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Pablo Arantes

Pablo Arantes é doutor em linguística pela Unicamp

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Discurso da “polarização” entregará a reeleição a Trump

Sanders como oponente, em comparação, não se encaixa tão bem nos lugares preexistentes no discurso trumpista. É verdade que o fato de Sanders se declarar “socialista” e defensor de um papel para o estado no bem-estar social são alvos fáceis para Trump

Sobre Bernie Sanders (Foto: Paul Sancya)
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O cenário após a “Super Terça” nos EUA confirma a cisão interna do partido democrata. O entusiasmo em torno de Bernie Sanders, que poderia ter garantido ali sua nomeação como candidato oficial, acabou em anticlímax. A resposta dos setores conservadores do partido ao movimento da base foi a convergência em torno de Joe Biden. Se esse cerco a Sanders se confirmar, os democratas terão entregue a reeleição a Trump com meses de antecedência.

Uma disputa entre Trump e Biden em 2020 será parecida com a de 2016, com duas diferenças. A primeira é que Trump, na prática, nunca desmontou seu comitê de campanha e os quatro anos de seu mandato foram um exercício contínuo de aperfeiçoamento dos instrumentos que foram essenciais para sua vitória eleitoral. Em 2016, as táticas eram novas, truques de hackers em alguns casos, e seu resultado era incerto. Hoje, são um arsenal preciso, aplicável em escala industrial e de eficácia comprovada mundo afora. A segunda diferença é que os democratas aparentemente não aprenderam nada com a derrota de Hillary Clinton e devem jogar em 2020 como se 2016 não tivesse existido.

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A disputa não se resumirá a quem terá os melhores robôs virtuais e as campanhas de desinformação mais contagiosas nas redes sociais. Essas são armas que servem de suporte a um discurso, mas é ele quem diz que batalhas serão travadas. No discurso de Trump, existe um lugar pronto para o candidato que as forças de “centro” apresentarem: é o candidato do “sistema”, do “pântano de Washington”, que é defendido pelos “banqueiros de Wall Street”, pela “mídia liberal” e pelo “deep state”. Em 2016, Clinton ocupou esse lugar com o resultado que conhecemos. O rendimento político desse discurso foi tão alto que o que Trump mais deseja em 2020 é enfrentar alguém em quem essa carapuça sirva mais confortavelmente. Entre os pré-candidatos democratas, muitos se encaixariam no molde criado por Trump, Biden melhor do que os outros. Trump previu corretamente que os democratas escolheriam Biden e se preparava com antecedência para esse cenário – seus problemas com a Ucrânia mostram isso.

Sanders como oponente, em comparação, não se encaixa tão bem nos lugares preexistentes no discurso trumpista. É verdade que o fato de Sanders se declarar “socialista” e defensor de um papel para o estado no bem-estar social são alvos fáceis para Trump. Por outro lado, suas tiradas contra o governo chinês e seu apoio histórico a bandeiras como a “Guerra ao Terror” e sanções contra Irã e Venezuela, por exemplo, não permitem que ele seja possa ser apontado como “globalista” que se envergonha do poder norte-americano. Nesse lugar, Sanders compete de maneira inesperada com o nacionalismo encapsulado no “Make America Great Again” de Trump. A ameaça representada por Sanders é, aí, diretamente proporcional à importância do elemento nacionalista no apoio popular a Trump.

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Feitas as contas, Sanders sairia mais caro como adversário para Trump do que outros candidatos, certamente mais do que Biden. Estariam os democratas agindo contra seus próprios interesses ao preferirem Biden a Sanders? Isso seria verdade se, nas contas de quem domina o dinheiro e as decisões no partido democrata, o perigo maior fosse Trump e não Sanders. A questão é que, no discurso que orienta os mandachuvas do partido democrata, Sanders é considerado uma opção tão indesejável quanto Trump. O sentido que estrutura esse discurso é o da “polarização”: Trump e Sanders estão nas pontas do espectro político e defendem ideias “extremistas”. O “centro” é a posição equilibrada, racional, em oposição ao “radicalismo” dos pólos. Essa invocação do centro como lugar virtuoso iguala as diferenças entre os pólos: a marcha dos grupos neonazistas apoiadores de Trump que aconteceu em Charlotesville em 2017 é considerada tão perigosa e ameaçadora para o american way of life quanto a proposta de Sanders de um sistema universal de saúde mantido pelo estado. Por motivos completamente diferentes, Trump e Sanders são inaceitáveis como representantes do “centro” no mundo “polarizado”.

O problema dos mandachuvas do partido democrata e de quem paga por seus serviços é que, nas atuais circunstâncias dos EUA, nenhum candidato que se conforme ao lugar de “centro” definido pelo discurso da polarização consegue ter base popular real. A razão é simples: a maioria da população não se interessa por esse programa de “centro”. Não parece haver solução para o impasse democrata em 2020 – o plano dos mandachuvas continua sendo apostar que o jogo será vencido por quem se apresentar como menos “extremista”.

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A experiência brasileira de 2018 permite que antecipemos, com conhecimento de causa, o resultado de uma eleição em que forças de “centro” chantageiam os eleitores com a ameaça de uma desintegração da sociedade pela “polarização” e apostam no “qualquer coisa menos os extremos”. Ao final de 2016 teria sido possível que um consciencioso irmão do norte nos dissesse premonitoriamente: “eu sou você amanhã”. Agora é nossa vez de retribuir, alertando: novembro de 2020 pode repetir novembro de 2016, como no dia da marmota.

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