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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Defesa da Fundação Casa de Rui mobiliza intelectuais americanos

"As manifestações contra o desmonte do núcleo de pesquisa da Fundação Casa de Rui Barbosa atravessou fronteiras. Por iniciativa do historiador e brazilianist James N. Green, da Brown University (...) 150 dos principais especialistas em estudos brasileiros (...) assinaram uma carta aberta, dirigida à atual presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, Letícia Dornelles", relata a colunista Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia

Fundação Casa de Rui Barbosa (Foto: Daniel Silva Barbutti)
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Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia - As manifestações contra o desmonte do núcleo de pesquisa da Fundação Casa de Rui Barbosa atravessou fronteiras. Por iniciativa do historiador e brazilianist James N. Green, da Brown University (EUA) – que há quase 50 anos mantém relação com o Brasil - 150 dos principais especialistas em estudos brasileiros na academia norte-americana de Harvard, Yale, Princeton, Columbia, New York University, Georgetown, Stanford e Berkeley, entre outras universidades, aos quais juntaram-se também 20 acadêmicos latino-americanos, assinaram uma carta aberta, dirigida à atual presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, Letícia Dornelles. 

O manifesto é uma reação contra o que consideram um desmonte do seu Centro de Pesquisa, pela exoneração simultânea do seu diretor, Herculano Lopes, e de todas as chefias de áreas disciplinares. Os signatários louvam a "reputação internacional de excelência em pesquisa e reflexão" da Casa, e demandam a imediata reintegração dos pesquisadores afastados dos seus cargos. James, que há 30 anos estuda os temas da ditadura e da primeira República do Brasil, falou de Nova Iorque, com o 247, sobre a iniciativa e também sobre temas atuais, como a tentativa de se apagar a História recente, e o quão nociva foi a posição do (des)governo de Bolsonaro quanto à questão EUA/Irã.

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247 - O que motivou a sua mobilização em defesa da Casa de Rui?

- Eu pesquiso na Casa de Rui Barbosa há 30 anos e fiquei chocadíssimo quando soube que exoneraram o Herculano Lopes e os demais pesquisadores do núcleo, porque para mim a Casa de Rui é uma joia do sistema federal de pesquisa. É um crime chocante tirar pessoas que têm alta qualidade de pesquisa, reconhecidos internacionalmente. É uma instituição muito importante em termos de qualidade, entre os americanos que pesquisam no Brasil, e entre os europeus. Entrei em contato com os meus colegas e já hoje de manhã mais de 30 pessoas responderam com apoio, querendo colocar suas assinaturas, mas eu já tinha enviado o manifesto para o Brasil (com 170 assinaturas. São 150 especialistas em estudos brasileiros e intelectuais residentes nos EUA).

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Eu tive uma solidariedade muito grande de todos os acadêmicos americanos das boas universidades: Harvard, Yale, Princeton, Columbia, New York University, Georgetown, Stanford e Berkeley, entre outras, todos chocadíssimos com esta medida. Eles torcem que a direção recue desta atitude.

247 - Você vê algum paralelo entre o que está acontecendo agora, nessas instituições federais, e o verdadeiro caça às bruxas que houve na época da ditadura? 

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- Isto é muito característico da tradição brasileira, perseguir pessoas da área de pesquisa. Eles demitiram vários da área de pesquisa logo após o decreto 477 (que previa a punição de professores, alunos e funcionários de universidades considerados culpados de subversão ao regime pós 1964). Eles expulsaram universitários e cassaram 70 professores. Muitos foram para o exílio, como Florestan Fernandes, porque não tinham como trabalhar no Brasil. Esta agora foi uma medida arbitrária, política, e que não tem base científica e ignora o reconhecimento e o valor desses pesquisadores, muito reconhecidos nacionalmente e internacionalmente. 

247 - Os militares nesta eleição de Bolsonaro voltaram ao poder pelo voto (?), mas não têm a mesma índole nacionalista dos militares da ditadura. Você concorda com isto, você os vê assim?

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- Esse governo foi eleito. Sabemos que houve problemas nas eleições como o de manipulação na apuração, (e toda aquela história de robôs contratados), mas eles foram eleitos. Têm alguma legitimidade. Porém, eles estão querendo implementar uma política ideológica a favor de uma certa visão de como deve ser a academia brasileira. A academia brasileira tem que ser neutra, com liberdade total para fazer o seu trabalho de pesquisas, com alta qualidade, sem ingerência do estado. Esse governo está interferindo no meio acadêmico julgando baseado num valor que, na verdade, não têm fundamento. 

Eu conheço muito o trabalho dessas pessoas que foram exoneradas. São excelentes. A Flora Süssekind é uma referência internacional sobre primeira República. É inconcebível dizer que ela não pode ser coordenadora de um grupo de trabalho. É chocante. E todos ficaram chocados. Vocês não têm ideia de como ficaram chocados grandes pesquisadores de Harvard e Princeton, quando souberam do que estava acontecendo. Eu espero que o governo recue. Não tem alternativa, porque eles estão muito malvistos por ter tomado esta atitude arbitrária. Este é mais um exemplo que vai isolar ainda mais o Brasil internacionalmente.

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247 - Está havendo um “dirigismo” no pensamento acadêmico?

- Eu só posso entender isto como uma tentativa do governo de impor uma ideologia na academia brasileira. De impor uma maneira única de entender a realidade brasileira e de interpretar o passado. A Casa de Rui Barbosa é a que possui o melhor sobre a primeira República. Esse governo optou por uma diretora que eu não sei se tem competência para avaliar isto. Eles estão impondo um certo tipo de pesquisador e de como eles têm que tratar de primeira República. Eu duvido que o presidente da República saiba alguma coisa desse período. Ele não deve saber citar o nome de um ex-presidente desse período. Então como que ele e o ministro do Turismo, também uma pessoa que desconhece esta realidade, vai ficar com este dirigismo? É inconcebível.

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247 -Você deve ter acompanhado a tentativa desse governo de apagar esse passado que você estudou, o da ditadura de 1964. O que você acha desta tentativa?

- Infelizmente a história não se repete, mas, às vezes, têm padrões do passado que são parecidos com o que está no presente. Estamos caminhando para um regime autoritário, arbitrário, e isto é muito perigoso para a gente. Os pesquisadores do Brasil e de fora do Brasil estão muito preocupados com esta situação e muito solidários com os pesquisadores que estão sofrendo ataques neste momento.

247 -Tocando no assunto Irã, já que você é um cidadão americano, que está em Nova Iorque, como você viu a reação do Brasil de alinhamento aos Estados Unidos? Quais as consequências disto para o país?

- Eu achei muito triste que o atual governo brasileiro esteja se alinhando com o governo Trump, que é um dos maiores mentirosos. Ele é uma pessoa em quem não se pode confiar. Ele tem uma atitude errática, que incentiva as possibilidades de guerra internacional. Eu acho muito infeliz que o governo brasileiro se sinta obrigado a apoiar incondicionalmente a corrente de pensamento do Trump. Eu espero que o governo do Trump termine este ano, e que venhamos a ter um governo mais iluminado e mais adequado para os norte-americanos, porque o Trump realmente está levando o povo a viver pior. Não só domesticamente, como também internacionalmente. Ele é uma pessoa muito perigosa para a garantia de paz e para os demais países.

247 - De que maneira esse episódio (o assassinato de Qassem Soleimani) vai se refletir nas eleições americanas?

- Eu acho que vai reforçando... A pesquisa de ontem foi de que as pessoas se sentem mais inseguras após o atentado, o assassinato do general iraniano. Tem mais gente se sentindo mais insegura. Os americanos não se sentem protegidos depois do assassinato. Então vai reforçando uma noção de que Trump, em nível internacional, é uma pessoa errática, arbitrária, nociva e que não tem uma política exterior coerente.

247 - Você acredita que ele corre o risco de perder a reeleição, depois deste episódio?

- É um elemento. Por exemplo, agora todo mundo vai focar na questão do impeachment. A menos que a maioria dos republicanos não defenda o presidente, e ele seja removido. Mas isto (o impeachment) eu acho que vai enfraquecendo ao longo do ano. Temos que ver qual será o candidato democrata que vai concorrer contra ele. 

247 - Quando começaram os seus estudos sobre o Brasil?

- Eu cheguei no Brasil em 76, a primeira vez, e desde 93 faço pesquisa no Brasil. São 25 anos de pesquisa acadêmica, mas quase 50 anos de convivência com o Brasil.

247 - O que o levou a se interessar pelo tema da ditadura brasileira?

- Nos anos 1970 eu conheci algumas pessoas que eram exiladas nos EUA e me contaram suas histórias, e que me comoveram muito. Então eu resolvi conhecer o Brasil. Cheguei em 76 para ficar seis meses e fiquei seis anos. Participava dos movimentos contra a ditadura e fora do Brasil, nos Estados Unidos, agora, faço parte de movimentos contra o governo Bolsonaro, desde o ano passado.

247 - Você estudou a participação dos americanos no golpe de 1964. No impeachment da Dilma, houve participação americana, de que tipo? 

- Os brasileiros fizeram o golpe de 1964, mas receberam apoio dos americanos quando os generais tomaram o poder. Eu acho que o brasileiro é muito capaz de ser dono do seu futuro e tiveram muita capacidade de levar a cabo o golpe de 1964. Ainda não sabemos direito como foi o envolvimento americano no golpe contra Dilma, mas sabemos que alguns brasileiros foram fundamentais nesse processo. O fato de Obama não ter feito o golpe, é aceito por mim, mas não sabemos como tudo se passou.

247 - Você vê chances de a esquerda voltar ao poder agora?

- Vai demorar um pouco. Tem que se organizar e repensar uma série de questões antes, e  reconquistar o apoio do povo, que ela perdeu. 

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