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Salvio Kotter

Escritor, tradutor e editor da Kotter Editorial, que vem publicando grandes autores de livros de política de cunho progressista, e também livros de filosofia e de literatura.

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De pregador da moralidade a político em campanha: a metamorfose de Deltan Dallagnol

As discussões internas e as atitudes dos envolvidos na Lava Jato foram questionáveis ou revelaram conflitos éticos e de interesse

Deltan Dallagnol (Foto: Lula Marques/Agência Brasil)
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Li a extensa reportagem O Messiânico publicada nesta semana na Revista Piauí. Recomendo a leitura, mas achei de bom tom tentar atalhar a dificuldade para quem não disponha de tempo para ler na íntegra a matéria.

A denúncia frágil e a "propinocracia"

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Em setembro de 2016, a força-tarefa da Lava Jato preparava a primeira grande denúncia contra o ex-presidente Lula. Apesar da proximidade da data de divulgação, a peça acusatória apresentava nítidas inconsistências. O procurador Orlando Martello Júnior expressou suas "críticas construtivas", apontando a falta de provas e a fragilidade das informações. Deltan Dallagnol, líder da força-tarefa, reconheceu a pertinência das preocupações, mas seguiu em frente com a denúncia, buscando "amarrar" os pontos fracos e preparar respostas para as críticas.

Na véspera da apresentação, Dallagnol e sua equipe trabalharam madrugada adentro, ajustando o texto e criando o famoso PowerPoint com setas apontando para Lula como o centro do "esquema maior", batizado de "propinocracia". Apesar das dúvidas e da falta de um "documento matador" – o que aqui equivale a alguma prova, por mínima que seja –, a denúncia foi apresentada com estardalhaço, definindo manchetes e pautando a imprensa.

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A missão divina e o deslumbramento

Dallagnol acreditava que a Lava Jato era um chamado de Deus. Em mensagens, ele frequentemente expressava sua fé e a convicção de que estava sendo usado por Deus para combater a corrupção. Essa crença se intensificou com o projeto das 10 Medidas contra a Corrupção, que Dallagnol abraçou como uma cruzada pessoal.

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Com o apoio de seu pastor e da igreja, ele viajou o país colhendo assinaturas e se tornou um líder nacional no pretexto do combate à corrupção. A adesão de famosos e o crescimento de sua popularidade o deslumbraram. Ele contabilizava apoios, comemorava cada um e se comparava ao jornal Folha de S.Paulo em termos de alcance.

A relação com Moro e a expansão de poderes

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As mensagens revelam uma relação próxima entre Dallagnol e o então juiz Sergio Moro, com o procurador atuando como uma espécie de auxiliar, transmitindo recados e dando sugestões. Essa relação, somada à sua crença em uma missão divina, parece ter levado Dallagnol a se arvorar poderes para além de sua alçada.

Em um caso, ele usou informações de sua família em uma investigação. Em outro, cogitou investigar o namorado de sua irmã. Dallagnol também apoiou a delegada Érika Marena, que cometera ilegalidades em uma investigação, ignorando seus erros por considerá-la uma aliada. Dentre essas ilegalidades, um dos destaques vai para a fabricação de um depoimento que jamais aconteceu. Outro, para a operação espetaculosa que culminou com o suicídio do ilibado Reitor Cancelier. A vítima não suportou a humilhação imposta pela equipe de Marena, que, por impudicícia, desnudou e examinou até o interior o ânus do Reitor, supostamente procurando provas de uma denúncia que posteriormente se revelou infundada.

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A ética em xeque e o fascínio pelo dinheiro

A imagem de retidão ética que Dallagnol cultivava em público nem sempre se refletia em sua conduta privada. As mensagens mostram que ele furou a fila para obter o passaporte da filha e que se deslumbrou com as vantagens financeiras que sua fama, haurida com o cargo público que ocupava, lhe proporcionava.

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Dallagnol passou a cobrar altos cachês por palestras, justificando que os valores eram doados para entidades beneficentes, algo nem sempre comprovado. Com o tempo, ele foi mirando cada vez mais alto, passando a se interessar por aeronaves de luxo, hospedagens em resorts e outros privilégios. A demanda por suas palestras era tanta que ele criou sua própria empresa de eventos, em sociedade com outro procurador.

A guerra contra Gilmar Mendes e a politização da Lava Jato

Dallagnol considerava o ministro Gilmar Mendes, crítico da Lava Jato, como um inimigo a ser combatido. Ele articulou formas de tentar incriminá-lo e chegou a defender seu impeachment. As mensagens também revelam a antipatia de Dallagnol e outros procuradores pelo PT e por Lula, com frequentes piadas e comentários depreciativos.

Apesar de eventualmente criticarem a politização da Lava Jato, os procuradores frequentemente se engajavam em discussões políticas, revelando suas preferências e antipatias.

O legado da Lava Jato e a metamorfose de Dallagnol

Dallagnol, que começou como um pregador da moralidade pública, se rendeu às tentações do poder e da fama, obtendo vantagens pessoais e se engajando em disputas de vaidade com a Polícia Federal. Em um desfecho melancólico, foi condenado a indenizar Lula e perdeu o mandato de deputado federal.

Agora, Dallagnol se lança como pré-candidato a prefeito de Curitiba, buscando um novo palco para sua cruzada moral. Resta saber se o eleitorado confiará em um líder que, em sua metamorfose, parece ter se tornado dedicado praticante do que antes combatia.

Algumas das aspas mais constrangedoras do texto, considerando o contexto e as implicações, são:

  1. Martello Júnior sobre a denúncia contra Lula: “Reduziria à metade. O que não foi contado em trinta folhas (ou no máximo em cinquenta), não merece ser contado.”
  2. Dallagnol sobre a acusação baseada em notícias de jornal: “Tentar desqualificar a denúncia dizendo que é baseada em recortes de jornal que só falam bobagem!”
  3. Dallagnol sobre a solidez da denúncia: “Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… Então, é um item que é bom que esteja bem amarrado.”
  4. Dallagnol referindo-se ao PowerPoint na acusação contra Lula: “Estou me segurando para não usar a expressão ‘tentáculos’ rs.”
  5. Martello Júnior criticando a série 'O Mecanismo': “Bomba!! Assisti O mecanismo. Pinta o MPF da pior forma possível.”
  6. Dallagnol sobre as palestras: “Estou cobrando 35 mil reais.”
  7. Dallagnol sobre investigar o namorado de sua irmã: “Super suspeito de psicopata.”
  8. Dallagnol sobre a delegada Érika Mialik Marena: “Érika, eles não prevalecerão. São um absurdo essas críticas.”
  9. Dallagnol sobre a possibilidade de impichar Gilmar Mendes: “Se um dia decidir tentar, é porque entendi que é o melhor modo de servir a Deus e aos homens e por puro espírito público.”
  10. Dallagnol sobre o patrimônio acumulado: “Mor, se tudo der certo nas palestras, vão entrar ainda uns 100k limpos até o fim do ano.”

Estas aspas refletem momentos em que as discussões internas e as atitudes dos envolvidos na Lava Jato foram questionáveis ou revelaram conflitos éticos e de interesse.

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Fontes de dados:

As informações contidas neste artigo são baseadas em mensagens do Telegram apreendidas pela Operação Spoofing e divulgadas pelo site Intercept Brasil, além de entrevistas e reportagens publicadas na imprensa, notadamente a Revista Piauí.

Tags: #LavaJato, #DeltanDallagnol, #SergioMoro, #GilmarMendes, #corrupção, #política, #palestras, #poder, #ética, #moralidade

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