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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Economia da atenção converte vidas em espetáculo vão e vazio

Políticos e entretenimento disputam atenção, transformando vidas em espetáculo na era digital

Economia da atenção converte vidas em espetáculo vão e vazio (Foto: Reuters/Dado Ruvic/Illustration)

A política tornou-se um palco onde a atenção é o troféu supremo. Desde que Herbert A. Simon cunhou o conceito de economia da atenção nos anos 1970, alertando sobre a escassez do foco humano em um mundo saturado de informações, a disputa por olhares molda o poder. Donald Trump, com sua maestria nas redes sociais, transformou o Twitter (hoje X) em uma arma de campanha. Em 2016, seus tuítes provocativos, como os ataques à imprensa, que chamava de “fake news”, geraram 30 milhões de compartilhamentos de conteúdos pró-Trump, segundo o National Bureau of Economic Research. Ele pautava a agenda midiática, desviando holofotes para si. Barack Obama, por outro lado, usava as redes com elegância. Em 2008, sua campanha no Facebook mobilizou 2 milhões de voluntários, segundo a Pew Research, com mensagens inspiradoras que conectavam emocionalmente. Enquanto Trump chocava, Obama persuadia. Ambos, porém, dominavam a arte de capturar olhares em um mundo digital.

No universo das celebridades, a economia da atenção é um espetáculo incessante. Kim Kardashian, com 400 milhões de seguidores no Instagram em 2025, vende não apenas produtos, mas uma narrativa de vida. Cada post, de SKIMS a dramas familiares, é uma vitrine. MrBeast, ou Jimmy Donaldson, é outro ícone. Um youtuber americano de 27 anos, ele revolucionou o entretenimento digital com vídeos de desafios extravagantes, como doar US$ 1 milhão ou construir 100 casas para famílias carentes. Em 2024, seu canal atingiu 300 milhões de inscritos, segundo o Social Blade, gerando milhões em anúncios. Seus conteúdos, planejados com precisão algorítmica, capturam a atenção global. A realidade aumentada amplifica essa lógica: filtros do Snapchat transformam rostos comuns em capas de revista, e todos buscam ser vistos. Como dizia Andy Warhol, “no futuro, todos terão seus 15 minutos de fama”. Hoje, esses minutos são diários, mas fugazes.

Desde os anos 1970, a economia da atenção evoluiu de um conceito teórico para o coração do capitalismo digital. Antes, a sobrecarga vinha de jornais e TVs; hoje, são 4,9 bilhões de usuários online, segundo a Hootsuite, navegando em um oceano de posts e notificações. A inteligência artificial (IA) rege essa dança. Algoritmos do TikTok, que em 2023 geraram 1,5 bilhão de horas de visualização diária, sabem exatamente o que mantém as pessoas grudadas. Influenciadores, uma profissão inexistente há 20 anos, são os novos mercadores. Anitta, com parcerias como a da Skol em 2024, transforma posts em milhões, segundo a Forbes Brasil. A atenção é um ativo financeiro: cada segundo no Instagram rende centavos às big techs. Mas há um custo. A validação digital, como alerta Alain de Botton, prende em uma “escravidão do reconhecimento”.

A desinformação tornou-se o lado sombrio dessa economia. Nos últimos anos, notícias falsas dominaram a internet, capturando milhões. Trump foi um mestre nisso: um estudo da Cornell University de 2020 revelou que ele foi citado em 37% de 38 milhões de artigos sobre desinformação na pandemia, como quando sugeriu ingerir desinfetante contra a Covid-19. Obama também enfrentou fake news, como a teoria birther de 2011, que questionava seu local de nascimento, amplificada por Trump. Segundo o Washington Post, Trump fez mais de 20 mil declarações falsas até 2020. Ambos, porém, usaram a atenção para moldar narrativas. A justiça, lenta, não acompanha a velocidade dos crimes digitais. Nos EUA, em 2016, a fake news sobre uma pizzaria em Washington como centro de pedofilia levou um homem armado a invadir o local. No Brasil, em 2014, Fabiane Maria de Jesus foi linchada em Guarujá após uma falsa acusação de sequestro no Facebook.

O narcisismo e a vaidade florescem nesse terreno. A psicanálise de Michael Bálint sugere que a busca por likes reflete carências afetivas, um desejo de ser amado. Postar é existir, mas a validação é efêmera. A Royal Society for Public Health aponta que redes sociais aumentam a ansiedade em 70% dos jovens. A esfera pública e privada, como descreve Zygmunt Bauman em sua modernidade líquida, fundiram-se. Antes, a privacidade era um refúgio; hoje, é moeda de troca. Um jantar em família postado nos Stories vira alvo de anunciantes. Jürgen Habermas via a esfera pública como espaço de debate racional; agora, é um palco onde todos são produtos. A cultura pop já tem um termo para isso: personal branding. Bianca Andrade, a Boca Rosa, transformou sua vida em um império de R$ 120 milhões em 2023, segundo a Forbes Brasil.

A monetização de vídeos é o ápice dessa lógica. No YouTube, criadores como Felipe Neto faturam até R$ 500 mil por mês, segundo o Social Blade. O TikTok pagou US$ 1 bilhão a criadores em 2024. Cada vídeo é um investimento: mais views, mais lucro. A IA decide quem brilha, personalizando feeds com precisão cirúrgica. MrBeast, com seus desafios, é o rei: seus vídeos geram milhões em minutos. Mas a competição é feroz, e a atenção, finita.

Os reality shows refletem essa fome por atenção. De Big Brother Brasil a The Masked Singer, a variedade é vasta: MasterChef (culinária), RuPaul’s Drag Race (performance), Casamento às Cegas (relacionamentos). Em 2024, o BBB 24 teve 1,2 bilhão de votos online, segundo a Globo. Participantes como Davi, vencedor do BBB 23, tornam-se marcas, mas enfrentam o escrutínio público. A atenção é um holofote cruel, e a fama, uma promessa frágil.

Refletindo com poesia e crítica, a economia da atenção é um espelho que revela desejos e distorce verdades. Viver em um mundo onde ser visto é existir desafia a alma. A IA, os algoritmos, os likes — tudo seduz, mas também aprisiona. Escolher comunicar para conectar, não para se perder, é o desafio. Que o brilho do mundo não apague o que pulsa dentro.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.