Do Brexit ao MAGA: a maré sombria do nacionalismo europeu
A Europa, diante do crescimento da extrema-direita em vários países, deve reagir antes que seja tarde
O retorno da extrema-direita às ruas de Londres
O último fim de semana trouxe um choque para quem ainda acreditava que o Reino Unido havia superado suas ilusões xenófobas. Mais de 110 mil pessoas marcharam no centro de Londres em uma manifestação abertamente anti-imigrante liderada por Tommy Robinson, ativista de extrema-direita e fundador da English Defence League. Segundo o grupo Hope Not Hate, foi o maior protesto desse tipo na história britânica. A cena evocou os piores momentos da política europeia do século XX: bandeiras nacionalistas, discursos inflamados e um tom de “defesa da nação” que lembra mais as marchas de Oswald Mosley, líder fascista britânico dos anos 1930, do que um país que se orgulha de seu pluralismo.
Brexit como catalisador da intolerância
O Brexit não foi apenas um plebiscito sobre soberania econômica; foi o divisor de águas que legitimou, no debate público, a ideia de que bastaria “expulsar os estrangeiros” para resolver todos os problemas do país. A retórica de “take back control” foi transformada em licença para políticas restritivas, perseguição a refugiados e normalização do discurso de ódio. Agora, o que se vê são as ruas tomadas por quem acha que a saída da União Europeia (UE) não foi suficiente: exigem deportações em massa, fechamento de fronteiras e exclusão sistemática de minorias.
O contágio do MAGA e a globalização do ódio
Um elemento novo torna esse movimento ainda mais perigoso: a importação do estilo MAGA para o cenário britânico. Charlie Kirk e outros ideólogos do trumpismo têm disseminado globalmente a narrativa de que é preciso “defender a civilização ocidental” e “combater as elites globalistas”. Essa mensagem encontra eco imediato em setores da sociedade britânica e europeia, que se sentem ameaçados por mudanças demográficas, crises econômicas e instabilidade política.
Os slogans são quase os mesmos — “Make Britain Great Again”, “No Surrender” — e a estética, também: bandeiras, bonés vermelhos, líderes que se apresentam como outsiders “contra tudo o que está aí”. Mas o que realmente se globalizou foi o manual do populismo autoritário: usar o medo como arma, transformar minorias em inimigos e atacar instituições democráticas para concentrar poder.
A cumplicidade dos Tories e da mídia
Não se pode ignorar o papel do Partido Conservador britânico e de parte significativa da mídia na criação do ambiente que tornou possível esse tipo de mobilização. Desde o referendo do Brexit, os Tories adotaram uma agenda cada vez mais hostil à imigração — e o auge dessa postura foi o Plano Ruanda, anunciado por Boris Johnson e mantido por Rishi Sunak, que pretendia deportar solicitantes de asilo para um país africano a milhares de quilômetros de onde buscaram refúgio.
Apesar de contestado nos tribunais e considerado ilegal pela Suprema Corte britânica em 2023, o governo Sunak persistiu, chegando a alterar a lei para contornar a decisão judicial. Esse embate entre Executivo e Judiciário sinalizou que o governo estava disposto a reescrever regras fundamentais do Estado de Direito para implementar sua agenda anti-imigração.
A mídia conservadora — Daily Mail, The Sun, GB News — amplificou o pânico moral, retratando refugiados como invasores e apresentando o Plano Ruanda como solução heroica. Esse discurso ecoa diariamente no imaginário britânico, transformando o drama humano de famílias que fogem de guerras e fome em combustível para a radicalização política. Assim, o que começou como um debate sobre soberania se transformou em uma cruzada para “limpar” o país de estrangeiros — exatamente o tipo de retórica que agora vemos nas ruas sob liderança de Robinson.
É esse alinhamento entre governo, imprensa sensacionalista e influenciadores digitais que cria o caldo perfeito para a escalada autoritária. Foi o mesmo processo que transformou o Partido Republicano nos EUA em veículo do trumpismo: não foi um movimento marginal que se infiltrou, mas sim o próprio establishment que abriu a porta e entregou a chave.
O risco de um fascismo normalizado
A Europa não precisa de um novo Trump para cair na armadilha: o perigo é um fascismo soft, elegante, de paletó e gravata, que se apresenta como “voz do povo” enquanto esvazia direitos. A cada nova lei de imigração mais dura, a cada corte em programas sociais, a cada editorial que relativiza discursos de ódio, a democracia se torna mais frágil. Foi assim que os fascismos do século XX se consolidaram: passo a passo, com o silêncio cúmplice de elites políticas e econômicas.
Se existe uma lição das últimas décadas é que o fascismo não se enfrenta com neutralidade. Ele se aproveita justamente do silêncio, da hesitação, da má informação, do discurso de “liberdade de expressão” e da suposta imparcialidade. A defesa da democracia precisa ser ativa e militante: exige alianças amplas, capazes de atravessar fronteiras ideológicas para conter o avanço da barbárie.
Não se trata apenas de proteger instituições, mas de ir à raiz do problema — combater as desigualdades que alimentam o ressentimento, criar políticas de acolhimento que integrem em vez de excluir, e recuperar o valor da educação como antídoto contra a ignorância que o ódio explora. Sem isso, a promessa de “nunca mais” que ecoou depois de 1945 se transforma em retórica vazia e a história se repete como tragédia.
Assim, Robinson aparece tanto como líder das ruas quanto como produto do ambiente político e midiático britânico, em paralelo ao papel de Charlie Kirk como difusor ideológico do MAGA.
O Reino Unido, que um dia foi exemplo de resistência ao nazifascismo, precisa reencontrar esse espírito. E a Europa, diante do crescimento da extrema-direita em vários países, deve reagir antes que seja tarde. Como lembra Hannah Arendt, “o mal prospera quando pessoas comuns se acostumam a ele.” E nós já vimos este filme antes e sabemos como termina.
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

