CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
blog

Cultura Machista no Brasil: a fragilidade de segurança à mulher em contextos misóginos

As lutas das mulheres, das feministas, são necessárias. Pois não se pode apenas esperar, aguardar a superação da nossa incapacidade, ou da nossa má vontade. A condição de um estado cultural não muda assim tão rapidamente

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

A violência contra a mulher é algo secular e impregnado na história do Brasil. Apenas após muitas décadas de lutas e reivindicações, passou-se a ter agendas políticas específicas em sua defesa. Durante todo o período colonial, imperial e, significativa parte do período republicano, não houve uma única lei específica de proteção de gênero. Aliás, a agressão não vinha somente da sociedade. Veio também do Estado. Por exemplo, o Brasil demorou muito a reconhecer o direito da mulher em votar e ser votada, o que apenas foi realizado em 1933. Certamente esse atraso do Estado brasileiro, em reconhecer os direitos políticos das mulheres ao sufrágio universal, estimulou o fomento da crença coletiva de que as brigas entre casal seja algo do qual as pessoas não devem interferir, sob pena de estar afligindo suas intimidades.

Mesmo com a criação das agendas específicas em defesa da mulher, não foi de uma hora para outra que os efeitos do debate político se converteram em normatividade e, segurança efetiva, se é que se pode falar em “segurança efetiva”, dado o estado das coisas. O melhor exemplo é a senhora Maria da Penha. Maria realizou vários boletins de ocorrência contra o ex-marido, que a espancava, deixando o Estado informado do risco que sofria enquanto cidadã, mulher e ser humana. E mesmo assim, em novo ato de violência do ex-companheiro, a Senhora Maria acabou paraplégica. Corajosamente, Maria tomou uma decisão. Ciente da indiferença do Estado sob a sua situação, ciente da incapacidade da justiça em lhe garantir proteção e, sobretudo, ciente do costume da sociedade brasileira em acreditar que em ‘briga de marido e mulher ninguém mete a colher’, tomou a decisão de ir até Washington, onde fica a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e processou o Estado Brasileiro.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Comissão Interamericana de Direitos Humanos
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é uma das duas entidades que integram o sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, junto a Corte Internacional de Direitos Humanos, tendo sua sede em Washington.  Imagem do site da instituição.

O ato da Senhora Maria foi simbólico. Por consequência da sua decisão, o Brasil teve que tomar medidas político-jurídicas internas para não sofrer sanções internacionais. Dentre as medidas adotadas, a principal foi criar a Lei Maria da Penha, que visa proteger a mulher contra a violência doméstica. Uma conquista histórica! Afinal, o conteúdo normativo dessa lei era uma reivindicação histórica inevitável de parte da sociedade. Com luta, essa reivindicação se transformou em agenda política. E não sem luta, converteu-se em Lei. A Lei existe, é para ser aplicada e respeitada. Ela prevê punições aos infratores. O caso da senhora Maria ilustra, muito bem, o estado das coisas que se passa no sistema político, jurídico e cultural em nosso país. Ironicamente, ela precisou ir fora do Brasil para que as instituições brasileiras lhe dessem atenção e proteção. E mesmo com a Lei em voga, a realidade não mudou muito muito. Insiste a insensibilidade jurídica, dificuldades política e,  frieza cultural em lidar com a iminência dos riscos de abuso para com a mulher. Nós não garantimos a eficiência plena da sua segurança. Em muitos casos, se sabe do risco, mas permanece a indiferença diante da iminência do ataque. Responsáveis dessa insensibilidade são o Estado brasileiro e, todos nós, a sociedade. Sobretudo nós, homens, sexo masculino, pois é sabido que muitos dentre nós, legam-se a indiferença e omissão, e colaboram com o crime. Isso aconteceu com o caso da menina estuprada por mais de 30 homens no Rio de Janeiro. Nenhum se apresentou para ser herói. Para piorar, compartilharam um vídeo (ainda gravaram um vídeo, absurdo!) nas redes sociais e, novamente, mais homens, caminhando na linha da indiferença, alargaram o crime, uma vez que escolheram compartilhar da violência contra a solitária garota.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Mas aqui as guerreiras feministas me corrigiram: “não é só ela: nós somos muitas”. Estão certas. São muitas e, devem ser cada vez mais, em quantidade e qualidade. Afinal, mesmo no século XXI, ainda temos dificuldades em perceber e reconhecer a equivalência das condições de equidade e isonomia entre o homem e a mulher. Temos incapacidade, ou má vontade (essa é minha principal suspeita), para admitir a fragilidade da segurança que a mulher encontra em todos os contextos sociais, sobretudo aqueles onde o Estado está ausente. Temos dificuldade, ou má vontade repito, para acreditar que a cultura do machismo banaliza violências mínimas (o “psiu” na rua), violências intermediárias (resistir ao fim do namoro) e violências máximas (estupro, sequestro, assassinato) todos os dias contra elas. Nisso, uma observação óbvia: homem machista não quer empoderamento feminino.

imagem dos estupradores do rj
Duas supostas imagens atribuídas ao grupo de trinta homens que estuprou uma mulher no Rio de Janeiro. Reprodução.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Apesar de Michel Temer e seus ministérios machistas, de maneira geral, estamos num momento histórico onde existem conquistas político-jurídicas que visam proteger a mulher contra a violência doméstica. E ao mesmo tempo, os desafios não cessam. Infelizmente, tais conquistas não se transformaram em hábito cultural. Não ocupa lugar na consciência coletiva da sociedade brasileira. Não tem intimidado os agressores. Infelizmente, são recorrentes as notícias dos atos graves de agressão física, psicológica, emocional e sexual contra a mulher. E se estende para outros campos. Relembremos: é esse gênero que realiza as jornadas de trabalho mais extensas (casa, empresa, escola, faculdade; recordo a minha mãe) e ganhando menos. Quando se é negra, ou está grávida, ainda sofre preconceito pela condição. A sensualização machista do corpo feminino, utilizada pela mídia e pelas empresas, é outro vértice dessa agressão cultural, que coisifica a imagem da mulher.  O fato é, estamos em um dilema. Se a ausência do hábito do respeito, bem como a falta do estímulo para tal hábito, para com a mulher continuar a permanecer, tanto a insensibilidade jurídica, quanto a indiferença social, irão incentivar novas afrontas aos seus corpos e, sobretudo, novas ignomínias as suas dignidades. E esse efeito se retroalimentará, porque incentivará mais indiferença e desrespeito, culminando em novas agressões. E assim se perpetra a Cultura Machista no Brasil e, se potencializa a Fragilidade de Segurança à Mulher em Contextos Misóginos.

 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

MariaDaPenha
A farmacêutica Maria da Penha, que da nome a Lei contra a violência doméstica. Wikipedia.

Uma maneira de reverter esse processo é através da educação voltada para a transformação da mentalidade da sociedade brasileira. É essa mentalidade renovada que evitará as formas de brutalidade que ora vemos. Como esse é um processo de médio a longo prazo, o mais importante, por agora, é permanecer na luta para a manutenção dos direitos políticos e jurídicos conquistados; permanecer na luta para que as delegacias recebam as denúncias; permanecer na luta para que os agressores sejam punidos e presos; permanecer na luta para uma maior amplificação das ações das mulheres em todas as áreas da vida pública do país. Apenas assim, permanecendo na luta, o equilíbrio de forças estará garantido e, seus direitos guarnecidos. Tais lutas são necessárias. Pois, dado o estado das coisas na justiça, no Estado, na política e, sobretudo, na cultura (machista!) no Brasil, não é prudente esperar um imediato esclarecimento, não se pode aguardar imediato respeito, de nós outros, acerca da equivalência das condições equitativas e isonômicas entre homem e mulher.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

feminismo
O feminismo é um movimento filosófico, político, social que tem por objetivo lutar pelo reconhecimento, manutenção e aplicação dos seus direitos, que são equânimes, e com isso, realizar uma convivência mais justa junto aos homens. O movimento atua tendo por meta o empoderamento político, jurídico, artístico, empresarial, científico, acadêmico e social das mulheres. A justificativa filosófica, que serve de base para o direito das mulheres em terem direitos, está na dignidade intrínseca da pessoa humana. Imagem: reprodução.

As lutas das mulheres, das feministas, são necessárias. Pois não se pode apenas esperar, aguardar a superação da nossa incapacidade, ou da nossa má vontade. A condição de um estado cultural não muda assim tão rapidamente. Mas deve mudar! E as meninas e as mulheres sabem e, sentem, no sentimento intra-pessoal e, no golpe no corpo, a necessidade da transformação. Elas não precisam trabalhar suas consciências. Já sabem o que é melhor para elas. Quem deve esclarecer suas consciências somos nós, homens e sociedade. Em primeiro lugar, admitamos a fragilidade da segurança que a mulher se encontra, principalmente nos contextos sociais onde o Estado está ausente e, ao mesmo tempo, onde a cultura machista e misógina está presente. Em seguida, vamos exercitar equidade e alteridade nessa cultura machista. Quem tem orgulho e admiração por um país onde trinta homens estupram uma só mulher por motivos tão ignóbeis? O Brasil precisa, urgentemente, não apenas de reformas políticas, econômicas e previdenciárias. Precisamos também de uma reforma na consciência coletiva. Para isso, as lutas sociais, a luta política e, a luta por mais direito são importantes e indispensáveis. E o gênero protagonista nessa história, creio que em todos os sentidos, é o feminino. Não deixem de lutar, mulheres. E reconheçamos o que somos nessa história, homens.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247,apoie por Pix,inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO