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Heraldo Tovani

Professor, formado em História, com pós-graduação em Psicopedagogia e especialização em Psicanálise

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De mãos dadas com os professores

Nós, professores, começamos a sentir a intimidação já nas eleições do ano passado. Discursos de defensoresdo Escola sem Partido, de parlamentares, principalmente aos ligados ao presidente ou a seu ex-partido, o PSL, partidários da direita e celebridades momentâneas das redes sociais atacavam e criminalizavam as práticas dos educadores do país

(Foto: CECILIA BASTOS/USP Imagem)
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Algumas categorias correm perigo no Brasil.

É perceptível a ameaça aos artistas, aos trabalhadores de ONGs, às categorias envolvidas no combate e nadenúncia contra a violação aos Direitos Humanos, aos jornalistas, entre outras.

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Sabemos como o ódio se capilariza, a partir do discurso irresponsável de autoridades.

Vimos isso na prisão autoritária dos brigadistas de Alter do Chão, no Pará, após a autoridade máxima do paísacusar as ONGs de incendiarem as florestas; Vimos isso nos incêndios criminosos na floresta Amazônica, após a autoridade máxima do país propor o garimpo em áreas de proteção; Vimos isso no senhor que dá três tiros no vizinho gay: “tem que morrer!” após o discurso de liberação de armas e de ódio à diversidade; vimos no atentado ao Porta do Fundos, no Rio de Janeiro; no crescimento dos ataques às mulheres, gays e lésbicas, no último ano; no “pode tudo” em que se julgam autorizados os radicais de direita.

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Nós, professores, começamos a sentir a intimidação já nas eleições do ano passado. Discursos de defensoresdo Escola sem Partido, de parlamentares, principalmente aos ligados ao presidente ou a seu ex-partido, o PSL, partidários da direita e celebridades momentâneas das redes sociais atacavam e criminalizavam as práticas dos educadores do país.

Isso repercutiu, e o clima de ódio invadiu as escolas e o policiamento às práticas acadêmicas ganhoucontornos enormes. Vários professores foram filmados às escondidas e viram suas imagens publicadas em redes sociais, com comentários ofensivos e de claro viés ideológico; vários embates truculentos ganharam as salas de aula. Uma noção generalizada, difundida pela política de maximização do ódio, diz que os professores – principalmente os ligados às ciências humanas – são, na verdade, agentes de disseminação de um tal de marxismo cultural e do ativismo partidário. Essa retórica difundiu-se pela sociedade.

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Em 16 de dezembro passado, a professora Ângela, de uma escola pública de Barueri foi agredidaverbalmente com insultos e ameaças por um agente da Polícia Militar de São Paulo. O vídeo viralizou na internet e teve grande repercussão na imprensa. Vi, em uma das reportagens sobre o caso, nos comentários dos leitores, um que dizia que os professores eram culpados de ficarem por anos fazendo política em sala de aula e, por isso, haviam perdido a aura e o respeito de outrora.

Em uma escola de São Paulo, na reunião de pais de alunos, eu vi uma mãe dizer à professora de sua filha,textualmente: “Você pensa que é o que? Você não é nada!”. A mãe revoltara-se contra a professora que havia sugerido que a família acompanhasse a vida escolar da filha, de 12 anos, que estava com médias baixas, matava aulas constantemente e fora pega algumas vezes do lado de fora da escola, com meninos estranhos à comunidade escolar.

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Você não é nada! Disse a mãe da aluna.

Quando, em uma sociedade, a visão coletiva sobre o professor é de que ele é nada, é sinal claro de que umadoença gravíssima está corroendo todo o tecido social dessa comunidade.

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O pior: para essa doença não há remédios ou área médica que cure. Essa doença só pode ser curada porprofessores e professoras.

Não há, em nenhuma sociedade contemporânea, profissão mais importante, mais fundamentalmentecentral que a de professor.

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Quando a voz da mãe da aluna ecoa pela cidade, ela está querendo dizer que o engenheiro é nada. O médicoé nada. O jornalista, o cozinheiro, o padeiro, o comerciante, a mãe de aluna, o juiz, o sacerdote e o escrivão são todos nada. Pois, não tiveram alicerce, não foram formados, não tiveram as lições do bem escrever, do bem pensar, da ética, da fórmula matemática, da história, nada. Quando o professor é nada, tudo é nada!

E é justamente para esse nada conceitual que os discursos difamatórios e as políticas públicas para aeducação estão jogando a escola, a cultura e os professores, no Brasil.

O nada, a ficção, a distopia

O professorado do Estado de São Paulo teve seu salário achatado, pelos cinco anos sem reajustes. Passou,nesse período, de cinco salários mínimos para pouco mais de 1,5.

Há 7 anos o Estado não realiza concursos públicos. Há uma defasagem enorme de professores na área daeducação. Para contornar essa crise, o governo contrata professores temporários, precarizados e, por outro lado, proíbe a formação de turmas onde as salas de aula não tenham o mínimo de 35 ou 40 alunos. Há salas com 53 alunos ou mais.

Raros são os dias em que as turmas, por falta de professor, não tenham aulas vagas.

As salas de aula da rede pública são feias, degradadas, escuras, pichadas, sem equipamentos.

As demandas da juventude estudantil, por outro lado, vêm se transformando rapidamente devido às radicaistransformações contemporâneas das sociedades. A escola paulista parou no tempo, vive ainda como vivia em 1960, enquanto o mundo acelera e exige respostas ágeis às novas demandas. Sem estrutura e sem formação e capacitação para tal, convivemos diariamente com casos crescentes de tentativas de suicídios, depressão, crises de ansiedade, jovens que se cortam, sexualidade aflorada e violência. Nenhuma ação governamental foi implantada até agora, para enfrentar essa situação nas escolas.

Parece que vivemos em um mundo irreal, em alguma ficção científica futurista, uma distopia onde o governoopressor propõe um desafio sádico:

1- Vamos tirar seu salário.

2- Vamos encher suas salas com 40 alunos, muitos deles com problemas de angústia, depressão e desajustes sociais. 

3- Vamos precarizar as salas. 

4- Vamos negar acesso a data show, vídeos ou outros equipamentos. 

5- Vamos dificultar as possibilidades de cópias de textos. 

6- Vamos inviabilizar a programação de visitas a museus, teatros e outros equipamentos culturais. 

7- Vamos obrigá-los a aprovar o maior número possível desses alunos, sob a pena de negativar o conceito da escola ou fechar novas turmas, no próximo período, tirando, assim, o trabalho de diversos professores. 

8- Vamos obrigá-lo a cumprir uma jornada enorme de trabalhos burocráticos com preenchimento de diários de classes, portifólios de alunos, planos de aula e depois, em casa, obrigaremos você a passar mais algumas horas digitando conceitos no site do governo. 

9- Cobraremos, ainda, especialização e cursos complementares.

Depois, o desafio: - Duvido você conseguir dar aula agora, Ah, ah, ah...

E, mesmo com tudo isso, senhoras e senhores, acreditem, nós conseguimos!

As únicas coisas que ainda funcionam na educação pública, em São Paulo, são as pessoas. A heroica labutado pessoal de coordenação, direção, secretaria, funcionários de pátio e, na linha de frente, os professores.

Muitos colegas professores (muitos, mesmo!) são cientes de seu papel e o desempenham de formadeterminada. É quase um sacerdócio.

Sabem que – em muitos casos- eles são a única referência de adultos das crianças e jovens que atendem.Conhecem a realidade de famílias totalmente desestruturadas. Nas periferias da cidade, os professores rivalizam com traficantes e outros delinquentes a posição de referencial, de exemplo de alguém cuja ética deva ser seguida.

Os professores que rompem a barreira e conseguem se aproximar fraternamente de alunos, passam a serseus conselheiros, seus confidentes, seus analistas, seus pais postiços. As carências dessa juventude vão muito além da carência material. Carecem de afetos, de contato, de humanidade, de conselhos, de escuta e, às vezes, carecem de uma abordagem mais dura, mais incisiva, como fazem os pais ou, na sua falta, os pais postiços.

Cinco professores de uma escola da periferia de São Paulo, resolveram, ano passado, enfrentar o problemada invasão tecnológica/digital na vida escolar.

O vício em celular, redes sociais e jogos vem se tornando um problema, tanto para o aprendizado como paraa concentração, rendimento, relacionamentos e expectativas dos alunos. O vício em tecnologia vem fazendo crescer as ansiedades, as depressões e reforçam o isolamento daqueles já propensos à timidez.

Os professores resolveram tratar a questão não pelo viés moral ou comportamental, mas com asferramentas da própria educação. Propuseram um trabalho de iniciação científica que abordasse o tema em questão, com todas as exigências da pesquisa científica, no conteúdo e na forma. E, um desafio maior, trabalhar esse tema com alunos do primeiro ano do ensino médio, recém-saídos do ensino fundamental. O trabalho era de conclusão do ano, ou seja, um trabalho que englobaria as notas de cinco matérias e poderia garantir a aprovação daqueles que se desenvolvessem satisfatoriamente, ou reprovar direto aqueles que não desenvolvessem.

O tema geral era “Tecnologia e Alienação”.

A base do trabalho era o filme “Matrix”, a partir do qual os grupos escolheriam as abordagens quepreferissem. Cada professor ficou com uma quantidade de grupos, dos quais seria orientador.

No primeiro semestre, cada professor desenvolveu suas aulas abordando algum aspecto do tema e do filme.

A área de português cuidou das normas da ABNT e das formas da redação científica; filosofia cuidou dasdiversas citações filosóficas e literárias que há no filme; sociologia debateu a alienação, a neurologia e as teses de Freud, sobre o desejo e o inconsciente; geografia debateu o acesso e o não-acesso às redes sociais nos diversos extratos da sociedade, a serem pesquisadas em campo, pelos alunos; a história trabalhou os conceitos de religião, distopia, guerras hibridas, história das tecnologias.

No segundo semestre, começaram os trabalhos em grupos, orientados pelos professores. O trabalho dosprofessores envolveu uma carga bastante intensa de atividades extraclasse de acompanhamento, revisões, reuniões de grupos e indicações de pesquisas. Mas, valeu a pena!

No final do ano, os alunos fizeram a apresentação final à uma banca formada por professores de diversasáreas. Na forma, em tudo parecido com a apresentação de uma tese de nível superior. Além do trabalho escrito, havia a apresentação oral e as exigências eram, além da qualidade do trabalho, a postura correta, a linguagem formal e a interação do grupo.

Os resultados excederam todas as melhores expectativas. A maioria dos trabalhos foi brilhante. Asabordagens, as mais diversificadas possíveis, as apresentações verbais levaram diversos professores às  lágrimas. O resultado mais importante, no entanto, foi a potencialidade desenvolvida pelos alunos. A potência do ser, ou a pulsão de vida, despertada nos alunos. Sentiam-se importantes, orgulhosos, esclarecidos, potencializados...

Como resultado colateral inesperado, as relações dos alunos com os professores, de todas as áreas, com adireção e coordenação se tornaram, como nunca antes, impressionantemente boas e cordiais. A solidariedade entre os membros do grupo extrapolou o trabalho escolar.

Os professores agora pretendem juntar os trabalhos em um volume, e disponibilizarem em forma de livro,na biblioteca da escola.

O projeto terá continuidade neste ano de 2020.

Esse foi um projeto possível graças unicamente ao empenho dos professores.

Os alunos tiveram acesso à dimensão da ciência. Produziram conhecimento e com isso transformaram a simesmos de uma forma impressionante. Durante essa jornada, os laços sociais entre o grupo se tornaram mais estreitos e solidários, a produção acadêmica aproximou-os de temas complexos, a consciência ética, social e cidadã foi aguçada. Aqueles que acompanharam esse processo – professores e direção - são unânimes em reconhecer o pleno sucesso da proposta.

Sete salas, quase trezentos alunos, mais de trinta trabalhos realizados. Essa é a dimensão possível dotrabalho do professor.

Você não é nada! Disse a mãe da aluna.

Nós, professores, que formamos todos aqueles que lerão este texto, todos os jornalistas e profissionais quetrabalham neste veículo que abriga este texto, além de todos os seus amigos, parentes e conhecidos, estamos ameaçados por um fantasma que já extrapolou o discurso de ódio e está incorporado no leitor que afirma que os professores são ativistas políticos, na mãe da aluna, no militar que intimida a professora em Barueri.

Se permitirmos, o obscurantismo tomará para si todos os discursos, os professores serão subjugados, PauloFreire se tornará vilão, a doutrina militar transbordará dos quarteis e invadirá as escolas, as consciências se apagarão e as trevas medievais retornarão, sufocando o humanismo, a crítica e o livre pensar.

Algumas categorias correm perigo, no Brasil, mas, dentre todas, a dos professores é a que, se atacada, maisprejuízos trará não só para os cidadãos, mas para todo o nosso atual modelo de civilização.

Por isso, o convite: Todos de mãos dadas com os professores!

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