Oliveiros Marques avatar

Oliveiros Marques

Sociólogo pela Universidade de Brasília, onde também cursou disciplinas do mestrado em Sociologia Política. Atuou por 18 anos como assessor junto ao Congresso Nacional. Publicitário e associado ao Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (CAMP), realizou dezenas de campanhas no Brasil para prefeituras, governos estaduais, Senado e casas legislativas

201 artigos

HOME > blog

Democracia na América

Tocqueville, em carta imaginária a Donald Trump, expõe como a democracia americana se tornou espetáculo, divisão e degradação política

Presidente dos EUA, Donald Trump, fala enquanto assina decretos no Salão Oval da Casa Branca, em Washington - 09/04/2025 (Foto: REUTERS/Nathan Howard)

Imaginemos Alexis de Tocqueville embarcando hoje em uma aeronave da Air France para conhecer o sistema penitenciário norte-americano — ou da América, como ele chamava os Estados Unidos em sua viagem na primeira metade dos anos 1800. Sabemos que o francês, que viajou por determinação do governo de seu país, não ficou conhecido por suas observações sobre o sistema carcerário, mas sim por sua obra de referência para muitos no estudo da ciência política: A Democracia na América.

Em A Democracia na América, publicada em duas partes — 1835 e 1840 —, Tocqueville analisa como o regime democrático norte-americano se consolidava em contraste com a experiência europeia, ainda marcada por tradições aristocráticas. Ele destaca a descentralização política, a força das instituições locais e a participação ativa da sociedade civil como fundamentos da estabilidade e da vitalidade da democracia nos EUA.

Ao folhear essa obra, dia desses, fiquei pensando como Tocqueville resumiria essa sua viagem realizada nos dias de hoje, em uma carta dirigida a Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos. Imagino que, salvo a possibilidade de alguma imprecisão em minha leitura acerca do seu pensamento, o conteúdo seria este:

“Prezado Donald Trump,

Quando pisei na América pela primeira vez, vi nela a promessa de um povo capaz de equilibrar liberdade e ordem, razão e paixão. Hoje, ao observar o seu governo, senhor Trump, constato que essa promessa foi prostituída em nome do espetáculo vulgar. O senhor governa como se fosse um soberano, imaginando que um gesto seu bastaria para dobrar instituições centenárias. O mais alarmante, para além da sua figura grotesca, é a multidão que o aplaude, confundindo arrogância com liderança e mentira com verdade.

A democracia americana, outrora vibrante para os meus olhos, sob o seu governo reduziu-se a um palco para insultos e falsidades. O senhor, com sua retórica venenosa, estimulou a divisão a tal ponto que já não há um povo americano, mas duas tribos em guerra. O senhor não fala em nome da maioria, como eu advertira em meus estudos originais, fala apenas em nome de uma minoria barulhenta que busca subjugar o restante pela intimidação. É a tirania do faccioso, do ressentido, do cínico — e pior, é uma tirania aplaudida por aqueles que deveriam combatê-la.

O que vejo agora não é a democracia que descrevi, mas sua caricatura. As associações que outrora fortaleciam o espírito cívico foram trocadas por redes digitais que isolam, inflamam e emburrecem. O cidadão deixou de ser livre para ser consumidor de ódio. E o senhor, mestre nesse comércio, transformou a política em circo e a nação em plateia dividida. Eis a verdade amarga: a América de hoje não apenas confirma minhas advertências, as ultrapassa, inaugurando um novo estágio de degradação democrática — onde o demagogo não precisa convencer, apenas atiçar as paixões mais baixas.

Mas a história lhe guarda um espaço condizente com a sua estatura. Nos últimos escaninhos de um porão esquecido.

Atenciosamente,

Tocqueville, 15 de setembro de 2025

Alexis Charles Henri Clérel”

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados