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Jean Goldenbaum

Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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É hora de estátuas brasileiras também caírem

Quantas estátuas de escravocratas, bandeirantes e outros transgressores estão erguidas nas milhares de cidades brasileiras? Quantos nomes de ruas e avenidas em suas homenagens existem? Incontáveis

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Nas últimas semanas temos visto ao redor do mundo, como uma das consequências do terrível assassinato de George Floyd, um fenômeno que ilustra muito bem a época que vivemos: a derrubada de estátuas de líderes opressores. Sim, é uma tradição da humanidade erguer monumentos em honra a “heróis” que outrora atingiram seus objetivos através de repressão, violência e dominação.

Pois bem, nos EUA, nas cidades de Boston e de Richmond (Virginia) estátuas de Cristóvão Colombo – que pode ser um herói para os colonizadores, mas certamente não para os colonizados – foram removidas e destruídas. Em Montgomery (Alabama) o mesmo foi feito com a estátua do general Robert E. Lee, conhecidamente um dos mais cruéis comandantes do exército dos Estados Confederados durante a Guerra Civil Americana. Os Confederados representam, entre outras coisas, a luta pela supremacia branca e defendiam o mantenimento da escravatura. Não é à toa que os supremacistas brancos contemporâneos desfilam hoje com bandeiras deste movimento em seus carros – uma cena que pode ser comumente vista na Era Trump.

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Em Antuérpia, na Bélgica, o alvo foi a estátua do Rei Leopoldo II, conhecido por ser responsável pela opressão belga sobre o colonizado Congo, durante a qual milhões de negros foram assassinados.

No Reino Unido ao menos duas estátuas de comerciantes de escravos já foram retiradas e há um movimento para que mais dezenas delas tenham o mesmo destino. Este movimento se chama ‘Topple the Racists’, que traduz-se como ‘Tombe os Racistas’. A frase que ilustra esta iniciativa diz: “Derrube estátuas e monumentos no Reino Unido que celebram escravidão e racismo”.

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Considero toda esta movimentação amplamente positiva e legítima. Se líderes opressores do passado, além de todo o mal que realizaram em vida, ainda por cima foram honrados e imortalizados com estátuas e monumentos, os que hoje são ofendidos por estes possuem pleno direito de confrontar esta questão. Afinal, um monumento é uma celebração. E se ele celebra homens claramente associados a atos de racismo e abuso, o monumento é em si um ato de racismo e abuso.

E no Brasil? Quantas estátuas de escravocratas, bandeirantes e outros transgressores estão erguidas nas milhares de cidades brasileiras? Quantos nomes de ruas e avenidas em suas homenagens existem? Incontáveis. E por que então no Brasil este atos de reação não ocorrem? Acredito que em grande parte por falta de consciência e de iniciativa. Mas agora é o momento para isto mudar. Espero muito que a população brasileira em algum momento se inspire nestes levantes mundiais e embarque nesta transformação social e física de suas cidades. Por séculos uma minoria de homens privilegiados ergueu monumentos e prestou homenagens a outros homens que são sinônimos de agressão. Agora é chegada a hora daqueles que se sentem agredidos agirem.

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Diante da ascensão do Neonazifascismo no Brasil, sobretudo através da eleição do atual presidente da República, o ativismo brasileiro parece atingir seu ápice. Nunca na história houve tanta gente ativa contra a opressão que ameaça grande parte da sociedade. E isso se justifica pois nunca houve tempos tão sombrios no país. Por isso, é hora de estátuas caírem.

Pois bem, cabe aqui então um exemplo. A maior estátua da cidade de São Paulo – e certamente uma das maiores do Brasil – é a de Manuel de Borba Gato (1649-1718), um bandeirante dos mais famosos que, inclusive, era genro de Fernão Dias, outro conhecido “desbravador”. Nesta faraônica construção inaugurada em 1957, que possui 13 metros de altura e 20 toneladas de peso, Borba Gato empunha (como não poderia deixar de ser) sua imensa arma. É feita de argamassa e revestida de basalto e mármore. Sim, toda esta estrutura e este luxo para reverenciar um homem que dedicou sua vida à ocupação de terras que não eram suas e para isto oprimiu, dominou, escravizou e assassinou – nunca saberemos quantos – índios e negros. Sim, em pleno século XXI uma das maiores estátuas do país é de um assassino com sua arma.

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A estátua localiza-se na zona sul de São Paulo, no bairro de Santo Amaro, mais especificamente em uma vizinhança rica e elitista. Há poucos anos foi construída uma linha de metrô nesta região e desta forma o bandeirante obteve mais uma homenagem, pois a estação local recebeu o seu nome. Tive o desprazer de crescer nesta região e confesso que há anos anseio pelo dia em que a sociedade se organize e retire de lá esta imensa escultura da violência. Não será fácil, porque o “troço” é maior e mais maciço do que todas as estátuas derrubadas nas manifestações acima mencionadas...

Mas o derrubamento não precisa necessariamente se dar através das próprias mãos da população civil. Há outros meios que, se funcionarem, são muito mais tranquilos e agradáveis para todos. Nos EUA, a partir do momento em que a sociedade começou a protestar contra estes monumentos, memoriais e homenagens aos Confederados (fundamentalmente no século XXI), centenas deles foram removidos pacificamente, pelas prefeituras das cidades. Dezenas de nomes de escolas, ruas e parques foram simplesmente alterados. Por isso estou certo de que é necessário tentar realizar a remoção destes monumentos através de medidas legais. Se não funcionar, aí sim, cabe sempre a escolha pela Desobediência Civil e a ação pelas próprias mãos.

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Aqui na Alemanha, onde vivo, até hoje há o exercício de pesquisa de estátuas de pessoas que se envolveram diretamente com o Nazismo. E se houver algumas que ainda se mantêm em pé, em algum momento serão descobertas e retiradas. Tive o prazer de vivenciar uma destas remoções há poucos anos. E isto só é possível através da ação da população, da iniciativa das comunidades, do uso da voz ativa do cidadão.

Borba Gato é somente um caso. Há diversos outros tributos a serem reconsiderados no Brasil. Por exemplo, há homenagens a “heróis” da Guerra do Paraguai, que, sabemos, é uma história repleta de crimes e atrocidades contra inocentes de ambos os lados. Ruas com nomes de políticos e militares também precisam ser obviamente revistas.

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Antes de concluir, preciso acrescentar que esta questão dos monumentos nem sempre é simples. Por exemplo, no Reino Unido há uma difíceis contendas ao redor de estátuas de Winston Churchill (1874-1965), uma figura extremamente complexa e repleta de nuances. É fato que ele foi um dos homens que salvou ao mundo da dominação hitlerista, o que o coloca em um pedestal heroico. Por outro lado, seu envolvimento com a política colonial britânica oferece material suficiente para a argumentação dos que defendem a derrubada de suas estátuas. Enfim, cada caso é um caso e cada um deles deve ser estudado e analisado. Mas a absoluta maioria dos homens representados em estátuas ao redor do mundo não representa minimamente a complexidade de Churchill. Borba Gato é um exemplo disso. Não há heroísmo nenhum em seus atos, e sim somente opressão.

Enfim, nossos maiores inimigos hoje no Brasil não são estátuas (antes fossem!), mas seres humanos muito vivos e com muito poder. E as manifestações são de fato perigosas graças à repressão que o governo e as polícias impõem. Mas se continuamos lutando, devemos ansiar por mais protestos e pela remoção de estátuas, mudança de nomes de ruas, escolas e parques, afinal tudo isso representa o status quo que precisamos desconstruir. E quando (ou se) chegarmos ao momento de reconstruir, espero que tenhamos forças para erguer novas estátuas no lugar das derrubadas: estátuas de poetas e poetizas, educadores e educadoras, artistas e outros humanistas, que de fato merecem ter suas obras e seus feitos eternizados e admirados pelas gerações por vir.

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