Desafios enfrentados pelo povo palestino após a cessação da agressão em Gaza
As responsabilidades do povo palestino em relação a Gaza incluem trabalhar para manter o território presente na consciência e na realidade dos povos árabes
Os últimos dois anos, com seus desenvolvimentos significativos na causa palestina, tanto em nível nacional quanto regional, resultaram em uma série de desafios complexos, alguns dos quais são cruciais, embora interligados. Deve-se notar que muitos desses desafios não são exclusivos do período recente, mas se intensificaram e se tornaram cada vez mais prevalentes. Alguns tiveram impacto positivo na libertação e na restauração de direitos inalienáveis, enquanto outros geraram consequências negativas — muitas delas perigosas e de natureza existencial.
Talvez a sequência de acontecimentos (nesta fase da longa história da questão) que dominaram as notícias mundiais ao longo de alguns dias — e que culminaram na última segunda-feira, 13 de outubro de 2025, entre Gaza, Jerusalém ocupada e Sharm el-Sheikh — retrate um quadro claro e expressivo da magnitude do que o povo palestino enfrenta e das responsabilidades que recaem sobre ele a curto, médio e longo prazo, seja no nível oficial (a OLP e a Autoridade Palestina no país), no nível das facções, das organizações da sociedade civil ou das figuras influentes. Não se exclui nenhum indivíduo palestino, esteja ele na Palestina ou em qualquer parte do mundo. Talvez agora possamos rever os principais desafios e as perspectivas de enfrentá-los em nível palestino.
Gaza e o dever de reconstrução (Plano Marshall)
Os horrores dos massacres, da limpeza étnica, da fome, do deslocamento e da demolição sofridos pelo povo palestino em Gaza exigem, com urgência e sem demora, que o restante do povo palestino demonstre solidariedade e lealdade na prestação de assistência em todas as áreas da vida — seja na subsistência, na assistência médica ou na educação — e em suas ramificações correlatas, sem que se perceba o menor grau de negligência. Tal esforço poderia se assemelhar a um “Plano Marshall” para a reconstrução de Gaza e seu retorno à vida normal.
Esse movimento poderia, simultaneamente, ajudar o povo de Gaza a cumprir suas demais responsabilidades nacionais, especialmente a de permanecer enraizado em sua terra, resistindo e frustrando projetos de deslocamento.
Politicamente, o plano de Trump para o futuro da situação em Gaza — que inclui termos de tutela sobre o povo palestino e a usurpação da soberania nacional — exige uma forte rejeição e ações concretas para impedir seu sucesso.
O que se faz necessário não é absolver a ocupação de sua responsabilidade pelos crimes cometidos em Gaza, seja por meio da reconstrução ou de processos judiciais por crimes de guerra e genocídio. Além disso, é indispensável não isentar as partes que apoiaram o Estado ocupante em seus crimes, devendo elas também ser responsabilizadas por suas obrigações.
As responsabilidades do povo palestino em relação a Gaza incluem trabalhar para manter o território presente na consciência e na realidade dos povos árabes e muçulmanos — e, de fato, de todos os povos — no que diz respeito ao apoio contínuo a Gaza. Não se deve encerrar os arquivos e obrigações de guerra em nenhuma direção sem antes cumpri-los. Trata-se, sem dúvida, de uma situação permanente e interminável, e a “injustiça de Gaza” deve permanecer viva na memória coletiva. Para citar um ativista, ele denominou esse sentimento de “complexo de Gaza”, que assombra constantemente os líderes da ocupação e seus apoiadores — em contraste, porém, com o “complexo do Holocausto”.
O plano de anexação, deslocamento e judaização na Cisjordânia e em Jerusalém
O plano sionista — em todos os seus detalhes, incluindo a anexação da Cisjordânia, os esforços para consolidar e legalizar assentamentos e o plano de deslocamento — já não é mais oculto. O mesmo se aplica às ambições de tomar a Mesquita de Al-Aqsa e judaizar a Cidade Santa. Isso se estende à política estadunidense e ao seu apoio irrestrito ao Estado ocupante nesses aspectos.
O cancelamento do Artigo 21 do plano de Trump — que havia sido acordado com líderes árabes e muçulmanos —, sua posterior retirada diante das exigências israelenses, sua conduta durante a visita à Palestina ocupada e a reafirmação do status de Jerusalém são elementos que dispensam maiores explicações sobre a natureza e a gravidade dos perigos envolvidos. Recorda-se também sua oposição à tendência global de reconhecimento do Estado palestino.
Esses reconhecimentos forneceram uma base sólida para o movimento palestino enfrentar os planos israelenses, especialmente no campo jurídico, destacando a ilegitimidade dos assentamentos e dos colonos, bem como das medidas impostas em Jerusalém e contra seus habitantes — como o confisco de terras, a demolição de casas e as práticas arbitrárias diárias contra o povo palestino na Cisjordânia e em Jerusalém.
Prisioneiros nas Prisões da Ocupação
Os prisioneiros palestinos que permanecem detidos nas prisões da ocupação — atualmente estimados em mais de nove mil — foram e continuarão sendo uma questão de consenso nacional. O desafio que o povo palestino enfrenta é manter esses prisioneiros vivos na consciência nacional coletiva e trabalhar para garantir que seus direitos não sejam violados pela ocupação, ao mesmo tempo em que se empenha diligentemente em libertá-los, dentro dos marcos do direito internacional.
A justa causa desses prisioneiros exige que diferentes setores da sociedade palestina se mobilizem para institucionalizá-la e atuem em parceria com grupos árabes e internacionais, a fim de pressionar o governo ocupante pela libertação dos detidos.
Condições excepcionais de setores palestinos no exterior: Líbano e Síria como exemplos
Uma das consequências mais urgentes, que demanda atenção no plano de ação palestino proposto, é a situação enfrentada por determinados setores da diáspora palestina em diversas localidades. Nesse contexto, destaca-se o progresso obtido pelos palestinos residentes no Líbano e na Síria, colocando-os no centro das atenções e das prioridades, dado o impacto direto que exercem sobre os acontecimentos na Palestina ocupada.
Os efeitos da agressão contra Gaza se estenderam também ao Líbano, atingindo a comunidade palestina e seus campos de refugiados naquele país. Soma-se a isso a situação cronicamente difícil que o Líbano atravessa — tanto em relação às condições de vida quanto às suas complicações políticas e econômicas internas.
Confronto legal à invasão do projeto sionista no mundo
Mesmo os apoiadores mais pessimistas do projeto sionista em solo palestino não poderiam imaginar a dimensão do declínio da posição global do Estado ocupante em todas as áreas vitais da vida — sem mencionar seu isolamento e ostracismo. Isso ocorre oito décadas após o estabelecimento da entidade e o reconhecimento de sua legitimidade internacional.
O próprio presidente dos Estados Unidos atribuiu sua intervenção direta e o patrocínio ao cessar-fogo na guerra e na agressão a Gaza — bem como a imposição de uma quase tutela sobre a tomada de decisões israelense — ao declínio da posição do Estado ocupante. Ele chegou a prometer, em Jerusalém ocupada e diante dos políticos da entidade, trabalhar para restaurar esse status.
O governo norte-americano já tomou inúmeras medidas rápidas, incluindo o convite ao presidente da Federação Internacional de Associações de Futebol para participar da reunião de líderes em Sharm el-Sheikh, em uma tentativa de conter as campanhas globais de boicote que buscam impedir a seleção do Estado ocupante de participar de competições — tal como ocorreu com a Rússia.
No mesmo contexto, o próprio Netanyahu anunciou ter firmado contratos com plataformas de mídia social e realizado pagamentos destinados a melhorar a imagem do Estado ocupante.
Não é necessário entrar em detalhes para concluir que o contraplano israelense consiste em atacar, por todos os meios disponíveis, tudo o que é palestino — incluindo a terminologia e os indivíduos influentes que fortalecem a causa, sejam eles palestinos ou simpatizantes —, bem como instituições e iniciativas, distorcendo-as perante a opinião pública internacional, como vem ocorrendo com a UNRWA.
Tudo isso requer uma resposta genuína, nos limites permitidos pelas legislações locais, regionais e internacionais em todo o mundo. Requer também a mobilização das energias do povo palestino, juntamente com os filhos das nações árabes e islâmicas, além dos povos livres do planeta, onde quer que estejam.
Garantindo a sustentabilidade da solidariedade global nos níveis oficial e popular
As transformações globais positivas em relação à causa palestina são evidentes tanto no nível oficial quanto no popular, abrangendo as esferas política, social, jurídica e midiática, com destaque para o notável alcance qualitativo dessas mudanças. A narrativa palestina passou a se afirmar como uma verdade legítima, desafiando as distorções israelenses que por décadas dominaram a mentalidade coletiva ocidental e internacional.
Esse apoio tem se manifestado de inúmeras formas surpreendentes e sem precedentes. As novas mídias e suas plataformas contribuíram para intensificar, apoiar e dar visibilidade à causa palestina — tanto diante da opressão quanto frente aos crimes e atrocidades cometidos por Israel. O mesmo se aplica à ampla divulgação de imagens de manifestações e mobilizações ao redor do mundo.
Uma extensão desse movimento é a atuação jurídica e os processos instaurados contra o Estado ocupante, seus políticos e seus soldados.
No campo político — incluindo governos, parlamentos e personalidades públicas —, observa-se a ampliação do escopo do boicote e o fortalecimento da oposição firme às políticas do Estado ocupante.
Esse crescimento não será facilmente contido, mas exige atenção cuidadosa para garantir sua continuidade, especialmente diante dos esforços do Estado ocupante para enfraquecê-lo. Daí decorre o papel essencial e vital dos movimentos populares palestinos em colaboração com grupos da sociedade civil em todo o mundo.
Essa tarefa requer coordenação ativa entre países — e até entre continentes —, de modo a assegurar maior alcance e influência. Também é indispensável manter a comunicação com as comunidades árabes e islâmicas, ampliando a sustentabilidade e o impacto global desse movimento solidário.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




