De volta
Que seja só o começo. Que venham os próximos gozos, e que sejam ainda mais intensos e transformadores
Em suas memórias Tempos Interessantes, o grande historiador Eric Hobsbawm definiu como ninguém a sensação do “êxtase das massas” – Massennekstase – uma expressão inesquecível que anotou no diário de sua juventude em Berlim, para incorporá-la depois entre os componentes que formaram a base do seu comunismo, lado a lado com a compaixão pelos explorados e o anti conservadorismo intelectual. “Depois do sexo - dizia Hobsbawm – “a atividade que mais intensamente combina experiência corporal com forte emoção é a participação em uma demonstração de massa em época de grande exaltação pública. É quando a imersão do indivíduo na massa, que é a essência da experiência coletiva, encontra a sua expressão.”.
Estamos umbilicalmente ligados ao “êxtase” das festas carnavalescas que arrastam multidões de corpos suados pelas ruas para simplesmente celebrar a alegria de dançar a vida, mas são pouca as vezes que temos dado a ele a consciência de que esta é a essência da experiência coletiva e que nela reside nossa força maior, nossa capacidade de mudar o rumo dos acontecimentos, de transformar nossos destinos.
Em todo o Brasil, o domingo de 21 de setembro reavivou nos brasileiros uma emocionante expressão dessa experiência coletiva. De norte a sul, como se bastasse apenas um grito espontâneo de “todo mundo na rua” e restasse um só fósforo para acender o pavio, ou um único apelo indignado nas redes, transbordamos o pote das mentiras descaradas, do entreguismo desavergonhado, do “farinha pouca meu pirão primeiro” e da cara de pau dos justamente condenados que querem anistia ou mais blindagem para continuarem impunes de seus crimes contra seu próprio país. Na festa, começamos a virar o jogo.
Falo da minha cidade: cariocas de todas as latitudes arrastando suas havaianas sob um sol a pino, de fritar ovo no asfalto, e que não estavam ali para ver fogos de artifício. Muito menos para fazer claque a populistas da extrema-direita que costumavam despejar bolsonaristas de outras procedências, com diária garantida. Estavam ali, dizendo: “já deu”. Uma maré estrondosa de SEM ANISTIA ecoava no ar. Lula vai vencer. Um grito de alívio. Falo também de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque: nossos poetas geniais, octogenários paridos de uma mesma geração, inigualáveis, únicos, que nos presentearam com canções que nunca vamos nos cansar de cantar: ali, naquele palco improvisado e de péssimo som, com seus corpos combalidos pelas batalhas da vida, sempre altivos, de pé, lanternas guiando a multidão.
Que seja só o começo. Que venham os próximos gozos, e que sejam ainda mais intensos e transformadores. Como canta Caetano: “não, meu nego, não traia nunca não/essa força, que mora em seu coração”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

