Dialogando com Kakay
O sociólogo Oliveiros Marques avalia que as declarações do advogado sobre Lula ‘não poderiam ter sido mais inapropriadas, tanto na forma quanto no momento’
Não fazemos parte do mesmo círculo de amizades, embora compartilhemos amigos. Nunca tomamos um vinho juntos, nem dividimos uma mesa de restaurante. Aliás, a verdade é que nos sentamos à mesma mesa uma única vez. Nem mesmo estivemos na mesma roda nesses eventos que reúnem políticos, assessores e lobistas na Capital Federal. Ainda assim, aprendi a te respeitar pela tua atuação profissional, que acompanhei durante as quase duas décadas em que morei em Brasília, nos anos 90 e 2000. Esse reconhecimento me aproximou da tua figura, o que me faz sentir na liberdade de te enviar essas poucas linhas.
Li no UOL que tu enviaste a alguns grupos de possíveis aliados do governo um texto no qual criticas o homem e o político Lula III. Sim, críticas ao homem e ao político, ao CPF e à figura institucional de Lula, pois afirmas que “é outro Lula quem está governando… por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro”.
Primeiro, devo dizer que tua afirmação é de uma obviedade que me espanta. Como bom conhecedor de Heráclito que deves ser, sabes que a mudança faz parte da vida — ou seja, que nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio. Logo, 15 anos depois, após uma prisão injusta de quase 600 dias (como tu mesmo apontaste), depois de perder entes queridos e de consumir milhares de páginas de livros, é lógico que Lula não seja o mesmo dos seus dois primeiros governos.
Mas o que eu gostaria de salientar nesta mensagem é a oportunidade da tua manifestação. Penso que não poderia ter sido mais inapropriada, tanto na forma quanto no momento. Como tu privas da proximidade com o Lula, por que não o chamaste de canto e falaste: “Porra, Lula, teu governo tá uma merda. Tu precisas fazer mais política. Esse ministro aqui não tá dando conta do recado”? Sei lá o que tu achas que deveria mudar, mas que falasses diretamente com ele, e não em grupo de WhatsApp. Nós dois sabemos como isso funciona em Brasília: era óbvio que acabaria na imprensa, escondido sob as sombras de algum off.
E o momento, Kakay? Nem o Kassab faria melhor. Nem a Convergência Socialista nos tempos de PT conseguiria tal façanha. Fazer coro com a direita e com parte da imprensa na busca por potencializar fofocas palacianas, envolvendo a vida familiar do Presidente, e críticas que tentam enfraquecê-lo publicamente, colocando em dúvida sua capacidade que é real de concorrer a um novo mandato em um momento em que sai uma pesquisa como o último DataFolha? Juvenil e nada colaborativo. E ainda por cima queimando o Haddad, que acredito não tenha nada a ver com o teu movimento.
Quero crer que tenhas sido traído pela espontaneidade, e que teu acelerador não sejam os objetivos aos quais o teu texto contribui para serem alcançados pela extrema-direita brasileira. Mas não poderia deixar de te dizer: fizeste uma grande cagada.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




