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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Documento apresentado por Rogerio Correia na CPMI deve complicar Anderson Torres

Na avaliação do parlamentar, o documento desmente tudo o que foi dito por Anderson Torres

Anderson Torres depõe na CPMI dos Atos Golpistas (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

 Embora tivesse o direito de permanecer calado, como fez o tenente-coronel Mauro Cid, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, chegou à audiência da Comissão Parlamentar de Inquérito - CPMI -, na manhã desta terça-feira (08/08), disposto a falar. O que não quer dizer absolutamente nada, pois de tudo o que se ouviu, pouco se aproveitou de suas respostas na condição de testemunha. Evasivas, contradições e mentiras notórias foram proferidas com a frieza de alguém bem treinado para pertencer à Polícia Federal, sua instituição de origem.  

 O que Torres não contava, porém, é que bem à sua frente tinha um deputado com um documento no bolso que o tiraria do prumo. Depois de dizer textualmente que se soubesse dos preparativos e da gravidade do que estava por vir no domingo de 8 de janeiro deste ano, teria desistido de viajar para Miami, (onde no máximo despacharia com a Minie e o Pato Donald, como lembrou um dos deputados que o inquiriram), o ex-ministro se viu em apuros quando o deputado Rogerio Correia (PT-MG) exibiu um relatório aterrador.  

 Produzido por sua subsecretária de Inteligência, Marília Ferreira, e lido pelo deputado, o documento da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do DF do dia 6 de janeiro, que está em posse da CPMI, alertava para a possibilidade de invasão de órgãos públicos pelos manifestantes, inclusive o Congresso Nacional. Na avaliação do parlamentar, o documento desmente tudo o que foi dito por Anderson Torres. E, sim, basta consultá-lo para saber que tem razão.

 Do Relatório de Inteligência nº 008/2023/30/SI/SSP/DF (115754137 e 115778087), produzido por iniciativa da Subsecretária, constam todos os informes de inteligência emitidos por aquela Subsecretaria, entre os dias 06 e 08 de janeiro de 2023, e descreve detalhadamente a chegada de manifestantes em Brasília.  

 Na transcrição da mensagem encaminhada no dia 05 de janeiro de 2023, em grupo de Whatsapp denominado “DIFUSÃO”, pela equipe daquela Subsecretaria, e que o 247 teve acesso na íntegra, consta o título:  

 “MANIFESTAÇÕES DE OPOSIÇÃO AO ATUAL GOVERNO FEDERAL SI/SSP”, seguido dos detalhes do informe, cuja gravidade do quadro era incontestável. Mesmo assim, Torres que só tinha direito a férias a partir da segunda-feira, dia 9 de janeiro, viajou – segundo ele, na noite de sexta-feira, dia 06/01, ou seja, dava tempo de desistir.

 18h50, 05/01/2023 - Acampamento no SMU e QGEx –  

 “Cerca de 300 manifestantes estão presentes em frente ao QGEx; - Há 01 Motorhome estacionado no local; - A área de estacionamento Nº 3 foi balizada com cones e fechada com uma corda ao seu redor para que não entrem novos veículos. Atos previstos para os dias 06, 07, 08 e 09JAN2023. Circula convocação para ato intitulado de “Tomada de poder”, o qual apresenta pauta contrária ao atual governo no que tange à eleição e à posse do Presidente da República.”

 O informe alertava para o fato de: “a manifestação está prevista para ser realizada entre os dias 06 e 08JAN2023, no Congresso Nacional /Esplanada dos Ministérios Além dos atos previstos, cogita-se uma “greve geral” que seria deflagrada no dia 09JAN2023. A convocação circula em redes sociais e em grupos de mensagem, todavia nota-se menor engajamento em relação à mobilização decorrida após o resultado da eleição presidencial”, minimizava o relatório da subsecretária. Os demais itens, seguem uma sequência numerada, mas com lacunas, a julgar pelos colchetes com reticências, código que indica que a reprodução não é completa. Um enunciado explica que a subsecretaria de Inteligência recebeu apenas um dos relatórios produzidos na ocasião, mas relata que ele foi difundido e para quem.

  “5. Ainda sobre o item "a)", esclarece que segundo manifestação da então Coordenação de Contrainteligência daquela Subsecretaria (104087828), constante nos autos do Processo SEI nº 00050-00000600/2023-96, há informação de que a Subsecretaria de Inteligência (SI) recebeu apenas um Relatório de Inteligência, conforme transcrição abaixo:  

 [...] A SI recebeu apenas um RELINT, anterior ao fato, qual seja: o Relatório de Inteligência n. 004/2023/SPAC/CGOFN/DFNSP- Diretoria da Força Nacional de Segurança Pública, do dia 05 de janeiro de 2023 (quinta-feira), por meio de retransmissão da Diretoria de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública – DINT/MJSP, uma vez que a difusão constante do relatório dá conta de que tal documento fora difundido para DIRETOR DA DFNSP e DINT/MJSP.”  

 E, conforme o documento, a Subsecretaria de Inteligência também recebeu informes com alertas da Abin. Nesse o cenário já é a descrição do golpe, tamanho o detalhamento (há inclusive menção a fotos, que não constam desse material da CPMI). Mas Anderson Torres viajou. Impávido, tanto quanto ao comer bacalhau, tranquilamente, na noite do dia 12 de dezembro, quando os ônibus ardiam em Brasília, ao seu redor.

 “[...] 6. Informa, ainda, que também recebeu dois informes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), via grupo de aplicativo de mensagem denominado de “CIISP manifestações”, sobre a chegada dos manifestantes em Brasília, sendo que o primeiro informe, embora tenha chegado ao conhecimento daquela unidade no dia 08 de janeiro de 2023, por volta das 9h, refere-se à situação do dia anterior, conforme se segue:  

 MANIFESTAÇÕES CONTRA O RESULTADO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAISQGEx 07/01/23 - 9h  

 Público estimado pela SSP/DF de 3.000 pessoas na área próxima do SMU”, dizia o relato, já dando a dimensão do tamanho do ato do domingo.  

 “Durante a madrugada de 07/01/2023 mais 16 ônibus desembarcaram passageiros nas proximidades do QGEx, totalizando 101 veículos até as 8h20. Parte dos ônibus está estacionada na Granja do Torto. Os manifestantes que chegaram nas últimas horas traziam equipamentos de acampamento e mantimentos. Parte deles foi observada pegando Uber e se dirigindo para hotéis da cidade. Avenida do Exército está bloqueada para veículos nos dois extremos. Av. Duque de Caxias liberada para veículos a partir da Eixo Monumental, com controle de acesso feito pela PE. Fluxo ainda presumido de chegada de manifestantes de Brasília/DF, que vem a pé devido aos estacionamentos liberados na área do QGEx estarem lotados. Estacionamento da Catedral Rainha da Paz lotado, com manifestantes fazendo churrasco e acompanhando a missa na igreja. Houve incremento significativo no número de barracas de ontem para hoje, inclusive de instalação de estruturas maiores”, detalhava o documento, com descrição até da estrutura remontada pelos golpistas e a hora prevista para o início do golpe.

 “Cozinhas comunitárias, que haviam sido desmontadas, voltaram a funcionar. Às 8h30 havia concentração de pessoas na área do palco, mas não havia discursos. Há filas nas barracas de alimentação. Os acampados aparentam estar divididos em grupos, com sua própria organização cada. Após discussão acalorada entre acampados às 8h50, ficou decidido que os manifestantes partirão em marcha para Esplanada às 13h.”

 Houve um segundo informe, é o que descreve o documento que a CPMI obteve:

 “6. O segundo informe, postado no mesmo grupo pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), de acordo com documento que instrui o Processo SEI nº 00050-00003165/2023-51, segue abaixo:  

 [...] Em atendimento ao Despacho do Subsecretário de Inteligência da SSP-DF (108395941), informo que acerca do ato do dia 08 janeiro de 2023 foi recebido alerta da ABIN em grupo de aplicativo de mensagem denominado de “CIISP manifestações”, o qual era composto por representantes de várias agências de Inteligência, e que esta Gerência teve acesso. O alerta foi enviado ao mencionado grupo no dia 08JAN23 por volta de 10h30, conforme transcrito integralmente abaixo:  

 “MANIFESTAÇÕES CONTRA O RESULTADO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS – ATUALIZAÇÃO 08/01/2023 - 10h30  

 Em Brasília, continua chegada de manifestantes no QG do Exército, mas em fluxo menor que o registrado ontem. Houve incremento significativo no número de barracas de ontem para hoje, inclusive com instalação de estruturas maiores. Permanecem convocações e incitações para deslocamento até a Esplanada dos Ministérios, ocupações de prédios públicos e ações violentas. Em votação, decidiram que a marcha só iniciará quando todas as caravanas chegarem e estão evitando divulgar um horário para o início. Há um pequeno grupo de manifestantes na Av. das Bandeiras (imagem anexa). Em São José dos Campos/SP, há presença de manifestantes na Revap, Refap e no terminal de Barueri/SP. Houve tentativa de bloqueio de acessos no Posto Avançado 6 (P6), na BAVAP, no final da noite de 07/01, mas a via foi liberada.”

 Um grupo, segundo a descrição da Abin, fazia ações terroristas no RS:

 “Em Canoas/RS, grupo de cerca de 100 manifestantes encontra-se próximo ao portão da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap). Há convocações em redes sociais e grupos de mensageria para aumentar o número de pessoas no local. Forças de segurança (PRF e BM) estão no local e não há bloqueio de rodovia nem do acesso à refinaria.” Destaca-se que a "imagem anexa" mencionada no texto acima não se encontra disponível no grupo.”

Para além de tudo o que já havia sido mencionado, já dando a dimensão do que estava por vir, o relato ainda usa a expressão “alarmante”, para descrever o que viria e fala explicitamente no uso de CACs com o uso de atiradores durante a ação.  Veja reprodução abaixo:

documento


Leia o documento na íntegra:

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.