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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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Economia em desaceleração nos EUA pressiona o Fed e pode dar alívio a Lula em ano eleitoral

Queda do dólar, inflação mais controlada e redução dos juros podem ser um dos melhores cenários para o atual presidente

Lula, urna eletrônica e Donald Trump (Foto: Divulgação)

O relatório de empregos divulgado nos Estados Unidos nesta sexta-feira (01/08) trouxe uma bomba política disfarçada de estatística. A criação de apenas 73 mil vagas em julho — somada a revisões negativas que eliminaram mais de 250 mil empregos dos meses anteriores — acendeu alertas em Washington. A taxa de desemprego subiu para 4,2%. Mas, em vez de admitir que o ciclo econômico mudou de fase, o presidente Donald Trump partiu para o ataque: responsabilizou publicamente a presidente do Bureau of Labor Statistics (BLS), Erika McEntarfer, e a demitiu.

A reação é sintomática. Para Trump, em campanha pela reeleição, más notícias econômicas são vistas como sabotagem, mesmo que venham de técnicos independentes e com décadas de serviço público. Ao mirar Erika, Trump tenta encobrir o fato de que, mesmo com crescimento positivo, a economia americana começa a mostrar sinais de exaustão. E transforma a estatística oficial em campo de batalha política.

Mas esse episódio não é só mais um entre tantos na guerra cultural do trumpismo. Ele tem implicações concretas para a política monetária global e, por extensão, para o Brasil.

Com o mercado de trabalho americano esfriando mais rápido do que se esperava, cresce a expectativa de que o Federal Reserve corte os juros já em setembro. Antes do relatório, menos de 40% dos analistas viam essa possibilidade como provável. Após a divulgação dos dados, essa previsão saltou para mais de 70%.

Se o Fed, de fato, reduzir os juros nos próximos meses (algo que Trump vem advogando), os efeitos serão sentidos no mundo inteiro. O dólar tende a se desvalorizar, e países emergentes, como o Brasil, passam a atrair mais capital estrangeiro. Isso porque os investidores globais, diante de rendimentos mais baixos nos títulos americanos, buscam alternativas mais rentáveis em mercados periféricos. O real tende a se valorizar, e os preços de importados, como combustíveis e alimentos, caem. Resultado: pressões inflacionárias se reduzem, abrindo espaço para o Banco Central brasileiro cortar os juros.

E é aí que entra o fator político doméstico. Em 2026, o Brasil vai às urnas para as eleições presidenciais. Um cenário de queda do dólar, inflação mais controlada e possível redução da taxa Selic seria o melhor dos mundos para o governo Lula. Mais consumo, mais crédito, mais investimentos. Tudo isso em um momento em que o presidente tentará se reeleger ou indicar seu sucessor.

Hoje, a taxa básica de juros no Brasil está em 15%, o nível mais alto em duas décadas. A inflação ainda não está dentro da meta considerada pela maioria dos economistas brasileiros como irreal, e o Banco Central vem demonstrando cautela para iniciar um ciclo de cortes. Mas, com a economia americana em desaceleração e o Fed abrindo a porteira para juros mais baixos, o caminho fica menos arriscado. A conjuntura internacional, por enquanto, joga a favor do Palácio do Planalto.

É claro que há fatores complicadores. O próprio Trump, que ameaça a independência do BLS, também adotou medidas hostis ao Brasil, como o tarifaço que entrará em vigor a partir de seis de agosto. Produtos como carne bovina, café, muitas frutas como manga, cacau, açaí, máquinas agrícolas e industriais, têxteis, dentre outros passarão a enfrentar alíquotas de até 50% para entrar no mercado americano. A medida, claramente retaliatória, representa uma ameaça real à balança comercial brasileira e pode custar até 0,2 ponto percentual do PIB, além de colocar em risco mais de 100 mil empregos em setores exportadores.

Mesmo assim, os efeitos líquidos da nova conjuntura externa podem ser positivos para o Brasil no curto prazo. Um dólar mais fraco significa menos pressão sobre os preços e mais espaço para estímulos internos. Se o Banco Central aproveitar esse movimento, poderá começar a baixar os juros já no primeiro trimestre de 2026, coincidindo com o início da campanha eleitoral. Isso cria uma janela de oportunidade rara: crescimento com inflação sob controle. Há que se buscar alternativas para os produtos taxados para não comprometer o equilíbrio externo.

É importante lembrar que Lula assumiu o governo em meio a um quadro de juros elevados, inflação teimosa e baixa capacidade de investimento público. Passados três anos, o cenário ainda é desafiador, mas alguns indicadores começam a jogar a favor. O arrefecimento da economia global, paradoxalmente, pode ser o empurrão que faltava para destravar a política monetária brasileira.

Do outro lado do hemisfério, Trump segue o roteiro autoritário de sempre: quando os fatos atrapalham, ele tenta calar os mensageiros. A presidente do Bureau de Estatísticas virou bode expiatório da desaceleração econômica americana — mesmo sendo reconhecida por sua competência e rigor técnico. É mais um capítulo da tentativa do trumpismo de instrumentalizar instituições públicas e deslegitimar dados que não servem ao seu discurso.

A politização da estatística nos EUA é um sinal preocupante. Não apenas para a democracia americana, mas também para a credibilidade das informações que influenciam decisões globais. O Federal Reserve, por exemplo, depende diretamente dos dados do BLS para definir sua política de juros. Se esses dados passarem a ser manipulados ou desacreditados, o mundo inteiro perderá referência.

No Brasil, o episódio serve de alerta: preservar a autonomia técnica de órgãos como o IBGE e o Banco Central é um valor democrático e econômico. Quando os dados são confiáveis, a política pública melhora. Quando se tornam reféns da conveniência eleitoral, o prejuízo é coletivo.

Certamente o mercado de trabalho dos EUA está esfriando. Isso deve levar a uma queda dos juros por lá. O dólar tende a se desvalorizar. O Brasil pode se beneficiar com uma janela de estímulos e crescimento, justo em ano eleitoral.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.