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Maura Montella

Professora de Economia da UFRJ com 10 livros publicados, sendo o mais recente "Era só para envolver o Lula na Zelotes". Mestra em Economia Política, Doutora em Engenharia de Produção e Pós-doutora em Linguística

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Desgraça pouca é bobagem

Professora de Economia da UFRJ Maura Montella relata a história recente do Brasil de uma maneira lúdica

(Foto: Lula Marques)
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Por Maura Montella

Era uma vez um reino, o Reino do Sul. Governado desde sempre por tiranos e egoístas, o rei e sua corte estavam cada vez isolados em seu próprio castelo. Na forma de tributos, os agricultores e trabalhadores eram obrigados a destinar uma parcela cada vez maior de seu trabalho para sustentar as festas e os luxos do rei. O povo estava morrendo de fome e, sem ter o que comer, por vezes invadiam o castelo em busca de comida. Só havia um padre que ajudava os mais pobres com alimentos e cobertores, obtidos por meio de doações feitas por alguns colonos. Mas essa gentileza durou pouco. Uma das sobrinhas do rei, conhecida como "A Louca", porque costumava pegar a bandeira do reino e ficar girando sobre a sua cabeça como uma desvairada, disse que não queria mais ver o tal padre nas redondezas do castelo. Ela achava que os pobres eram muito feios e que a presença do padre só servia para perpetuar aquela feiura. Mandou matar o padre.

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Sem o alento físico e espiritual dado pelo padre, as coisas só pioravam. Cada vez com mais fome, os plebeus investiam mais e mais nos roubos aos provimentos do castelo.

Apavorado com o crescimento da pobreza, mas sem querer abrir mão dos impostos, o rei ordenava, com frequência, que a altura do muro em volta do castelo fosse elevada.

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Um dos ajudantes de construção era um jovem forte e carismático, que nunca se conformou com aquelas condições. Mas se engana quem pensa que o jovem queria regalias só para si; ele queria melhores condições de vida para todos da sua classe, os trabalhadores. Num dia, colocando as pedras para aumentar o muro, uma delas imprensou seu dedo mínimo. Teve que amputar, mas jurou que aquilo nunca mais aconteceria com um dos seus. Daquele dia em diante, ninguém mais se esqueceu do jovem idealista apelidado de Nove Dedos.

Os trabalhadores fizeram uma revolução. Não precisaram tomar o poder porque eles mesmos colocaram Nove Dedos no trono. O rei deposto teve um mal súbito e morreu. Os outros nobres pediram guarida no Reino do Norte. Conseguiram entrar, só não esperavam ser tratados com tanta discriminação pelos nobres de lá. Bem feito!

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O Reino do Sul, sob o comando de Nove Dedos, prosperou como nunca antes na sua história. Os trabalhadores tinham comida, morada e vida digna. Estavam inclusive aprendendo a ler e escrever, algo impensável no reino de outrora.

Tudo fluía maravilhosamente bem. Foram mais de dez anos assim, até que a sobrinha Louca do antigo rei voltou para o Reino do Sul casada com um homem da lei, um juiz.

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2.

O marido servia ao Reino do Norte e tinha a incumbência de retomar o trono no Sul.

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O marido da Louca, entretanto, falava como se tivesse um ovo na boca, parecia um marreco. Apesar de juiz, era um caipira e ambos sabiam que ele jamais chegaria ao posto de rei. O casal, então, bolou um plano: colocariam o bobo da corte como rei e o marido Marreco seria seu ministro conselheiro, seu grão-vizir. E assim fizeram. Em busca do bobo da corte, ficaram sabendo que, por sua incompetência até para fazer graça, tinha sido rebaixado a limpador de estrume de cavalo. E, no estábulo, sim, ele tinha ganhado alguma notoriedade, sendo eleito pelos cavaleiros, o bobo da cavalaria real.

Estava tudo armado então, e a peça, muito bem ensaiada, superou o script: a sobrinha Louca rodou a bandeira e inventou uma palavra para designar Nove Dedos: "comunista". Como ninguém sabia o que significava, foi fácil para o marido juiz se apropriar daquela denúncia falaciosa e mandar o rei dos trabalhadores para a masmorra. Em seu lugar, o bobo da cavalaria foi alçado a rei. Os cavalariços reais não saíram mais de perto do Bobo, mesmo porque aqueles cavaleiros nunca antes tinham chegado tão perto de um rei e se sentiram representados. Viraram defensores incondicionais de Bobo: davam mais coices que cavalos; babavam mais do que cachorros raivosos e seguiam fielmente seu líder, como o gado segue o vaqueiro.

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Vendo aquilo, a Louca se revoltou. Girou a bandeira de novo e falou para o marido dar um jeito naquela situação. Mas o marido com voz de marreco não sabia o que fazer: era odiado pelos trabalhadores, que voltaram a sentir fome e frio depois da prisão de Nove Dedos, e era odiado pelo exército de Bobo, que não queria perder a oportunidade de estar próximo ao rei. Além disso, Bobo não precisava mais da ajuda do juiz Marreco; ele já tinha o poder.

Restou aos conjes (forma arcaica de "cônjuges"), Marreco e Louca, voltarem para o Reino do Norte, com o rabinho entre as pernas. Por lá ficaram até que caíram no esquecimento.

O estrago, entretanto, já estava feito. Com a saída do Marreco, Bobo alçou Jegues ao cargo de conselheiro financeiro. Jegues era uma anta, e sob seu comando, não só os pobres ficaram mais pobres, como os pequenos burgueses (pobres que se acham nobres) empobreceram também. Só a cavalaria real prosperava.

Tudo ia de mal a pior, mas Bobo, que se julgava amigo do rei do Norte, embora sempre fosse humilhado por ele, continuava dizendo que o Reino do Sul era uma maravilha e que estava acima de todos.

3.

Como desgraça pouca e bobagem, veio uma peste tão violenta que assolou o mundo inteiro. Sem os conhecimentos científicos necessários à época, os reinos do Leste e do Oeste retiraram os impostos sobre os trabalhadores de modo que eles não precisassem sair de suas próprias terras e não contaminassem outras pessoas. Bem ou mal, eles conseguiram segurar a propagação da peste. Já os reinos do Sul e do Norte, se achando superiores a tudo e a todos, não tomaram os devidos cuidados, nem garantiram a sobrevivência de seus súditos. A destruição foi avassaladora. No Reino do Sul, famílias inteiras foram dizimadas. No começo, os pobres foram mais atingidos, mas quando o problema chegou nos burgueses, o prestígio de Bobo começou a ruir.

Querendo que Nove Dedos morresse sem ter que sujar suas próprias mãos de sangue, Bobo ordenou que tirassem Nove Dedos da masmorra e o jogassem no meio na rua, ao sabor da própria sorte.

O final dessa história, eu não sei contar, porque o escriba do reino também morreu de peste, mas, disseram os videntes da época que uma estrela vermelha voltaria a brilhar no céus do Reino do Sul. Esperemos.

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