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Ricardo Nêggo Tom

Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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É menino ou menina? Qual o gênero do fascismo?

A Bíblia segue sendo usada como arma para legitimar a eliminação dos indesejáveis, escreve Ricardo Nêggo Tom

Amanda Paschoal e Lucas Pavanato (Foto: Richard Lourenço / Rede Câmara)

O MBL boy Lucas Pavanato foi o vereador mais votado do Brasil. Isso é um fato! Também é fato que a sua expressiva votação representa a identificação da população da cidade de São Paulo com o seu discurso conservador/hipócrita, preconceituoso e fascista. Toda a sua campanha foi feita objetivando se opor à população trans. Seus eleitores são pessoas que, se ainda fosse permitido por lei, como já foi um dia, matariam pessoas trans sob a égide da limpeza ética e moral da sociedade. Tudo, como sempre, em nome de Deus.

A Bíblia empunhada pelo teenager parlamentar durante uma sessão da Câmara, e que foi oferecida à vereadora Amanda Paschoal, que é uma mulher trans, como fonte para a “transformação de sua vida”, na verdade, simboliza uma arma para o extermínio de pessoas que eles não consideram dignas de existirem. É claro que o vereador não lê a Bíblia. Talvez ele nem saiba rezar o Pai-Nosso de cor. Natural, num mundo onde as piores pessoas são aquelas que mais se utilizam do nome de Deus para justificar o ódio, o preconceito e a maldade que têm dentro de si. O ingresso dessas pessoas na política visa legitimar a discriminação a seres humanos não agradáveis a seus olhos.

Uma prova disso é que o "menudo" do PL apresentou, em apenas três dias, 3 projetos que atingem diretamente a população trans da cidade. Uma ode à transfobia. Um soneto de perseguição a uma população que se encontra no país que mais mata mulheres trans em todo o mundo. Algo que a própria Bíblia, digo, a arma portada pelo vereador durante a sua fala, também aprova ao dizer que os homossexuais e efeminados não herdarão o reino dos céus. Um versículo escrito sob a inspiração da visão primitiva do mundo dos homens daquela época. Deus nunca teve nada a ver com isso. E não há contorcionismo teológico ou patetice profética que prove o contrário.

O fato é que a Bíblia precisa ser extinta do parlamento, pois o Estado é laico e a fé das pessoas não pode ser padronizada. Isso é FASCISMO RELIGIOSO! O projeto de poder neopentecostal não quer que todo joelho se dobre diante de Jesus. Nem Jesus quer isso. Nunca quis. O projeto de poder neopentecostal quer que todo joelho se dobre diante da dominação política, sociocultural e econômica que ele representa. Ele é o deus que oferecerá a salvação àqueles que se converterem aos seus propósitos políticos na sociedade. Já observaram como alguns “profetas” do segmento estão sempre profetizando o crescimento econômico do país, sob um governo “cristão”?

Outro fato a ser observado é a incoerência entre a teologia da prosperidade desmedida e a profecia que preconiza a volta de Jesus e o fim do mundo. Ora, se com a volta de Jesus o mundo acabar, qual o sentido de prosperar? Por que pastores continuam ávidos por dízimos e ofertas, se em breve não terão como desfrutar de todo o dinheiro que tomam dos fiéis das formas mais espúrias e abjetas possíveis? O que será feito com os suntuosos templos construídos e com a infinidade de bens adquiridos pelos picaretas da fé? Jesus vai destruir tudo ou irá tomar posse dos regalos? Afinal, teoricamente, tudo foi dado para ele, né?

Usar a Bíblia para ser transfóbico não é nenhuma novidade. A novidade é que agora isso não é mais aceitável socialmente, e sem recorrer à lei que criminaliza discursos de ódio e preconceito contra a população transexual. A fé religiosa de um parlamentar não pode servir de excludente de ilicitude para o cometimento de crimes contra a pessoa humana. O respeito à Constituição deve ser a base das relações políticas. A fé nas escrituras bíblicas, ou em qualquer outro livro considerado sagrado, é uma questão de foro íntimo de cada um, não devendo pautar o discurso político de pessoas eleitas para representar a coletividade, e que têm os seus salários pagos por essa mesma coletividade.

E ainda sobre a Bíblia, a arma de guerra dos fundamentalistas, em nenhum trecho do livro o diabo está determinando a seus eleitos e escolhidos, que invadam outros territórios, saqueiem os bens da população neles habitam e sacrifiquem impiedosamente todos aqueles que são infiéis e não o reconhecem como o único deus. A igreja católica não queimou pessoas vivas na fogueira em nome de satã. Hitler não dizimou minorias em nome do capiroto. Bolsonaro não contribuiu para a morte de 700 mil pessoas em nome do cramulhão. Lucas Pavanato não usa o nome de belzebu para incitar preconceito e violência contra mulheres trans. Todos usaram o nome de Deus, acima de tudo e de todos, para dar um ar de legalidade e santificação à maldade que carregam dentro de si. Que Deus me livre do deus deles!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.