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Lucas Augusto da Silva

Poeta e mestre em Sociologia. Autor de “Revelação” (Recanto das Letras, 2017), atualmente é doutorando em Discursos: Cultura, História e Sociedade (Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra)

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Derivações do Anticristo - Do projeto à realidade

Tá pra nascer cidadezinha mais odiosa do que o Rio de Janeiro. Ô povo que alucina na palavra do bondoso

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Tá pra nascer cidadezinha mais odiosa do que o Rio de Janeiro. Ô povo que alucina na palavra do bondoso. Até estátua pro redentor resolveram erguer. Nunca fui de pé na areia, cerveja Antártica e banana com açaí. Quando me vieram com a ideia de que a melhor estratégia seria encarnar por lá, enfureci. Me enfezei tanto que até o nome de Deus com motivo eu proferi. Havia certa ciência na sugestão e eu fiz lá minhas peripécias vez ou outra. É memorável a quantidade de prefeito que empossei, de bispo que batizei e de assessor que corrompi.

Mas não era do meu agrado, não. Eu fazia porque tinha que fazer, porque não podia deixar o território livre pra propagação do bom-mocismo. No início, era pra ser tudo temporário, mas a ambição foi subindo à cabeça. Não à minha; por mim, não colocava mais os pés, fossem de quem fossem, naquela orla de Ipanema. Meus ajudantes é que não se contiveram e vieram com essa tolice de pousar morada ao pé do Palácio do Catete. Ah, tempo bom era aquele de Getúlio, homem devoto - às vezes tinha suas recaídas, entregava mais direitos do que devia, mas, em geral, um exemplo de bon vivant. 

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Só conseguiram me convencer quando me explicaram que o projeto era mais ambicioso: o objetivo era Brasília. Aí, aceitei de prontidão. Brasília é meu reino, meu recanto. Já gastei tanta saliva com deputado ali que até me perdi nas contas. Do planalto, da lonjura e da antissociabilidade de Brasília eu sentia falta. Eu nem gosto de elogiar comunista, dá azar, mas devo reconhecer a eficiência do projeto arquitetônico da capital: obra-prima. Casa digna de acolher um mandatário à minha imagem e semelhança; cara do diabo, focinho do capiroto; recheado dos dois ingredientes mais importantes para o cargo: ignorância e canalhice.  

O bom de ser o anticristo e de ter poderes sobrenaturais é a possibilidade de me fazer presente em dois lugares ao mesmo tempo; ou em três; ou em vinte e sete estados. Pena não ter conseguido ainda uma fatia do eleitorado do nordeste - anotar: debater estratégia com o departamento de marketing. O nordestino é um povo muito do dedicado, sabe o preço do pão e não cai em qualquer lorota. Em compensação, em São Paulo, apesar do divino no nome, não foi nada difícil. Também pudera: tenho trabalhado incansavelmente há mais de cem anos junto à elite empresarial da Faria Lima para manter nossa tradição por ali. Tem tanto ódio acumulado naquela avenida que a gente brinca internamente de que já fundaram até uma filial do inferno (there is no free lunch, do you know what I mean?). 

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Então, quando chegou o momento derradeiro, nas rinhas de 2018 fizemos a aposta perfeita. Tudo nos conformes; nossa base ocupou tanto espaço com tipinhos da nossa estirpe que é até difícil contar os coquetéis de empossamento em que me fartei. A meta, contudo, sempre foi o Palácio do Planalto. Deu muito trabalho, envolveu muito projeto inacabado. Depois de muito ensaio, envolvi jornalista, juiz e até vampiro eu invoquei. Mas, finalmente, o trono e o leito da besta-fera foram devidamente ocupados. 

Hoje, quase dois anos depois, nossas preocupações são basicamente duas: manter a fidelidade de nossos 30% de seguidores e destruir qualquer ser humano que ouse aparecer em nosso caminho. Eu, particularmente, estou completamente engajado nessa empreitada, a ponto de me disfarçar do que quer que seja necessário para continuar em Brasília, até do nosso arquirrival. Fiquei um pouco receoso quando minha equipe publicitária sugeriu que nos fingíssemos de amiguinhos de Cristo, mas, vejam só!, não é que o slogan “Deus acima de todos” colou mesmo?! 

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Para a oposição, estamos treinando uma manada de trezentos abutres que malemá sabem a diferença entre céu e inferno, com uma ajudinha especial de infiltrados nas igrejas neopentecostais e mais uma dúzia de apresentadores de TV que, relegados ao ostracismo, agora vêem uma nova oportunidade de quinze minutos de fama. Quanto aos nossos fiéis, tudo ficou mais fácil depois que simplificamos a nossa linguagem e reduzimos nossa comunicação a uma só sílaba: basta um “mu!” para alvoroçar essa gado dócil que há tanto me procura em orações. Não se preocupem, crianças: papai-chifrudo está aqui.

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