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Sara Goes

Sara Goes é jornalista e âncora da TV 247 e TV Atitude Popular. Nordestina antes de brasileira, mãe e militante, escreve ensaios que misturam experiência íntima e crítica social, sempre com atenção às formas de captura emocional e guerra informacional. Atua também em projetos de comunicação popular, soberania digital e formação política. Editora do site codigoaberto.net

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Daniel Pearl: o Policarpo Quaresma da mídia livre

"A razão tinha de ser encontrada numa disposição particular de seu espírito, no forte sentimento que guiava sua vida" Lima Barreto

Daniel Pearl (à direita de Lula) (Foto: Reprodução/Redes Sociais )

Como Policarpo Quaresma, personagem imortalizado por Lima Barreto, Daniel carregava consigo uma devoção inabalável a um ideal. Para ele, a mídia livre não era apenas um espaço de comunicação, mas uma trincheira de resistência. Sua militância ia além das palavras; era ação, era enfrentamento, era compromisso com uma causa maior.

Nunca lhe faltou coragem para dizer o que precisava ser dito, mesmo quando isso significava caminhar sozinho. Defendia com veemência o PT raiz e nunca aceitou que sua essência fosse diluída por alianças oportunistas. No Ceará, onde o pragmatismo político muitas vezes eclipsou os princípios, Daniel foi uma voz firme e constante, sempre disposto a desafiar acomodações e confrontar aqueles que tentavam descaracterizar o partido que ele ajudou a fortalecer.

Se, hoje, existe um ecossistema de mídia alternativa que resiste às investidas da grande imprensa e da extrema direita, muito disso se deve a Daniel. Ele esteve na linha de frente desse movimento, abrindo espaço para vozes que, sem sua insistência e articulação, talvez nunca tivessem sido ouvidas. Sua dedicação inquebrantável foi um alicerce para plataformas que, anos depois, se tornaram referência na comunicação progressista. O próprio Brasil 247, assim como tantos outros veículos da mídia independente, tem uma dívida incontornável com ele. Daniel apostou na força da comunicação popular quando poucos acreditavam nela, ajudou a pavimentar o caminho que hoje permite que a esquerda tenha um espaço de fala próprio e contribuiu para que a luta pela democracia não ficasse refém das narrativas tradicionais.

Para mim, Daniel foi mais que um companheiro de trincheira. Foi um amigo nos momentos mais difíceis, alguém que compreendia o peso de nadar contra a corrente. Houve dias em que pensei em desistir do jornalismo, sentindo que meu sotaque, minhas confidências, meu texto banal estavam fora de lugar. E, nessas horas, vinham seus longos telefonemas – cheios de histórias, conselhos e, acima de tudo, incentivo. Ele sabia, melhor do que ninguém, o que era se sentir assim. Mas, com a mesma força com que batalhava por suas convicções, me lembrava da importância de seguir adiante.

Daniel partiu, mas sua voz não se cala. Seu legado permanece em cada jornalista que ele incentivou, em cada espaço que ajudou a construir, em cada militante que se recusa a negociar princípios. Como Quaresma, talvez tenha sido incompreendido por muitos, mas foi, sem dúvida, um homem à frente do seu tempo. E é por isso que seu nome seguirá vivo onde houver luta por justiça e verdade.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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