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Tiago Basílio Donoso

Mestre em Teoria Literária pela Unicamp e autor do livro no prelo “Terras Nacionais e Terras Estrangeiras”, pela editora Kotter

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Democracia como religião

(Foto: Foto: Projetemos/Instagram)
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A democracia é uma religião. Quem sugeriu essa ideia foi o músico e poeta canadense Leonard Cohen. Ele seguiu dizendo que a democracia compartilha modos e formas com a tradição religiosa. Haveria uma linha comum entre o politeísmo, o monoteísmo, seus grandes textos, e a democracia - talvez, aqui, ele pensasse no poeta Walt Whitman, cujo monumento Folhas na relva é a obra de um tolerante e paradoxal Isaías democrático.Se ele tinha razão, então o termo “espírito democrático” talvez adquira outras dimensões. Grafemos em maiúsculas, para vermos operar a transformação, e digamos Espírito Democrático; há aqui algo evocativo da força religiosa - a divindade não como homem - Pai ou Filho -, personalizada, mas a potência do que é vago, impessoal. Esta terceira parte de Deus na teologia cristã é sua força mais abstrata, difusa e indeterminada, um não sei o quê dotando a divindade de capacidade de transformação. Não é o Pai, severo, descendente do Deus de Guerra, tampouco o Filho, manso e atavicamente furioso, cuja convicção insana insuflou na Torá um sopro romântico. É outra coisa; é como se a última parte desse tríptico fosse a menos definitiva, com o paradoxo de que aquilo feito por último - e não o feito primeiro - tem maiores chances de ser ainda um esboço.

O Espírito Democrático é a evolução desse princípio. Mas será válido chamar a democracia de religião, de uma nova e inédita forma evolutiva das religiões?

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Em favor desta concepção, podemos pensar o seguinte: a Democracia ainda não ocorreu, e a religião é, por princípio, algo por acontecer. Aquilo que o cristianismo cunhou como seu messianismo particular é apenas um fator fundamental da religião, que só ali se torna literal: a celebração do que ainda não ocorreu, do que à força de fé terá que vir. Desde a negociação ancestral com o Espírito pela colheita futura ao Apocalipse vermelho de Lênin ou de João. O próprio Futuro é uma invenção religiosa.

A democracia ainda não ocorreu e, hoje, quem mais se autodenomina democrata é quem mais pode aniquilá-la: os Estados Unidos (a canção de Leonard Cohen sobre o tema tem como refrão, ao mesmo tempo irônico e sério, “A democracia está vindo dos EUA”). Os EUA são a Roma de um poder reacionário que, em nome da democracia, trabalha todos os dias para minar seu futuro e seu presente. A esta altura é nítido que não haverá democracia enquanto os norteamericanos forem hegêmonas, e neste momento Putin - o autocrata - faz mais pelo futuro da democracia que seu antagonista, Joe Biden, que trabalha para destruí-la.

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Porque a democracia não é o governo livre feito pelos lobbies. Não é a liberdade de expressão como simonia, como salvo-conduto para pecados. Democracia não é o Estado da Propaganda, em que todas as coisas se tornam seus opostos. Não é o fascismo licenciado pelo voto, a falsificação, tampouco a prosperidade individual ou a liberdade como desinibição para o mal. O que hoje se chama democracia é apenas o governo dos bancos. Bancos que, aliás, são instituições cuja origem - como apontado por Agamben e outros - é religiosa, sendo que sua primeira forma foi o Templo onde eram depositadas as oferendas. A democracia será, na verdade, o fim dos bancos. Finalmente a concretização dos anseios de Cristo - o fim do sacrifício, que os bancos sempre nos demandam e em dimensões nunca antes imaginadas - e o governo da abstrata instituição do Povo.

No atual estado de coisas, se a democracia for mesmo uma religião nascente, então precisamos de um Lutero que se coloque contra o cristianismo de fachada, contra o fundamentalismo religioso (fundamentalismo que, segundo Christoph Türcke, é a forma decrépita das religiões, quando já estão em estado avançado de morte e se tornam histéricas, porque sequer seus adeptos creem em si mesmos). Um Lutero é necessário para avisar aos cristãos de que o cristianismo mudou, pela força de seu próprio terceiro elemento, de seu Espírito, e se transformou em Democracia - o verdadeiro fim dos sacrifícios humanos. Algo que ainda não existe, mas cujas formas já começam a aparecer no horizonte.

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E não se enganem. São santos ou mártires da democracia os que ainda são vilanizados por Roma como contrários à própria democracia. Marx, Engels, Lênin e Che, Fidel, Marighella, Rosa Luxemburgo, Chico Buarque; Kropotkin, Bakunin, Angela Davis, Prestes, Lula, Getúlio e Robespierre; Brizola, Proudhon e Mao, Tito, Allende e Martin Luther King; Chomsky, Walt Whitman e Neruda, Ghandi, Mandela, Christina Kirchner e Hugo Chávez - entre tantos outros, ainda jogados nas catacumbas dos discursos oficiais.

Fingindo que a democracia já existe, nos querem fazer detestar aqueles cuja ideia de Povo é mais intensa, mesmo em condições adversas, e nos fazer amar como democratas funcionários do lobby como Barack Obama. Mas a democracia vencerá, e para isso, mais do que a forma mercadoria, a Propaganda deverá ser vencida. A simonia, o consumo falso de um lugar no paraíso, a expiação do pecado pela compra.

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Será preciso entender toda a dimensão religiosa da democracia, aquilo que liga o humano à existência comum. Entender que apagamos Deus não para nos tornarmos ateus, mas para produzir um Deus novo, descendente do melhor de todas as outras religiões, que viverão sob a democracia como as antigas múltiplas divindades locais. Divindade é o que nos liga ao universo e à comunidade; assim, é possível compreender como o neopentecostalismo está com um passo atrás - na teologia da prosperidade individual e fundamentalista - e um passo à frente, rumo à democracia, em suas comunidades de ajuda mútua, de respeito e fraternidade. É preciso, enfim, e de uma vez por todas, que deixemos de lado o acanhamento e o ateísmo fácil, que nos deixa descomprometidos, para arcarmos com uma ideia forte de comprometimento com todas as coisas; é preciso que nós saibamos que nossa luta é uma luta religiosa, que há um Deus inexorável guiando nossos passos na direção da igualdade real, e que nenhum obstáculo no mundo deterá a “marcha da história”.

Para isso, portanto, já está na hora de aceitarmos a democracia em seu espírito religioso - espírito convicto e tomado pela fé (a primeira definição ancestral e vaga, do Espírito, para o Futuro). Sabendo que a China faz hoje mais pela democracia no mundo que os países ditos ocidentais. E que a nova imagem de Deus não é a de um Velho tocando o indicador de um Homem, mas os murais de Diego Rivera e Portinari, o Povo - nós - como força cósmica, encarando o espectador que o encara - ou, dito de outro modo, todos os olhos do mundo tocando nossos olhos.

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A Democracia está vindo. Nós somos o Povo, e é este o Início da História.

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