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Laís Gouveia

Mineira, jornalista e ativista da mídia livre

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De Florestan Fernandes a Zeca Pagodinho: os russos manjam muito bem do Brasil!

"Biblioteca Estatal para Literatura Estrangeira Margarita Rudomino" relata nossa história com muita generosidade e malemolência

Itens da cultura brasileira na Biblioteca Estatal para Literatura Estrangeira, em Moscou. (Foto: Laís Gouveia)

Parte do programa "InterRússia", em Moscou, é fazer uma imersão cultural no país e pude constatar o carinho que esse povo sente pelo Brasil. E percebemos isso em pequenas delicadezas.

Durante a semana, o grupo composto por dez jornalistas de várias partes da América Latina visitou a “Biblioteca Estatal para Literatura Estrangeira Margarita Rudomino” e por lá existem muitos registros históricos impressionantes: um andar inteiro relatando como o antifascismo foi derrotado na Europa, livros raríssimos, como uma das primeiras bíblias que se tem registro na história, contemporânea a Gutenberg e sua famosa prensa, além de verdadeiras joias, como, por exemplo, um diário pertencente a um alto membro das forças nazistas que foi assassinado ao se rebelar contra Hitler e seus horrores, em 1941. 

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Propaganda antifa encontrada da bibioteca

No local existem mais de 4 milhões de itens e mais de 150 línguas representadas em seções especializadas em literatura, linguística, história, filosofia, arte, música, teatro e ciências sociais. Coleções de periódicos estrangeiros, jornais e revistas históricas.

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Uma das primeiras bíblias feitas mundo, logo após a prensa de Gutenberg ser lançada

O Brics também tem seu lugar especial. Uma sala de reuniões com todas as bandeiras que compõem o grupo. Ali são realizados fóruns internacionais com temas relacionados ao bloco. 

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No entanto, uma sessão em especial ganhou o coração da brasileira aqui: entre tantos estandes destacando os países e as contribuições de seus escritores para o mundo, a do nosso simplesmente não era apenas uma prateleira, era um acontecimento. Toda decorada com bandeirinhas e com imagens que fazem referência à independência do Brasil. Nos livros em destaque, que retratam nossa complexa formação, lá estava um nome que me deixou genuinamente feliz: Florestan Fernandes e seu clássico A Revolução Burguesa no Brasil.

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Mas o grande destaque da nossa terra não fica somente no campo intelectual: por ali encontramos livros que relatam a história de Zeca Pagodinho, Pelé, aquele “molho” que faz o Brasil ser um lugar tão único e amado no exterior. 

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Miguel Palacio, diretor da Biblioteca, explicou que o Brasil é um grande parceiro da Rússia por conta dos Brics, mas que nossa cultura, tão distante, sempre habitou o imaginário russo. Contou ainda mais: “A Janja veio aqui há uns três anos. Não existia nenhum convite formal, mas ficou muito interessada em nossa biblioteca e pediu uma visita, que foi prontamente atendida. Aqui ela ficou por três horas, encantada com nossas obras, nosso acervo e principalmente com o que temos de Brasil aqui. Uma pessoa encantadora e muito culta, sem dúvidas o Brasil está muito bem representado com a Janja”.

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O relato de Palacio é extremamente interessante, principalmente em um país que possui uma imprensa hegemônica que retrata de forma mentirosa uma primeira-dama deslumbrada e sedenta por novas gafes. Interessante que os relatos internacionais são bem diferentes.

E para finalizar a visita, uma nobre surpresa: no pátio da biblioteca, entre tantos bustos de figuras históricas que tiveram contribuições gigantescas para o mundo, lá estava o nosso querido e tão admirado Machado de Assis, ao lado de personalidades como Gandhi, Simón Bolívar, Gabriel García Márquez, entre outras dezenas de gênios.

As mulheres soviéticas!

E antes de acabar este artigo, vale um destaque imenso para Margarita Rudomino (1900-1973), uma bibliotecária e tradutora russa, considerada uma das figuras mais importantes no campo da biblioteconomia na União Soviética.

Ela fundou, em 1921 (inaugurada oficialmente em 1924), a Biblioteca Estatal para Literatura Estrangeira, em Moscou, que hoje leva o seu nome. O objetivo era criar um espaço dedicado ao estudo de línguas, culturas e literaturas de outros países, em um momento em que a URSS começava a se consolidar como Estado e precisava dialogar com o mundo.

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Miguel Palacio, diretor da Biblioteca, ao lado do busto de Margarita Rudomino


Jovem poliglota, ela bateu na porta do ministro da Educação russo, na também jovem república soviética, e explicou que, se o pilar do comunismo era o internacionalismo, a Rússia precisava urgentemente traçar um plano de estudo para diferentes línguas. E ali nascia a biblioteca.

Em 1945, Rudomino teve um papel extremamente importante. Liderou uma força-tarefa na Alemanha que resgatou muitos livros roubados pelos nazistas. Que personalidade extraordinária! Que a garra de Rudomino nos guie em tempos atuais de tamanha dor e insensatez. 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.