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Adilson Roberto Gonçalves

Pesquisador científico em Campinas-SP

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Cultivo da democracia

Das marchas populares ao embate no Congresso, a democracia brasileira segue sob ameaça apesar de vitórias recentes

Congresso Nacional - 16/09/2024 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

A semana anterior foi da vergonha com o parlamento ao orgulho das marchas democráticas pelas ruas do país. Os expoentes de nossa música e líderes políticos entenderam que o resgate de nossa autonomia e democracia se dá pelo embate corpo a corpo, não apenas nas redes sociais. Até deu vontade de usar a camisa da seleção brasileira de novo.

Porém, mesmo com lufadas de ares democráticos e defesas constitucionais, representadas pelas manifestações nas ruas, o enterro da PEC da impunidade, a transformação do projeto de anistia em, no máximo, uma modificação na dosimetria das penas, a quase certa cassação do deputado quinta-coluna Eduardo Bolsonaro e o bom discurso de Lula na ONU, seguido por um sinal de aproximação por parte de Donald Trump, ainda assim, o ovo da serpente do retrocesso e do golpe continua a ser gestado, com outros protagonistas. Democracia, tal como o amor, precisa ser cuidada diuturnamente.

Os embates supostamente democráticos entre Câmara e Senado continuarão, uma vez que uma insiste na anistia e o outro quer aprovar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês. Lembremos que a defesa da punição dos golpistas é inegociável, pois precisamos, pela primeira vez em nossa História, resolver a questão dos que atentam contra nossa democracia e não jogar uma pedra em cima para o mal voltar daqui a alguns anos. O julgamento pela turma já é matéria pacificada no STF, não foi levado ao plenário, e as penas aplicadas foram justas. A pena máxima de reclusão no Brasil é de 40 anos, e Bolsonaro recebeu cerca de 2/3 dela. Há outros crimes que ainda deveriam ser julgados – omissão e desvios na pandemia, por exemplo – que aumentarão a pena total. No caso de tentativa de golpe de Estado, não poderia haver remição de pena para esse caso em particular, da mesma forma que não deveria ser aplicada para os crimes hediondos.

No domingo das manifestações, como contraponto à euforia por elas causada, vimos um vergonhoso – para além de tendencioso e antidemocrático – Estadão apresentar uma reportagem de capa enaltecendo Tarcísio de Freitas, que seria bem avaliado fora do estado de São Paulo, mas revelando, nas entrelinhas, que se trata de pesquisa do início do ano, antes de o governador explicitar seu extremismo de direita. Associada à entrevista do cientista político Bolívar Lamounier na mesma edição, que estranhamente prega que tanto Jair Bolsonaro (inelegível e condenado) quanto Lula (sem qualquer obstáculo e líder nas pesquisas eleitorais) não devam mais ser candidatos, o jornal força uma justa posição conservadora, como já o fizera antes, mas distorcendo fatos e transformando alquimicamente Tarcísio em candidato moderado.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.