Desabafos de uma mulher cansada
Cansada da pressão constante para sermos sempre melhores. Cansada de ter medo
Estou cansada de ser mulher. Cansada da pressão constante para sermos sempre melhores – no trabalho, nas relações e em todas as áreas da vida. Cansada de ter medo. Medo de andar na rua, independentemente do horário ou da roupa que visto. Medo dos olhares, das palavras que embrulham o estômago. Medo de viver um "amor" que literalmente me mate.
Cansada da violência que se esconde nos detalhes do cotidiano, aquela que muitas vezes nem é nomeada, mas que se repete como se fosse normal. Cansada.
Antes do tapa, há uma série de violências sutis, silenciosas, normalizadas. Pequenos gestos, falas e comportamentos que nos diminuem. Um assédio velado que se infiltra em cada espaço da nossa vida, nos lembrando que ainda não temos controle total sobre ela.
Quantas vezes você confundiu amor com violência? Desde cedo, o medo nos é imposto antes mesmo de entendermos o motivo. "Não use saia curta perto do tio". "Não fique sozinha com aquele professor". "Evite falar muito perto do chefe para não dar abertura". E assim, crescemos sob vigilância, carregando um alerta constante. E, quando algo acontece, ainda nos perguntam: "mas você não percebeu antes?".
A violência de gênero não começa na violência física. Começa com um silenciamento, uma dúvida lançada sobre nossas capacidades, uma oportunidade negada, um "não leva para o lado pessoal". Começa quando nos fazem sentir incapazes, histéricas, inadequadas.
O ambiente de trabalho é um reflexo da sociedade e escancara essa desigualdade. Mulheres geralmente precisam provar mais. Quantas vezes você viu um colega homem ser promovido sem ter a experiência necessária? Afinal, dizem que ele "tem potencial", enquanto as mulheres precisam provar resultados concretos para serem reconhecidas.
Quantas profissionais capacitadas ficaram para trás porque um homem foi escolhido por “ter um perfil de liderança"? O machismo estrutural está tão enraizado que, às vezes, nós mesmas começamos a questionar nossa própria competência.
Sente-se em uma reunião e observe: quantas vezes mulheres são interrompidas? Quantas vezes homens são interrompidos? E quem os interrompe?
Um estudo da Universidade George Washington, liderado por Adrienne B. Hancock, mostrou que mulheres são interrompidas duas vezes mais que homens em conversas neutras. E essa diferença não é coincidência. Faz parte do mesmo sistema que nos silencia, nos desacredita e nos relega ao segundo plano.
Se falamos sobre, estamos nos vitimizando, somos histéricas. "Histérica" se tornou uma estratégia de silenciamento. Afinal, "nem é tudo isso". Somos xingadas, temos nossas palavras colocadas em dúvida diariamente, mas não podemos revidar. Não podemos exigir respeito sem que nos reduzam a um estado de exagero emocional. Quando um homem levanta a voz, ele é firme. Quando uma mulher se impõe, ela é histérica.
Já fui chamada assim por não aceitar ser desrespeitada. Por não permitir que gritassem na minha cara. Já fui diminuída por exigir meus direitos. Quantas de nós já passaram por isso? Quantas ouviram que é melhor evitar "se expor"? "Se expor" entre aspas mesmo, porque já fomos expostas desde o início. Mas, quando denunciamos, fazem parecer que a culpa é nossa por estar nessa posição.
Não somos exageradas. Não estamos "vendo coisa onde não tem". Estamos nomeando violências que sempre existiram, mas são silenciadas. Quantas de nós já tivemos medo de chamar de violência o que passamos? Porque, quando você assume e denomina de violência, você está trazendo à luz aquilo que querem manter nas sombras.
Não é fácil. Denunciar tem um preço. Enfrentar o sistema tem um preço. Mas, quando falamos, outras mulheres encontram coragem para falar também. Quando nos recusamos a aceitar, abrimos caminho para quem virá depois de nós.
Cansada de sempre estarmos competindo entre nós. Desde cedo, nos colocam para disputar: quem é mais bonita, mais desejável, mais inteligente, mais engraçada. O patriarcado nos ensina que há apenas um espaço para mulheres na sala de reunião, então precisamos lutar por ele. Mas essa competição é uma distração, uma forma de nos manter afastadas umas das outras.
Porque mulheres unidas assustam. Assustam porque falam sobre, porque questionam, porque enfrentam, porque não aceitam. Se me chamar de histérica é o preço por exigir respeito, que seja. Que todas sejamos histéricas. Que todas sejamos incansáveis. Porque viver assim não é uma opção.
Só que essa luta não pode ser apenas nossa. Não adianta falarmos sobre machismo apenas entre nós mesmas—todos precisam escutar, reconhecer e questionar comportamentos que, muitas vezes, reproduzem sem perceber. Entender que o silêncio diante da violência também é cumplicidade. Que desconstruir o machismo é uma responsabilidade coletiva.
Porque nós estamos cansadas de ter medo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

