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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

203 artigos

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De urucum e de cocar

(Foto: Mídia Ninja)
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Numa festa no século XVI em Rouen, um grupo de indígenas brasileiros, para lá conduzido com a ideia de interessar o Rei Henrique II ao empreendimento de uma expedição colonizadora, o contraste entre usos e costumes dos tamoios com a elite francesa, chocou a sociedade e, pode-se dizer, mudou o mundo. Saltava aos olhos a dignidade daquela gente e a diferença que estabelecia com os locais, repletos de roupas, joias e hipocrisia. Descritos por Montaigne, repercutirão em Jean-Jacques Rousseau como uma boa referência, diante dos fortes defeitos que o escritor encontrava em seus contemporâneos. Surgiu o conceito de bom selvagem.

No Brasil, para os portugueses, a população autóctone despertava a cobiça dos colonizadores, contaminados pela ambição de escravizá-los e obter mão de obra gratuita para as suas plantações. Nesse ponto, a estratégia fracassou. Indígenas amam a liberdade. Lutam e morrem por ela, se necessário até o último homem. Embrenharam-se nas florestas, mas não serviram aos invasores. O tempo passou. Antropólogos e indigenistas que os estudaram, mantiveram acesa a chama da admiração e sentiram, ao contrário, a vontade de preservá-los e protegê-los, enquanto, em volta, a ganância se esforçava em exterminá-los, agora atrás das terras onde se colocam e das riquezas que escondem. 

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Apesar de tudo, entre os originários, houve os que estudaram e dominaram a língua oficial, além das suas, começando a entrar no Congresso, graças ao voto. Estão ainda em pequeno número, mas são homens e mulheres, fortes e corajosos, como seus ancestrais, dispostos a frequentar os recintos do parlamento. Nas discussões, dão um banho de civilização, ainda que, em pequeno número, não consigam superar a massa vendida ao agronegócio, louca por dinheiro. Um bom exemplo do que está ocorrendo se passou na Câmara de Deputados, quando Arthur Lira, na presidência da sessão, colocou o projeto do “Marco Temporal” em votação. Tratava-se de uma lei que estabelece a data da Constituição de 1988 como limite para a reivindicação da demarcação de terras. Supostamente, a referência serviria para determinar aonde viviam. Dali por diante, o terreno ficaria livre para quem o solicitasse, isto é, quem, com grandes empreendimentos, plantasse e tirasse lucro da exportação de grãos. 

Era evidente que, só nos debates, a superioridade dos argumentos de boa-fé não bastaria para afirmar a posição dos povos originários. O resultado da votação deu-lhes a derrota esperada. Impossível ganhar naquela assembleia de inconveniências, estupidez e malícia política. Na tribuna, causava admiração o grupo de indígenas, com belos cocares, enquanto a oradora, Célia Xakriabá, pintava o rosto de urucum e, apesar de tudo, se fazia ouvir, como se falasse para os presentes e seus ancestrais. Contrastando com o urucum vermelho nas mãos e no rosto, os incríveis cocares se destacavam aos olhares como se estivessem prontos para voar. Sem sombra de dúvida, ganharam a cena. Em Lira, de cara fechada, nada daquilo influía. Onde fora parar a sensibilidade? O tal marco destitui os indígenas praticamente de seus direitos. E, com eles, se abre mão da floresta, do meio ambiente, e da herança que pretendíamos deixar para os nossos descendentes. Por sorte, nem tudo se perdeu. Há ainda um caminho a percorrer. O projeto fere cláusulas pétreas da Constituição e precisa da aprovação do Senado, onde, quem sabe, lhe corrigirão os defeitos. Nas retinas, fica a beleza de quem acredita em sua capacidade de lutar e de levar combates até o fim. Símbolos significam e revelam, como sabemos. Tiaras e tiros nazistas, ao lado destes, não passam de grotescas caricaturas...

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