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Flávio Barbosa

Cronista, psicanalista

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Democracia de uma nota só

Presidentes da Ucrania, Volodimir Zelenski, e da Russia, Vladimir Putin (Foto: Reuters)
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As pessoas que estão acompanhando as notícias sobre o conflito entre a Rússia e a Ucrânia exclusivamente pela TV Globo ou outro órgão da mídia corporativa simplesmente devem ter muitas dificuldades para compreender o que de fato enseja esse conflito e por uma simples razão. Para esses órgãos que adoram falar em liberdade de imprensa e de expressão a palavra, a notícia, só tem uma fonte de enunciado e de interpretação, e essa só se legitima por sua fonte que é a adotada pelo órgão de comunicação aqui referido.

A democracia para esses órgãos de comunicação (já aí uma contradição) é apenas a expressão de suas vontades ou de quem lhes são os seus provedores e seus mestres. É a palavra do Mestre que prevalece sempre, pois do outro lado só resta o escravo, e o escravo não tem alma, nem voz, apenas está aí para servir e se submeter ao Senhor.

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A democracia como expressão da fala do sujeito, a condição política de um sujeito falante simplesmente é o avesso dessa articulação de comunicação, que, de vero, é uma impostura de poder, contudo, cheia de disfarces e armadilhas retóricas e semânticas. 

De resto, não foi diferente na cobertura que a grande imprensa nos ofereceu sobre a Operação Lavajato e outros momentos cruciais de fatos relevantes para o Brasil e para o mundo, pois a lente com que essa estrutura observa o Brasil e o mundo não sofre qualquer graduação, não se move em quarenta e cinco ou noventa graus, aliás, não tem graduação alguma diferente do ponto fixo do tripé com que regulam suas lentes e postos de observação.

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A Rússia não existe nesse processo, não tem voz, nem ponto de vista, portanto, está condenada a não ter interlocução com o mundo, ou seja, no mundo da Globo e o de seus “analistas internacionais” a Rússia é apenas aquele “Império do Mal” que lhe alcunhou o então presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan.

E em sendo o império do mal, na mais trivial das dicotomias que se ofereça a qualquer cobertura “isenta” a Rússia está definitivamente condenada pela mídia empresarial brasileira e ocidental a ser bestializada, ela é a fera que quer destruir o nosso belo e perfeito mundo ocidental, e Vladimir Putin, seu presidente, é o Czar saído do establishment soviético pronto a devorar o fígado das criancinhas de nosso mundo. Logo, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) está aí, de prontidão, a defender as nossas melhores tradições e os nossos melhores costumes.

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Alguém que ouve, lê e vê as narrativas da mídia brasileira e congêneres na seara que pontuamos é capaz de deduzir, num exemplo, o porquê da existência ainda da aliança atlanticista, a Otan? Alguém que consome as notícias dessas fontes observadas seria capaz de deduzir que a Otan é a guardiã dos medos fantasmáticos do Ocidente, e como tal, possa antecipar-se em provocações àquilo que deduzem pôr o império do mal, quero dizer, ao que se apresenta ou é apresentado como a ameaça real de nosso mundinho perfeito, livre e justo?

É bem provável que não, e por que não? Porque lhe falta os significantes, a demonstração dos cenários e as informações que permitissem ao observador padrão consumidor de notícias do mercado de notícias deduzir para além das trincheiras pré-estabelecidas pelos articulistas e analistas do noticiário tipo JN, num exemplo, o que se passa no mundo do além fronteira a essas pernósticas e hermeticamente fechadas fronteiras.

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A Otan foi criada quando ao final da Segunda Guerra Mundial se enunciou, ou mais precisamente: se clarificou, o grande conflito do século XX, a saber, o conflito do mundo capitalista, liberal, contra o socialista, marxista. O primeiro liderado pelos Estados Unidos que em 1949 articulou a aliança militar atlanticista junto aos países da Europa ocidental, e o segundo, a partir da necessidade real de defesa e de uma resposta militar ao consórcio da Otan foi articulado pela União Soviética em 1955 com o nome de Pacto de Varsóvia, e que reunia, além da União Soviética, os países do leste europeu que formavam o cinturão socialista naqueles idos.

Ocorre que em 1991 a União Soviética acabou e o leste europeu sob as bases socialistas também, então neste mesmo ano acabou o Pacto de Varsóvia. Portanto, qual o sentido da manutenção ainda da Otan? O que os Estados Unidos como grande líder e mantenedor dessa articulação militar objetiva após a Guerra Fria? Considere-se ainda que a Otan posteriormente incorporou vários países do leste europeu que antes fazia parte do Pacto de Varsóvia como Hungria, Romênia, Polônia e outros. Progressivamente avançou também sobre algumas ex-repúblicas soviéticas como Letônia, Estônia, Lituânia, na costa do mar Báltico. Reitero: qual o objetivo disso: a paz mundial ou o controle das nações sob o guarda-chuva da potência que se atribui condição de líder unipolar no mundo?

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Desde o fim da União Soviética, a Rússia tem sido alvo de uma série de provocações por parte dos Estados Unidos e da Otan, cuja intenção é dobrar a Rússia ou cercá-la de todos os lados frente ao poderio militar e a força política e geopolítica do império estadunidense. Nisso a União Europeia e a Grã-Bretanha (apartada da UE desde o Brexit) têm cumprido um papel nada amistoso e muitas vezes sabujo e abjeto dos interesses expansionistas dos EUA. Todavia, as pessoas que se informam exclusivamente pelos meios de comunicação corporativos ou que baseiam a formação de sua opinião neles não têm acesso à uma informação que se lhes apresente um amplo e complexo cenário do que se passa realmente naquela região, a Europa oriental e a Eurásia. A filtragem política, econômica e ideológica não lhes permitem esse acesso mais pluralista e abalizado.

Se a nossa gloriosa e “democrática” mídia corporativa nos brindasse com um mínimo de informação pluralista, escutando as partes de forma mais direta e objetiva, ouvindo o que cada uma parte tem a falar e não apenas os Estados Unidos talvez o seu público pudesse se introduzir, ao menos, na dúvida, já que a narrativa prevalente não resta o menor espaço para ela, digo, a dúvida. Não há debate, tampouco comunicação no sentido amplo, ético e democrático dessa palavra, o que há é a leitura dos memorandos da Otan como se fosse um oráculo que não podemos de modo algum questionar, pois se trata da “verdade”.

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Alguém que esteja capturado por essa razão midiática pode suspeitar que os Estados Unidos e alguns de seus aliados (há divergências na Europa ocidental e no Báltico) intentam ampliar a Otan e suas bases militares para as fronteiras com a Rússia seja através da Ucrânia, seja através da Geórgia e que isso representa uma ameaça grave à própria Rússia? Portanto, quem está atacando e quem está se defendendo nessa querela internacional? Quem está provocando e quem está sendo provocado?

A Rússia se opor ao avanço da Otan às suas fronteiras e o que isso significa à segurança e soberania desse país está verdadeiramente errada de um ponto de vista geopolítico? Se consideram que sim, imaginem, pois, se a Rússia resolvesse implantar bases militares e de mísseis balísticos no Canadá e no México como os Estados Unidos reagiriam e reagiria a mídia corporativa ocidental que não toca em pontos sensíveis como esse e que estão no cerne do conflito: Rússia, Ucrânia, Ocidente.

Caso as pessoas duvidem disso e não compreendam mais amplamente esse quadro geopolítico que ora vos comunico, e também importantes articulistas e analistas de política internacional em órgãos mais independentes, sugiro que façam uma pequena incursão histórica a observar a chamada Crise dos Mísseis que em 1962 quase transformou a Guerra Fria em uma Guerra Quente (o confronto direto entre as duas superpotências) quando a União Soviética tentou instalar mísseis balísticos em Cuba. O que ocorreu naquela ocasião e por que a União Soviética fez essa tentativa acima aludida? Será que já ali o Ocidente e os Estados Unidos eram uns inocentes e vítimas do dragão da maldade soviético? Talvez as pessoas se surpreendam ao saber que antes da União Soviética tomar essa decisão os Estados Unidos instalou em 1961 mísseis nucleares na Itália e na Turquia, sua aliada na ocasião, e que esses mísseis ameaçavam não apenas a Rússia, mas a União Soviética cujas fronteiras naquele período se aproximavam ainda mais da Turquia. 

Estou chamando atenção para a cobertura de uma nota só do conflito aqui aludido dessa democracia repleta de circunstâncias e obséquios desenvolvida no Ocidente, mas o padrão monolítico da notícia e da interpretação da notícia está longe de se esgotar nesse tema quando lidamos com os sentidos ocultos da chamada e festejada liberdade de imprensa e de expressão padrão ocidental. Que venha os fatos, as narrativas.

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