Durma-se com um barulho desses
A lei do silêncio, apesar de resistir, é a menos respeitada
Foi o grande poeta Ferreira Goulart que, se não me engano, cunhou a frase do título numa crônica. O problema é que não é só dormir. Agora é viver o dia inteiro no Rio de Janeiro e talvez em São Paulo com um barulho desses. Nada contra as pessoas trabalharem desde cedo, conversarem, darem risadas e executarem tarefas barulhentas. Mas para tudo existem regras e a lei do silêncio, apesar de resistir, é a menos respeitada.
As motos fazem barulho e tocam a buzina sem parar porque se não fizerem isso serão atropeladas pelos automóveis que ziguezagueiam pelas filas do trânsito. Ou seja, ao invés de resolverem o problema dos automóveis permitem o barulho das motos. Lembro de uma época em que se permitia que os automóveis avançassem o sinal vermelho porque o assaltante estaria à espreita. Até hoje é assim e até virou lei, esta respeitadíssima. Depois das 10 você pode avançar certos sinais. A transgressão vira regra, mas outras regras não são seguidas.
O brasileiro, sobretudo o carioca, também fala alto. Trabalhando ou não. No trabalho grita na rua como se não houvesse mais ninguém principalmente dormindo. E grita a qualquer hora. O povo caminhando também fala alto. Os ciclistas pedalando gritam um com o outro como se estivessem conversando na beira da calçada. As caçambas, ah as malditas e necessárias caçambas, são o meu desespero pessoal. Consegui a duras penas e às vezes de modo ridículo colocar um pouco de disciplina neste setor barulhento das obras que me cercam.
Moro numa rua cujo trecho é proibido estacionar. Existe nele um ponto de ônibus e por conta disso todo mundo estaciona, inclusive as caçambas. Acho que já falei aqui deste assunto. Já desisti de clamar por ordem neste setor. Aceito, mas exijo que cumpram a lei do silêncio. Se eu não fizesse força eles continuariam fazendo um barulho ensurdecedor mesmo na alta madrugada. A muito custo convenci os funcionários que havia gente querendo dormir. Trabalho muito à noite, portanto, às vezes, acordar mais tarde é um direito meu. E quando falo mais tarde é por volta das 8 da manhã. Nada demais. Existe aqui no condomínio onde moro uma regra de só começarem a fazer barulho de pois das 9. Parece civilizado e é. Às 9 em ponto começam. As vezes param às 10 e não fazem mais barulho. Vai entender.
Também moro numa rua com vários restaurantes, alguns novos e muito frequentados. Nos finais de semana acontecem vários engarrafamentos, o povo buzina nos carros e com isso sofro com o barulho. Os vizinhos mais próximos, coitados, têm que aguentar o som ao vivo nos sábados e domingos que ocupam o meio da rua. Tudo certo, a farra é boa, mas tem gente que não gosta e isso deveria ser levado em consideração.
Agora estou gastando um dinheiro que não tenho para colocar vidros à prova de ruído no meu quarto. Depois da pandemia o delivery virou um hábito e com isso as motos barulhentas abusam desta preferência. Elas aceleram bem aqui na minha janela. Acho que acontece na janela de todos mas acho que é comigo. Nada contra ao trabalho, ao uso das ruas, à liberdade de ir e vir das pessoas, mas tudo tem um limite ou uma regra. Os caminhões do lixo por exemplo, apesar da indisciplina dos horários em que passam até que sabem se conter na hora do barulho. Ou já estou acostumado e durmo com um barulho desses. Prefiro isso ao não recolhimento do lixo. Falando em lixo este é um assunto para uma nova oportunidade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




