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Monica Hirst

Monica Hirst é historiadora, especializada em política internacional

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Desapego Imperial

Trump 2.0 e o descarte diplomático: como o desapego define a política externa e interna dos EUA, afetando aliados, acordos e instituições multilaterais

Desapego Imperial (Foto: REUTERS/Kevin Lamarque)

A combinação de uma autoridade máxima com um séquito leal e devotado outorgam ao atual presidencialismo americano uma rubrica imperial. A equipe de ministros e colaboradores diretos, ao mesmo tempo que vivem na rédea curta, são expressões mimetizadas de um mesmo estilo de governar. Em seis semanas, uma atuação, levada à frente sem dever satisfação, desordenou o sistema de governo doméstico e mundial. A determinação transmitida em sua primeira alocução presidencial no Congresso confirmou o apoio do rebanho republicano e a funcionalidade de manter falsas verdades como seu principal nutriente comunicacional.

As marcas deixadas pelas botas de Trump em cada pisada ressoam em ritmo diário. Ao mesmo tempo que o mandatário americano se rotula um paladino da paz mundial ele aperta os botões que desatam um clima de guerra e conflituosidade internacional, a começar no tema comercial. A transformação de seus dois vizinhos imediatos, Canadá e México, de parceiros a ameaças, indica a necessidade de fazer acompanhar ações de coerção com inclemência, passíveis de serem suspendidas com hora e dia marcado para serem reativadas.

A facilidade com a qual se joga pela janela mais de três décadas um arranjo de livre comércio com os dois países deixa claro um traço peculiar da política internacional da administração Trump: fazer acompanhar sua tentação imperial por uma afeição ao desapego. Esta característica lhe permite desvencilhar o país de compromissos prévios, de suas tradições e mesmo de sua história. Para Donald Trump existirão alguns poucos modelos a seguir por trás de suas decisões MAGA, seu mais ambicioso arranha-céu. O do presidente McKinley que governou os Estados Unidos de 1897 a 1901 é uma rara exceção. Sua performance está impregnada por um ritmo impulsivo que transmite determinação e desapego. Como consequência, o descarte vem se tornando uma prática cotidiana do novo governo, acompanhado por uma linguagem de corpo e alma teleguiada prepotente.

Na frente interna, em nome do primado da eficiência, a administração pública federal tornou-se alvo de um processo de enxugamento conduzido pelo DOGE, que tem Elon Musk como seu “proprietário”, que já resultou na eliminação de diversas agências de governo e significaram a demissão ou rescisão contratual de aproximadamente 300 mil funcionários até fins de fevereiro último. Só no Departamento de Assuntos para Veteranos este número chegou a 83 mil. Ironicamente se poderia afirmar que pela primeira vez os EUA aplicam para si mesmos algumas das receitas do nosso conhecido, por sofrimento próprio, Consenso de Washington.

A decisão de aplicar tarifas de 25% sobre produtos de origem mexicana e canadense, que ferem frontalmente os compromissos comerciais formalizados previamente, além de romper princípios essenciais do direito internacional indicam que Trump 2.0 descarta até as próprias ações dos anos de Trump 1.0, quando foi assinada a renovação do acordo de livre comércio com os dois países com o TMEC. De livre só vem ficando apenas a caneta do presidente americano. Nos próximos meses, mexicanos, canadenses e mesmo americanos sofrerão diariamente incomensuráveis consequências econômicas e sociais causadas pelo abandono destes compromissos. Os cálculos dos danos de curto e médio causados às economias do México e do Canadá se tornaram um desafio para os economistas e técnicos governamentais desses países.

No relacionamento com a América Latina e o Caribe, o impulso pelo desapego vem sendo acompanhado por demonstrações de simples descartes, que façam apagar rapidamente opções políticas dos anos do Trump 1.0. Dois exemplos neste sentido são as orientações seguidas nas relações com a Venezuela e com a Organização dos Estados Americanos (OEA). No primeiro caso, cabe lembrar o apoio político, financeiro e militar que a administração republicana outorgou às forças opositoras a Nicolás Maduro, muito especialmente a Juan Guaidó- o que envolveu até uma tentativa frustrada de intervenção militar, na época delegada ao governo de Ivan Duque na Colômbia. Hoje, além de retirar qualquer tipo de ajuda aos grupos anti-Maduro, a Casa Branca ordenou a suspensão do status de refugiados de milhares de venezuelanos nos EUA (em janeiro último eram 607 mil), e deixou de lado qualquer preocupação com a natureza do regime político venezuelano. Um forte sentido transacional passou a dominar a agenda com a Venezuela com os únicos focos postos nos temas do petróleo e das deportações.

Outro exemplo chamativo de desapego é o da OEA. Durante todo o primeiro governo Trump, este organismo foi um tabuleiro político útil e crescentemente dominado pelas preferências ideológicas da direita trumpista e latino-americana. A atuação de seu secretário-geral, o uruguaio Luís Almagro, que renunciou ao seu passado frenteamplista, colocando a casa a serviço de Washington. Pois bem, após a retirada da postulação do chanceler paraguaio, que teoricamente convergia com os interesses americanos, as eleições de um novo secretário-geral neste 12 de março já não darão continuidade a tal subjugação. O candidato Albert Ramdin do Suriname deverá ser eleito a partir de uma articulação bem-sucedida do Brasil, Colômbia, México, Chile e Bolívia, que se somou ao coletivo do CARICOM. Ora, um dos principais membros do séquito trumpista para a América Latina, Maurício Claver Carone, anunciou às vésperas do pleito que de fato a OEA não parece ser aproveitável; “reformável” de acordo com a expressão utilizada. Na realidade, esta opinião significa reforçar a preferência pelo trilho bilateral, no lugar de perder energia com o multilateral. E contribui para fazer do desapego e fácil descarte um recurso legítimo de poder nos tempos que correm.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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