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Roberto Bueno

Professor universitário, doutor em Filosofia do Direito (UFPR) e mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC)

96 artigos

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Dos Chicago Boys aos Chicago Bois

Eis que sob o regime fardado de Chicago a vida não interessa, a morte não importa, a dor é alvo de zombaria e a dignidade e os direitos humanos são alvo de indisfarçável menosprezo, deteriorados e conduzindo o estágio civilizatório ao mais baixo nível imaginável. Independência ou...

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Na década de 1970 conhecemos os Chicago Boys, economistas formados no Departamento de Economia da Universidade de Chicago. Criaram gramática econômica mesclada com peculiar violência e aplicaram a sua nefasta receita pela primeira vez quando os Estados Unidos patrocinaram o golpe militar no Chile levado a termo a 11 de setembro 1973. A estratégia foi realizada para impor políticas de expropriação das riquezas e em benefício da associação entre a elite local e os interesses dos patrocinadores do golpe contra o povo chileno encarnado na figura do Presidente eleito, o moderado Salvador Allende. Assim era aberto o passo para a ascensão do general golpista, o militar subversivo Augusto Pinochet, representante de uma estirpe política para quem modestos avanços sociais são de todos insuportáveis, cosmovisão típica da elite política sul-americana, para quem a vida de homens e mulheres mais pobres merece ser esmagada sem piedade sob as bênçãos de versões autoritárias de um catolicismo sem chão nem alma.

Os Chicago Boys sentiram-se à vontade para aplicar política econômica articulada com os interesses norte-americanos, tal como ocorreria em tantos outros países latino-americanos como o Brasil após o golpe de 1964. Em ambos os casos ali estava a marinha norte-americana à costa, observando, pronta para intervir em apoio à subversiva elite demofóbica local, disposta e autorizada a operar em caso de resistência efetiva dos militares brasileiros legalistas. O demofobismo em qualquer de suas versões é antidemocrático e inconstitucional, verdadeiramente subversivo, identificado com o sacrifício de vidas, atentatório à saúde da massa e indiferente relativamente ao extermínio de corpos, deixando escorrer vidas à míngua, sem socorro, atendimento ou misericórdia. Portanto, é íntimo o diálogo entre o neoliberalismo, o fascismo e regimes fardados como os de Pinochet e seus homólogos de outros tempos.

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Vão longe os dias sombrios em que os Chicago ainda boys jactavam-se de mínimas afeições ao cientificismo, presumindo de certas veleidades acadêmicas e aristocratismo forjado no meio intelectual norte-americano, algo preocupados em distanciar-se de seus companheiros brucutus operadores de corpos no “chão de fábrica” da ditadura, que costumam habitar os porões de regimes opressores do povo como os concebidos por Chicago. Ao longo do tempo mantiveram firme disposição para sujar as mãos com sangue, mas convenientemente delegando funções e mantendo brancas as suas camisas, evitando compartilhar as salas de seus tonton macoutes, hipocrisia em alta e baixa dose de escrúpulos, que os levava a não aparecer em público com os seus ordinários companheiros de farda, ou sem ela. Quando o sangue do povo escorre, de forma oculta ou não, a ditadura já está na ordem do dia, e então, a esquerda latino-americana começa a rumar para o exílio, como o fazem Alan García e Rafael Correa, cientes e bem sabedores da falência das que até então eram conhecidas como instituições-garante da democracia. O êxodo é a resposta ao capital transnacional invasor de fronteiras, aliado à oligarquia nacional alugada que desloca os poderes democrático-constitucionais de suas funções.   

Em nenhum caso interessava aos egressos de Chicago operar alguma variável de bem-estar ao povo chileno, senão maximizar as funções de lucros e todo o tipo de benefícios para um pequeno grupo que controlava as palancas do mundo dos negócios e do golpe de Estado. O ex-Ministro de Allende, Orlando Letelier, era claro a este respeito em carta assinada três anos após o golpe de Pinochet e a escassos meses de seu assassinato pela DINA em Washington sob as ordens do regime ditatorial chileno. Nela Letelier narrava as consequências perversas da aplicação da política econômica de Chicago, corporificadas em um alto percentual da população chilena vivendo sob severas restrições alimentares e má-nutrição, sob dantesco cenário de aumento da mortalidade infantil relativamente ao período do governo Allende. Enquanto as privações humanas de todo tipo eram sobressalentes, os homens de Chicago permaneciam obcecados pela criação do mercado de capitais, um de seus grandes objetivos, juntamente ao de privatizar absolutamente todas as riquezas nacionais. Este é o traje recomendado a todos os países pelo império, mas nunca aplicável ao seu território, onde mais adequadas são as políticas de tipo keynesiano. A América Latina logo conheceria a passagem dos Chicago Boys aos Chicago bois.

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Figuras autóctones, os Chicago bois representam o gênio dos que tripudiam sobre os supostos refinamentos da aristocracia de seus antecessores, colocando-se para além do mal pensável e quaisquer critérios plausíveis para a gestão dos assuntos sociais. Os emergentes Chicago bois encarnam a dócil submissão de uma elite desprezada lá e desprezível cá, regiamente prestando subordinada continência ao grande senhor do norte, mas dotada de singular pendor para a feitoria, impondo sacrifícios à população sobre a qual exerce o poder. Os Chicago bois convivem gozosamente com personagens sanguinários que habitaram os mais obscuros porões, abraçando-os e, hoje, deixando-se fotografar em pleno desfrute à luz do sol.

Os Chicago bois em seu incontível e cego tropel avassalam e desconstroem padrões históricos civilizatórios arduamente alcançados, ressuscitando ideias pré-modernas que dinamitam aspirações sociais calçadas na prioridade do humano. Os Chicago bois são inimigos de homens e mulheres que não pertençam à elite. São cegos repetidores, mentes à vontade sob servidão, estreitas, sobretudo desinteressadas de nada mais que não as estratégias para realizar a corretagem das riquezas nacionais. Os Chicago bois operam como autênticos aiatolás tupiniquins, mobilizadores teológicos com fins estritamente pecuniários travestidos de fins éticos que virtualmente desconhecem.

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Há articulação íntima das forças inimigas do povo que desprezam qualquer dimensão comunitária, e assim a saúde e a educação pública. Nessa dimensão nada mais lhes ocupa senão deixar morrer e ampliar a alta eficiência do psicopoder. A segurança é resumida em esmagar reações contra as suas políticas anti-povo através da mobilização das armas do Estado. Nesse território neoliberal inóspito a gramática do terrorismo é ampliada para abarcar (e punir) coletivos que lutam como podem pela preservação de suas vidas. Essas forças antipopulares creem legitimar seu regime através da repressão brutal, a pancadaria, o gás, o choque, sangue corrente nas ruas, tudo através de ampla coordenação pela mídia. O cenário de violência é necessário para a instauração do reino da “verdade” econômica dos Chicago bois associados aos promotores do sequestro e entrega da soberania para o poder internacional.

Os Chicago bois são servis, uns bem mandados de luxo, cuja retórica presume ter a receita para tudo, quando nada mais oferecem do que “argumento” resumido na articulação do tacape e o fuzil para expropriar riquezas ou, se preferirem, roubá-las sob nuvens diversionistas. Este equipamento não será dispensado hoje como não o foi no Chile de Pinochet, quando o neoliberalismo se revelou inábil para persuadir parte da população sobre a necessidade, e a razoabilidade, da aplicação de política econômica cujos resultados eram absolutamente nefastos para ela. Uma vez despertada do engodo e na iminência de firme resposta da população, a oligarquia lança mão de crua violência para manter o seu projeto de poder.

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O neoliberalismo que conhecemos pretende “reprimarizar” a economia, à força, refundando o reino das commodities, reinaugurando o passado, e todos que não se submeterem à essa miséria depararão com uma única resposta: perseguição, e se necessário, a eliminação. A legislação e os juristas sempre estão a postos ao cumprimento dessa ignóbil função, pois como já observou Hitler, em seu momento nada poderia ter sido feito sem os juristas alemães. Aniquilada a resistência, o que se almeja é o “Brasil-fazendão”, compatível com a visão neoliberal de que o país deve investir apenas em suas vantagens competitivas. Por trás dessa iniciativa está o projeto geopolítico que reposiciona a América Latina, colocando as suas riquezas à disposição do poder imperial. O êxito da reação progressista não ocorrerá sem firme organização continental contrária à semi-escravidão a que é reduzida a massa de trabalhadores hoje destituída de direitos.

O projeto neoliberal já não demanda invasões militares ordinárias, mas golpes estruturados em fontes econômico-digitais. Nos dias correntes as democracias latino-americanas são atacadas com o apoio de forças autóctones, perseguindo coletivamente as lideranças populares capazes de propor e eleitoralmente legitimar políticas públicas nacionais e orçamentos que privilegiem o interesse popular. Esse patrimônio político está sob duro ataque ao menos desde que alta patente armada afirmou que a aproximação ao poder ocorreria, e se daria de forma sucessiva, e assim foi até agora, quando, finalmente, os gabinetes foram ocupados, da planície ao Planalto. Em uma democracia com mínimas condições de reconhecimento, uma eleição não legitima a alteração das estruturas do Estado, algo que poderia ocorrer apenas por profunda repactuação social em sede constitucional. Mas o neoliberalismo de Chicago despreza pactos democráticos quando seus interesses econômicos não se encontrem em posição de maximização sem travas.

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A teoria neoliberal aponta para o caminho da expropriação de riquezas nacionais dos países periféricos em prol de sua concentração no império e adjacências, o que pressupõe empobrecimento e exclusão nas nações-vítimas. Nunca foi outra a lógica já talentosamente exposta pela literatura de Eduardo Galeano, das minas bolivianas às das Gerais. Hoje quando o grande império do norte sente o vigor do incansável e poderoso dragão asiático que nunca geriu sua economia pelos ditames do receituário neoliberal, então, a reação precisou ser intensa, lançando mão de novos e sofisticados recursos que a era digital dispõe, para assim tentar controlar a todos, de peões a reis e rainhas. Esse o movimento para a apropriação das riquezas naturais viabilizador do objetivo imperial de desacelerar a sua decadência e retardar a final derrota ante o emergente império chinês em posição de assumir o protagonismo internacional.

A mão que institui e mantém a desigualdade já não é nada invisível nem usa luvas de pelica, senão tacape à mão e fuzil ao ombro. Tardança na reação equivale a aumento de sofrimento e dor, inevitável quanto a concretização, mas não quanto a intensidade. Ainda não testemunhamos a que vem o regime, e nem a sua real sede de poder, embora antevista a sua disponibilidade para aplicar a violência contra quem ouse resistir em prol da defesa de direitos sociais e das riquezas nacionais. Não serão tolerados. O peso da farda de Chicago já deveria ter servido de alerta quando era observada apenas no horizonte, quando ainda era tempo de que as lideranças progressistas evitassem o pior. Antes de virar a montanha o trem já apitava, se fazia ouvir ao longe, reclamava atenção, mas a inércia reinou, como há quase cem anos em Weimar. O lastimável se encaminha por “aproximações sucessivas”. Nunca foi por falta de avisos públicos, ontem como hoje, e assim a desídia, o voluntarismo e as vaidades alimentam o desastre e o monstro que logo ocupa o lugar de todos os aspirantes ao poder que não lhes cederá passo sob qualquer circunstância.

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Os Chicago bois estão à soldo e recebem por produtividade, conforme o volume das riquezas efetivamente entregues, estímulo suficiente para que ataquem até mesmo o povo resistente, recorrendo às armas pagas por ele mesmo. Orientam um governo que aplica teoria neoliberal típica dos mais vis regimes ocupacionistas em benefício exclusivo do sindicato de expropriadores que a tudo entregam a preço vil, vidas humanas incluídas. Têm altas ambições unidas a nenhum escrúpulo, e por isso as perseguições não se deterão enquanto depararem com um braço levantado e soe e se faça ouvir uma voz acusatória do golpe e do roubo. O enfrentamento que finalmente decidirá a partida se dará entre o peso da massa e a ordem para acionar as engrenagens do fuzil e produzir os seus resultados crus.

O pensamento progressista deve colocar em destaque o discurso da retomada do poder político pelos civis em detrimento do regime militar que não foi apresentado como opção por qualquer programa de governo e que tampouco foi escolhido para transformar a estrutura do Estado brasileiro. Sob a implacável organização para a expropriação das riquezas nacionais a inércia não oferecerá qualquer expectativa razoável de sobrevida. Resta esperança na resistência à força brutal que se abaterá implacavelmente sobre todos. O campo progressista carece de compreendê-lo e de migrar deste ao duro território da ação.

É reclamada a presença das lideranças populares para a organização das vias de resistência política democrática contra o regime militar. Ou a ousadia une-se à coragem e ao destemor desbloqueando mentes ou a violência crua será perpetrada sobre os corpos mais indefesos da população, já cansando à espera de convocação e sinalização dos rumos por parte de seus líderes para resistir à iminente destruição de suas vidas por prepostos pouco talentosos da distante Chicago. Dão mostras de habitual sua ferocidade com a eliminação dos serviços médicos prestados a nada menos do que três dezenas de milhões de vidas que pendem por um fio. Mas eis que sob o regime fardado de Chicago a vida não interessa, a morte não importa, a dor é alvo de zombaria e a dignidade e os direitos humanos são alvo de indisfarçável menosprezo, deteriorados e conduzindo o estágio civilizatório ao mais baixo nível imaginável. Independência ou...

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