, mas também transporta e cristaliza relações de poder e ressentimento. O exílio torna-se, paradoxalmente, o espaço onde se realiza o sonho de transposição de condição social, sustentado pela manutenção do país de origem como referência de fracasso, incapaz de oferecer alternativas comparáveis. Em última análise, punir simbolicamente a pátria é, para essas comunidades, mais do que uma atitude política: é a garantia de que a própria narrativa de ascensão e superioridade continuará intacta.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.