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Paola Jochimsen

Paola Jochimsen é doutoranda em Filosofia pela Universidade de Coimbra, Mestre em Romanistik pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha). Membro do Coletivo Brasil-Alemanha pela Democracia.

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Dia do Trabalhador: trabalho, memória e resistência

Toda vez que a desigualdade tentar se fantasiar de inovação, o 1º de Maio será o lembrete de que nenhum direito é gratuito e de que lutar é verbo no presente

Ato do Dia do Trabalhador em SP (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

O 1º de Maio costuma ser lembrado por shows, discursos e algumas promessas vazias. Em muitos casos, virou um feriado com celebrações patrocinadas por empresas ou promovidas por centrais sindicais. Mas essa data não nasceu para entreter: ela nasceu do confronto. Antes de qualquer reconhecimento oficial, o 1º de Maio foi dia de greve, repressão e luta de classes, conceito central no pensamento de Karl Marx. Surgiu do embate direto entre quem produz e quem lucra com o trabalho alheio.

Em maio de 1886, mais de 300 mil trabalhadores de fábricas, ferrovias e moinhos bloquearam as ruas de Chicago para exigir “oito horas de trabalho, oito de descanso, oito de vida”. Quatro dias depois, em 4 de maio, uma bomba explodiu na Praça Haymarket: o estouro foi seguido por disparos, prisões em massa e o enforcamento de quatro líderes sindicais. Desde então, a data tornou-se um emblema internacional da resistência operária. Pensadores como Rosa Luxemburgo defenderam que o 1º de Maio fosse mais do que uma comemoração: um dia global de paralisação e combate.

No Brasil, essa trajetória de luta atravessa momentos intensos. A Greve Geral de 1917, liderada por anarquistas e socialistas, reuniu mais de cinquenta mil operários em São Paulo e inaugurou uma pauta que segue atual: melhores salários, saúde, moradia. Já nos anos 1930, o governo de Getúlio Vargas transformou o 1º de Maio em feriado oficial e adotou medidas importantes como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o salário mínimo, o direito a férias e a carteira assinada. Essas conquistas, no entanto, vieram acompanhadas da subordinação dos sindicatos ao Estado e da repressão aos movimentos mais radicais.

Na Alemanha, o 1º de Maio também viveu contradições. Em 1933, Adolf Hitler declarou o “Tag der Arbeit” feriado nacional, ao mesmo tempo em que extinguiu os sindicatos livres. Após a Segunda Guerra Mundial, centrais sindicais como a IG Metall resgataram o sentido original da data. Fundada em 1949, a IG Metall (Industriegewerkschaft Metall, ou Sindicato dos Metalúrgicos) tornou-se um dos sindicatos mais fortes do mundo. Em 1984, liderou a conquista histórica da jornada de 35 horas semanais para trabalhadores da indústria metalúrgica, implementada de forma progressiva até meados da década de 1990. Desde então, também passou a negociar acordos setoriais com foco em requalificação profissional, proteção em períodos de transição tecnológica e, mais recentemente, condições justas de trabalho para profissionais da área de tecnologia e inteligência artificial.

No mesmo período, no Brasil, a organização coletiva também mostrou sua força. Entre 1978 e 1980, no ABC paulista, o Sindicato dos Metalúrgicos liderou greves históricas que recolocaram os trabalhadores no centro da política nacional. De lá emergiu a figura de Luiz Inácio Lula da Silva, cuja trajetória simboliza a possibilidade, hoje cada vez mais rara, do operário se tornar protagonista da história. Esses exemplos históricos revelam que os direitos trabalhistas não foram concedidos, mas conquistados — muitas vezes com sangue, prisão e resistência. Eles são frutos de greves, campanhas coletivas, articulação política e enfrentamento direto à exploração.

Mas o que mudou desde então?

Óbvio que muita coisa e quase tudo no sentido de tornar a exploração mais sutil, porém mais brutal. A fábrica não desapareceu, mas se escondeu. Ela cabe agora no bolso, disfarçada de aplicativo. A pandemia de COVID-19 acelerou uma tendência já em curso: a expansão do trabalho por plataformas, o enfraquecimento da proteção social, a normalização da informalidade. A linguagem também mudou: “operários” viraram “colaboradores”; “sindicatos” cederam lugar a “parcerias”; e o “empreendedorismo de si” foi vendido como liberdade, quando, na prática, significou ausência de direitos.

Essa nova ideologia, calcada na meritocracia e no individualismo, converte fracassos estruturais em culpa pessoal. Se o trabalhador não prospera, é porque não se esforçou. Se adoece, é porque “não soube se planejar”. Nessa lógica, a solidariedade é apagada e a coletividade, desmobilizada. A precarização se traveste de inovação. Como ironia suprema, até os Estados Unidos, símbolo do hiperindividualismo neoliberal, nasceram sob pactos comunitários que depois foram esmagados pelo capital.

Entretanto, mesmo diante de tanta dispersão, a resistência se reinventa. No Brasil, o “Breque dos Apps”, em 2020, uniu entregadores de iFood, Rappi e Uber Eats em mais de 400 cidades, escancarando o vazio legal em que vivem esses trabalhadores. Na Alemanha, os trabalhadores de aplicativo da Gorillas, Lieferando e Amazon Logistics criaram conselhos autônomos, organizaram greves relâmpago e pressionaram o Bundestag por mudanças na legislação trabalhista. O chão de fábrica deu lugar à rua, ao app e à sala de chat, mas a luta continua.

A resposta não virá dos palanques nem dos slogans corporativos. Virá das ruas, das cooperativas, das associações de base, dos fóruns digitais onde trabalhadores também deveriam se organizam e das novas formas de sindicalismo que estão nascendo diante do esgotamento do modelo tradicional. Porque, ontem como hoje, a história só avança quando empurrada por quem trabalha. E toda vez que a desigualdade tentar se fantasiar de inovação, o 1º de Maio será o lembrete de que nenhum direito é gratuito e de que lutar é verbo no presente.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.