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Thiago Esteves

Thiago Esteves é Professor de Sociologia, Doutor em Educação e Vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais.

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Desmascarando Feder, o exterminador da educação paulista

O PNLD proporciona o primeiro e, em alguns casos, único contato que inúmeras famílias terão com os livros em suas vidas.

Tarcísio de Freitas e Renato Feder (Foto: Divulgação)
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Poucos dias após a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgar o Relatório de Monitoramento Global da Educação “Tecnologia na Educação: uma ferramenta a serviço de quem?” no qual questiona a escassez de “evidências sólidas e imparciais do impacto da tecnologia educacional”, chamando a atenção para a existência de “poucas evidências robustas do valor agregado da tecnologia digital na educação” e fazendo a denúncia de que “boa parte das evidências são produzidas pelos que estão tentando vendê-las”, o secretário de educação do estado de São Paulo, Renato Feder, anunciou que a gestão do governador Tarcísio de Freitas irá abdicar de milhões de livros e materiais didáticos distribuídos gratuitamente pelo Ministério da Educação e que deveriam ser entregues aos estudantes matriculados nos anos finais do Ensino Fundamental (6º ano ao 9º ano) e no Ensino Médio das escolas paulistas. Em substituição aos livros didáticos impressos entregues aos estudantes das escolas das redes públicas (federal, estadual e municipal) por meio do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), o secretário Renato Feder indicou a intenção do governo do estado de São Paulo adquirir materiais educacionais digitais.

Sem mencionar informações básicas, como por exemplo, indicar quais as empresas que forneceriam estes materiais didáticos em formato digital, os perfis dos autores, quais os critérios para seleção como seria a seleção ou o custo estimado com esse empreendimento, o secretário Renato Feder levantou suspeitas infundadas sobre a qualidade dos livros e materiais didáticos ofertados pelo Ministério da Educação, por meio do PNLD, para milhares de estudantes das escolas públicas brasileiras. Caso essa medida tivesse prosseguido, o governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por intermédio do secretário de estado de Educação Renato Feder, estaria privando aproximadamente 4 milhões de estudantes paulistas de receber gratuitamente livros e materiais didáticos de qualidade comprovada, pois são selecionados por comissões de especialistas em cada uma das diferentes disciplinas e áreas do conhecimento. Para os leitores e as leitoras que têm dúvidas sobre a qualidade dos livros e materiais didáticos, estes são os mesmos utilizados tanto pelas escolas de elite da rede privada, como pelas escolas militares de todo o país.

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A impressão dos livros e materiais didáticos entregues pelo Ministério da Educação tem como objetivo proporcionar uma maior igualdade de condições de acesso à educação para os estudantes brasileiros, cumprindo assim com um dos fundamentos básicos da educação pública, que é a equidade educacional, isto é, a igualdade de condições para o acesso a educação de qualidade. Além dos livros e materiais impressos, o PNLD também distribuiu versões adaptadas para atender aos estudantes com deficiência. Neste sentido, o secretário Renato Feder, não informou como os estudantes de baixa renda, que não dispões de aparelhos para leitura de textos em formato eletrônico, banda larga de internet e até mesmo luz, farão para acessar os conteúdos escolares. Também não houve menção aos materiais adaptados para os estudantes com algum tipo de deficiência ou ainda, como os estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e das modalidades diferenciadas de ensino, como a educação quilombola, educação indígena, educação do campo ou a educação para provados e privadas de liberdade, terão acesso a esses livros e materiais didáticos.

Esta medida do governo paulista, anunciada de maneira autoritária, sem promover nenhum tipo de diálogo, consulta ou debate com a comunidade escolar, me leva a creditar ter sido tomada com o simples objetivo de manter o embate político-ideológico com o governo federal, mobilizando os radicais de extrema direita e as pessoas que mesmo não sendo radicais, se opõem ao governo do presidente Lula, simplesmente pelo fato de serem contrários ao Lula e ao PT. Esta hipótese toma bastante força, quando vemos as inúmeras denúncias que surgem contra o ex-presidente, do qual o governador Tarcísio foi ministro e que considera uma espécie de guru, além dos dados desfavoráveis, em especial, no que se refere a segurança pública e a economia do estado paulista.

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Saindo do embate político-ideológico, a decisão de rejeitar os livros do PNLD me parece mais uma daquelas soluções fáceis, rápidas, milagrosa e perigosa, para solucionar os complexos problemas relacionados a educação. Lembro que é sempre mais fácil criar um culpado, ou inimigo externo, do que encarar com seriedade os gigantescos desafios que necessitam ser superados no Brasil como um todo, e em particular, no estado de São Paulo. Afinal, não quero crer que o fato de Ricardo Feder ser sócio da Dragon Gem, que é proprietária de 28% da Multilaser, uma empresa do segmento de eletrônicos e informática, da qual ele já foi CEO ou Diretor Executivo, e que possui contratos de fornecimento de materiais com o governo de Tarcísio de Freitas tenha alguma relação com o anuncio de substituição dos livros do PNLD por materiais educacionais digitais.

Ao invés de soluções mágicas para problemas difíceis, gostaria de sugerir ao atual secretário de estado de educação de São Paulo e ex-secretário de estado de educação do Paraná, uma medida bastante eficaz para aumentar a qualidade da educação ministrada aos estudantes paulistas. O simples cumprimento do estabelecido na Lei nº 9394/1996, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, no que se refere a formação básica obrigatória em nível de licenciatura para que professores e professoras possam ministrar aulas no segundo seguimento do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e no Ensino Médio.

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Caso resolvesse cumprir o que é determinado na legislação em relação a formação mínima obrigatória para a contratação de professores, professoras ou gestores escolares, o secretário Renato Feder não poderia contratar o professor ou o gestor educacional Renato Feder. Para esclarecer os leitores e leitoras que possam ter ficado confusos com esta última frase, consta no site da secretaria de estado de educação de São Paulo, que Renato Feder atuou por mais de 10 anos como professor e na gestão de escolas de educação básica e EJA. Entretanto, segundo este mesmo site, Renato Feder é bacharel em administração com mestrado em economia, ou seja, não possui o curso de licenciatura em nenhuma das disciplinas ofertadas no currículo da educação básica.

Desconfiado desta informação, eu resolvi fazer o que um pesquisador da área de educação faria, consultar o currículo lattes do secretário Renato Feder. Entretanto, fui surpreendido com a informação de que a última atualização do currículo Lattes do secretário Renato Feder data de 10 de dezembro de 2002. A Plataforma Lattes é um sistema de currículos on line criado e mantido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e reúne os dados curriculares, de grupos de pesquisa e de instituições de ensino superior brasileiras em um único sistema de informações. Obviamente, sempre é possível que se trate de um simples erro de atualização do currículo.

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Talvez o secretário não saiba, visto que, aparentemente, não tem qualquer formação na área de educação, mas, os livros didáticos que vêm sendo distribuídos pelo PNLD desde 2020, no caso do Ensino Fundamental, e 2021, para o Ensino Médio, são resultado direto da reforma do Ensino Médio, empreendida durante a gestão de Michel Temer, mas, implementada durante a gestão do ex-presidente que não nos cabe lembrar o nome. Até o PNLD de 2018, os livros didáticos eram disciplinares, isto é, os estudantes recebiam gratuitamente um livro didático para cada uma das disciplinas existentes no currículo escolar. Mas, como consequência da reforma do Ensino Médio, as disciplinas foram concentradas em áreas do conhecimento ou itinerários formativos, a saber: Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens e Matemática. Por isso, a partir da edição do PNLD de 2020, os livros didáticos passaram a ser editados em áreas do conhecimento, ao invés dos tradicionais livros disciplinares, o que acabou produzindo uma significativa redução no conteúdo das disciplinas. Para que os leitores e as leitoras tenham ideia da perda que as diferentes disciplinas sofreram, no caso da Sociologia, até o PNLD de 2018 os estudantes recebiam um livro didático com até 400 páginas para as três séries do Ensino Médio. Com a adequação do PNLD à reforma do Ensino Médio, os estudantes passaram a receber uma coleção composta por 6 livros didáticos, com até 160 páginas cada livro. Assim, somados os 6 livros temos um total de até 960 páginas, não para uma, mas para quatro disciplinas, a saber: Filosofia, Geografia, História e Sociologia. Esse, a propósito, é mais um motivo para apoiarmos a revogação da reforma do Ensino Médio.

Diante de tais absurdos e após uma gigantesca mobilização promovida pelos movimentos de professores e professores, estudantes, profissionais da educação e instituições acadêmicas e de pesquisa, um grupo de parlamentares ingressou com uma ação no poder judiciário e conseguiu obter, no dia 16 de agosto, uma liminar do juiz Antonio Augusto Galvão de França, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinando ao governo do estado de São Paulo o imediato retorno ao PNLD. Esta, sem dúvidas, foi uma grande vitória não somente para docentes e estudantes, mas também para os contribuintes paulistas, que deixaram de ter que arcar com os custos da produção e distribuição de livros e materiais didáticos, sem qualquer evidencia de qualidade, nem necessidade, constituindo um claro desperdício de dinheiro público.

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Por fim, gostaria de lembrar aos leitores e leitoras de que o PNLD, é uma das mais longevas e eficazes políticas públicas mantidas pelo governo federal, criado em 1937, este programa leva livros e materiais didáticos de excelência para estudantes das escolas públicas de todo o Brasil. Em um país marcado por gigantescas desigualdades sociais e econômicas, o PNLD proporciona o primeiro e, em alguns casos, único contato que inúmeras famílias terão com os livros em suas vidas.

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